A passagem se fez no tempo: o primeiro turno se foi e agora resta outro amanhecer. Os resultados eleitorais mostraram, ao menos em parte, o desencanto que se abate sobre os eleitores: a política não entregou o que dela se esperava – a esperança, a renovação, a mudança. Desde que o lulismo e o bolsonarismo se tornaram a vibração dos movimentos, os temas políticos se voltaram para a luta entre grupos e abandonaram a disputa pelo futuro. Vencer um ao outro dera a cor e o tamanho da montanha. A diferença não foi mais sobre o futuro das pessoas por meio de propostas, senão a esquizofrenia das sirenes e tiros de guerra!
A forma de se compreender este fenômeno político e social se deu pelos resultados dos “não-votos”: brancos, nulos e abstenções. Com índices médios superiores ao período eleitoral que transcorreu na pandemia [Covid, 2020], os motivos não podem mais ser sinalizados por sistemas de proteção contra a contaminação física. O vírus que opera o desencanto sobre a política se transmite pelo buraco aberto, um fosso, um poço, entre o eleitor e os desenhos da política sobre o futuro.
O que um adulto estaria a dizer para os adolescentes quando perguntado por que não fora votar ou por que decidira não votar em nenhum dos candidatos que estiveram em propagandas e debates e entrevistas durante mais de 40 dias de forma tão concentrada? E qual o efeito sobre os adolescentes ao ouvirem respostas desestimulantes sobre a política e sobre os candidatos?
Talvez as pessoas estejam repletas de argumentos muito satisfatórios sobre sua decisão. Expressar contrariedade e pesar frente caminhos que devemos seguir por meio da política e das candidaturas é uma resposta. Estamos a formar um cenário interessante referente ao comportamento político e eleitoral ao qual devemos [por força da profissão] ficar atentos.
Até aqui o eleitor fixou dois momentos fundamentais: o de eleitor-espectador, membro de uma plateia numa peça de teatro a se deixar envolver pelo espetáculo de cadeiras, xingamentos, agressividades, dramas, desmascaramentos, indução ao erro, frases de efeito. Logo após, a faltar duas semanas para as eleições, o eleitor amanheceu com a responsabilidade de ter que escolher um dos candidatos: o eleitor-eecisor surgiu a 13 dias das eleições. Ficou a procurar um caminho, um sinal, uma conversão. Para mais de 20% isso não ocorrera. Índices de “não-votos” próximos a 30% tornam o processo preocupante!
O primeiro registro a ser feito é de que estamos diante da ausência de líderes políticos, substituídos em parte por influenciadores [influencers] que causam ebulições de instantes com alternâncias de euforias e desalentos, subidas e descidas, idas e vindas. Isso provoca, depois de certo tempo, o “congelamento dos sentidos”: aquela experiência emocional já está catalogada e vivida em demasia.
Precisamos estar atentos aos processos políticos e eleitorais daqui por diante, especialmente se quisermos formar novos líderes políticos e novos cenários de esperança encartadas e encantadas pela política! À política cabe a arte de prometer, porque ali se modulam futuros, cenários, vontades, desejos, crenças. Política precisa da força de ser amanhã!