Um sem número de pessoas segue o rito do dezembrismo. O Deus também é invisível, mas a todos conforta com alegrias que aquecem o coração, especialmente no mês de dezembro. O Deus cultuado, adorado, o único, que a tudo vê e a todos ama: o consumo.
Uma espécie de sacerdotes, os marqueteiros, esses que ungem aqueles que serão adorados, ainda na década de 30 criaram uma figura metafísica com feitios humanos que a todos agrada. Morador do polo norte (claro, norte rico, sul pobre), esse velho tido como bom, mas que não passa de um derrotado, a todas as crianças quer conservar (sim, conservador mesmo) com o tal bom comportamento, seja lá o que isso queira significar. Uma figura criada por uma empresa de refrigerantes vira, então, um novo Hermes, que interpreta a língua dos deuses e se comunica com os pobres humanos por intermédio de cartas, decifrando desejos.
Esse novo cristo, de vermelho, velho, gordo, de barbas brancas, representa a longevidade, a pujança, a saúde (sim, quando a fome definhava corpos, ele distribuía presentes entre os súditos em sua carruagem alada). Essa metáfora nada tem de inocente. É o símbolo do dezembrismo, da falsa fartura, da falsa pujança, da falsa alegria.
O dezembrismo tem por lei maior o demonstrar-querer-bem no mês de dezembro. Pessoas que nunca se veem, que não se cumprimentam, que se odeiam até, diz a lei do dezembrismo que devem ser simpáticas umas com as outras. O cumprimento deve ser seguido pela reverência Feliz Natal e Próspero ano novo, que pode ser substituída pelo mais singelo boas festas.
O novo cristo do dezembrismo ensina: dai uns aos outros presentes. E assim o deus do consumo é adorado. Os fiéis que professam a fé do consumo se acotovelam nas lojas pelo país em busca de uma oferenda ao seu deus. O resultado sempre é o mesmo: no mês de dezembro, todos sorriem, ao desembrulhar os pacotes recheados do deus maior, e assim retribuem, como forma de engrandecê-lo.
Com o fim do mês de dezembro, começa um período de jejum de atitudes, de sorrisos, de cumprimentos e de gastanças. Agora, é necessário pagar as contas das oferendas ao deus do consumo, e todos retornam para o escravismo comum ao capital (uma espécie de diabo que faz sofrer o pobre fiel durante o resto do ano), acumulando as sobras entre os pagamentos das oferendas passadas e daquilo que é necessário guardar para o próximo dezembro, tão querido e tão aguardado pela multidão dezembrista.
E por último, porém não menos importante, é o espírito dezembrista. Este que comove o fiel a querer fazer o bem, ao menos neste importante mês. É neste glorioso mês que o voluntariado aparece como forma de se redimir dos pecados cometidos durante os outros 11 meses. O dezembrista volta pra casa com o dever cumprido, satisfeito de ter feito uma oferenda ao deus-consumo e levado um pedaço de plástico e balas a quem não tem, especialmente às crianças.
(*) O autor é bacharel em Direito, mestre em gestão de políticas públicas, doutorando em ciências jurídicas e doutorando em ciências jurídicas e sociais, advogado e professor universitário
LEITOR (A): Vi uma notícia de que uma igreja foi condenada a devolver valores que um fiel ofertou como espécie de dízimo. Existem decisões desse tipo? E o livre-arbítrio?
OZAWA: Sim, existem decisões que condenam igrejas a devolver valores. Ocorre que essas decisões ainda não são comuns. De um lado está a liberdade de escolha, do outro a coação moral, que pode anular qualquer doação havida. Mas não dá pra se analisar genericamente, há que se analisar cada caso em específico. Certo é que há muitas pessoas se deixando levar por falsas promessas e doando dinheiro, bens e direitos para ditos sacerdotes, onerando muitas vezes a própria família e os filhos. Há que se ficar atento a isso, porque não há salvação paga.
ADVERTÊNCIA: As ideias e opiniões expressas nesta coluna não são consultas ou pareceres. O Direito é uma ciência, por esse motivo comporta posicionamentos, ideias, críticas, teses e antíteses. As leis são de domínio público, assim como os posicionamentos dos tribunais. Mesmo assim, para o seu caso específico sempre procure um advogado habilitado para orientação. Saiba mais na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) mais próxima.