A professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutora em Educação Maria Aparecida Lapa de Aguiar alerta que a discussão precisa ir além de números. “É importante colocar em xeque o próprio conceito de ‘idade certa’. Em um país com desigualdades tão acirradas, é possível estabelecer um marco único para o pleno domínio da alfabetização?”, provoca.
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Na base desse processo está a formação de professores. Prevista em lei, ela precisa ser garantida de forma consistente, com condições reais de trabalho. “Não está apenas na vontade dos professores lidar com a diversidade de aprendizagem. São necessários turmas menores, tempo para planejamento, salários dignos e políticas consistentes de formação”, afirma Maria Aparecida.
Materiais que dialogam com a
vida real
Jogos, tecnologias e literatura são peças-chave. Para a pesquisadora, a literatura infantil deve ser protagonista. “A criança aprende a ler e escrever com textos verdadeiros: histórias, receitas, listas, jogos e brincadeiras. A compreensão do sistema de escrita deve ocorrer no processo, não como algo apartado da vida real.”
Outro ponto central é o acompanhamento da aprendizagem. Avaliações nacionais são importantes, mas não podem se transformar no único norte. “Os dados precisam servir para melhorar o trabalho das escolas, e não para classificá-las. É preciso olhar para a realidade social de cada aluno”, reforça a professora.
Além de garantir a alfabetização infantil, políticas de busca ativa são indispensáveis para trazer de volta crianças e jovens que deixaram a escola. Mas o desafio não para por aí. A Educação de Jovens e Adultos (Eja) também deve ganhar atenção. “Quando deixamos crianças sem alfabetização adequada, mais tarde teremos jovens e adultos procurando a Eja. É fundamental investir desde cedo, mas sem abandonar aqueles que já carregam defasagens”, destaca Maria Aparecida.
No entanto, a doutoranda da UFSC, Dayane Regina Masselai, lembra que o ensino para adultos precisa reconhecer a bagagem de vida dos alunos. “Eles trazem experiências profissionais, familiares e culturais que devem ser incorporadas ao processo. Isso exige metodologias flexíveis e contextualizadas, capazes de transformar a Eja em um verdadeiro espaço de inclusão.”
Alfabetizar é investimento
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Na prática, alfabetizar vai além da escola: significa ampliar oportunidades no mercado de trabalho, reduzir desigualdades e fortalecer a cidadania. Para a professora doutora Daniela Karine Ramos, também da UFSC, a formação continuada de professores é essencial nesse processo. “Ela permite atualizar práticas e lidar melhor com a diversidade de ritmos de aprendizagem, especialmente nos primeiros anos de escolarização.”
Como conclui Maria Aparecida: “Enquanto não houver políticas incisivas para enfrentar as questões sociais mais amplas, a escola seguirá sofrendo as consequências. E o país também, pois as crianças de hoje serão os adultos de amanhã.”