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O velório da República


Os comentários entre vizinhos, nas esquinas parecem ter evaporado. Na civilização da internet as ruas têm linha reta, de mão única: a minha opinião sobre tudo e sem retrações. As disputas de posicionamentos nas redes sociais é uma troca de jeb [golpe de luta em linha reta] a distâncias virtuais. Cada um vira especialista de sua própria opinião, exposição em forma de julgamento.

A opinião é a exposição de um parecer que nasce das preferências pessoais, das experiências pouco refletidas. Opinar é julgar com base em conjecturas, no imediato das coisas, como um caminhão sobrecarregado de subjetividade. Como preferência pessoal significa defender o que gosta, a predileção, como saborear uma comida sem saber da trajetória de seus ingredientes, das combinações que organizam os sabores, dos produtores e dos cozinheiros. “Eu gosto” é a expressão suficiente. Em tempos de individualismo, a opinião se transfigura em julgamento, em culpa aos divergentes, em acusações aos contraditórios.

A opinião não precisa de clareza nos fatos, mas no arranjo de características que podem sustentar, por condição lógica formal [1+1=2], o julgamento já finalizado. É o mundo que se ajusta às preferências, aos desejos, à preeminência do ego. As condições opinativas colocam a vida em ordenação de continuum de prós-contras em relação ao julgamento feito ontem. Daí que opiniões partem de pontos de vista, do como se vê, do imediatismo dos olhos [e não de reflexão]. Opiniões se constroem por pontos muito específicos e restritos e expressam uma atitude já existente. Não são os fatos que levam ao julgamento, mas o julgamento que leva aos fatos. A verdade já estava pronta.

A argumentação necessita de método e discussões. Estes são dispositivos para se alcançar níveis diferentes de objetividade. Por se tentar entender os fatos se recorre a análise dos acontecimentos, ao controle pelas críticas dos outros [sempre desejado e muito bem vindo], inibindo as preferências pessoais. É por isso que ocorrem seminários, debates, se escrevem artigos, defendem-se teses, e se elevam as críticas. É no trato das argumentações que se chega a contratos mais gerais de fundamentos para se entender os fatos. A verdade não existe, mas o consenso.

Argumento, muito mais do que um ponto de vista, é um raciocínio, reflexão dedutiva ou indutiva [geralmente as duas ao mesmo tempo], sobre o mundo exterior e seus fatos, suas condições de existência, das relações que se estabelecem entre os elementos de existência. Quando se analisa um vírus num laboratório, por exemplo, busca-se a interpretação de sua existência e das interrelações estabelecidas com o mundo. Não importa o que se prefere, mas o que se estuda ser. Após isso, a necessária publicação passa por críticas e avaliações metodológicas.

Quem tem opinião defende a si mesmo, dispõe o caráter subjetivo, fala de sua preferência. Quem tem argumento posiciona um fato, atrai lições da história, recorre a livros [inteiros e não extratos espremidos em resumos do suprassumo da essência], passeia em interpretações científicas, analíticas, interpretativas, compreensivas, explicativas [cada qual com suporte teórico-metodológico distinto]. A opinião é legítima para o opinante, mas restrita, subjetiva e geralmente reducionista. O argumento é legítimo para a crítica, abre para a reflexão, não acusa. Argumentação geralmente amplia nosso conhecimento e nos provoca o espírito de sabedoria.

No alargamento do tempo do instante, a preferência política tem se sobreposto a argumentos. Nunca se mentiu tanto, da forma mais descarada, nos refúgios dos túneis secretos abaixo dos cemitérios de corpos ainda frescos. A política está matando a República.


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