Matérias | Especial


Faltam imóveis pra alugar

Trabalhadores abandonam a região por falta de moradia

Além dos aluguéis terem subido acima da inflação, proprietários exigem que locatários não tenham filhos, pets ou visitas

Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]

(FOTOS: ACERVO PESSOAL)

Por Renata Rosa

Especial para o DIARINHO

Viver em uma região valorizada pelo mercado imobiliário tem aspecto controverso que só quem procura um imóvel para locar percebe: está ficando quase impossível morar de aluguel em Itajaí. Para muitos imigrantes que vieram em busca de uma vida melhor e trabalham em mercados, lojas e fábricas, os salários não chegam a R$ 2 mil. Esse é quase o preço de uma quitinete num bairro afastado onde não permitem crianças, pets ou visitas.



“O aluguel aqui é pra matar o cidadão. Eu tenho três filhos e com o salário que eu recebo, ou a gente come ou paga o aluguel”, lamenta David dos Santos, de 43 anos. Ele é itajaiense e casado com Liliane, de 31, de Ponta Grossa (PR). Eles moravam numa quitinete no bairro Cordeiros e pagavam R$ 1250, mas tiveram que entregar o imóvel no final do ano passado. David, que é operador de empilhadeira, procurou outro imóvel por semanas, mas nada que se encaixasse no orçamento da família.

“Quando a gente acha uma casa não cabe no orçamento. Quando acha outra casa que dá pra pagar, não aceita criança. Meu Deus do céu, vou fazer o quê?! Amarrar os filhos no poste?”, se desespera. Para não ficar na rua, ele teve que mandar a família para a casa da sogra, no Paraná. Situação impensável para quem tinha uma vida modesta, mas independente.

Liliane conta que não está sendo nada fácil se adaptar a morar com a mãe depois de tantos anos, e ainda com três filhos pequenos, dois que ainda mamam. Por causa da mudança abrupta, as crianças começaram a ter febre, diarreia e sentem a falta do pai. Liliane veio morar em Itajaí há 12 anos com o pai, onde se estabeleceram na rua José Pereira Liberato, no São João. Na época, o aluguel de uma casa de dois quartos era R$ 700. Hoje, para morar numa quitinete sem garagem, o aluguel mais que dobrou.


“Mesmo com os dois ganhando, eu tava trabalhando de auxiliar de cozinha, não dá pra pagar mais que R$ 1600 porque o gasto com fralda e leite é muito grande, fora luz, internet. Não dá pra morar no Brilhante e vir trabalhar de bicicleta no centro”, reclama. Além dos aluguéis mais baratos serem distantes, a maioria dos imóveis no Santa Regina ou Espinheiros exigem fiador ou três meses de aluguel adiantado. “Antes ninguém queria morar no Brejo, hoje tem um monte de quitinete. Já morei lá e peguei duas enchentes, e ainda assim, tá caro demais”, revela.

David teve que mandar a família morar com a sogra no Paraná

David teve que mandar a família morar com a sogra no Paraná

Para receber visita da família proprietário queria cobrar aluguel em dobro

Depois de ser humilhada pelo dono da casa, Nilda decidiu comprar um terreno

Depois de ser humilhada pelo dono da casa, Nilda decidiu comprar um terreno

 


A cearense Eronilda Gomes, de 40 anos, a Nilda, vive em Itajaí desde 2005. Costureira de profissão, começou a fazer faxina há oito anos para sustentar as três filhas. Numa semana ela chega a limpar 10 casas e, por causa das distâncias, muitas vezes só almoça quando está na hora de voltar. Hoje ela mora no Jardim Amélia, numa meia água que está construindo com o pai da filha caçula. Depois de muito se mudar, a cada vez que o aluguel aumentava, o casal tomou a decisão de empenhar a moto e dar entrada no terreno, a 15 km do centro.

A gota d’água foi quando seu irmão veio do Tocantins com a esposa e o proprietário da quitinete em que morava no São Vicente exigiu que ela pagasse o aluguel em dobro. “Ele veio bem grosso perguntando quando aquele pessoal ia embora. ‘Esse pessoal’ não, eu disse. Ele é meu irmão! ‘Ah, então vai ter que pagar dois aluguel’. Eu me senti muito humilhada”, relata.

Nilda conta que quando chegou a Itajaí pagava R$ 550 por uma quitinete e esse valor triplicou ao longo dos anos. E o que é pior: em condições cada vez mais restritivas para quem tem filhos ou animais, por isso já viu muita gente partir. “Tem gente que diz que a vida aqui é só trabalhar, não se pode curtir, daí vai embora”. Segundo Nilda, uma “casa mesmo” chega a custar R$ 1800. “E sem privacidade, morando perto do dono, que reclama de tudo”, lamenta.

Durante a pandemia, ela conta que o trabalho rareou porque tinha várias clientes idosas. Nessa época, ela trabalhou em casa para uma facção sem carteira assinada. Como faxineira, consegue tirar R$ 3 mil por mês, mas não dá para ficar doente, já que a prestação do terreno não pode atrasar. A sua maior alegria é ver as filhas encaminhadas na vida. A mais velha já casou e trabalha no Hospital Marieta como técnica de enfermagem.


Nilda veio morar em Itajaí depois de um sobrinho. De sua terra natal, o que mais sente falta é dos pais, já que só conseguiu visitá-los uma única vez, e eles já passaram dos 80. Sua esperança é o preço da passagem cair para ir no final do ano, mas será de visita porque de Itajaí ela não sai. “Eu amo essa cidade. Nos primeiros anos foi difícil me acostumar com o clima, parecia que eu estava nos EUA, mas me adaptei, as pessoas são boas”, elogia.

 

Haitiano levou 10 anos para reunir a família em nova vida em Itajaí

Sauver e Ketteli vão abrir um brechó em casa para incrementar a renda

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Em 2013 o Brasil era a bola da vez no cenário internacional. O PIB crescia a cada ano, a taxa de desemprego era baixa e os investimentos em infraestrutura favoreciam a abertura de empresas que davam suporte à indústria naval, abundante na foz do rio Itajaí. Foi essa pujança econômica que atraiu o haitiano Sauver Dorime, de 47 anos. Ele estava tentando a vida na República Dominicana quando recebeu o convite de um compadre para vir trabalhar num estaleiro.


Na época, ele foi morar com um colega numa quitinete na Barra do Rio. O salário era suficiente para pagar sua parte do aluguel, de R$ 650, e guardar dinheiro para buscar a família que ficou no Haiti. “Como eu ganhava vale-alimentação, o resto do salário eu guardava já que as coisas não eram tão caras”, recorda. Só para trazer a esposa e um filho ele gastou R$ 13 mil.

Mas aí veio a crise econômica e ele teve que buscar outra ocupação, desta vez numa empresa terceirizada de serviços gerais. Em 2017, ele trabalhava para a empresa de limpeza de piscina que pagava R$ 1900 para atender oito condomínios. O trabalho era pesado, mas lhe possibilitou alugar casa de dois quartos no Cidade Nova por R$ 800.

Em 2020, após pedir aumento, ele foi demitido. Como tinha carteira assinada, teve direito ao seguro-desemprego, mas o custo de vida alto o obrigou a ir atrás de outra ocupação. O serviço de limpeza de piscina tinha demanda e Sauver começou a trabalhar como MEI para o antigo patrão. O salário deu uma melhorada, mas a família cresceu, como aconteceu em muitos lares durante a pandemia. Agora são seis filhos para sustentar.

No começo deste ano, Sauver foi surpreendido por mais uma alta no aluguel. Desta vez, o dono pediu R$ 1200 mais as taxas de lixo, água, IPTU, que antes tavam embutidas no preço. Foi aí que ele soube de uma família de conterrâneos que ia embora, deixando vaga a casa onde está hoje por R$ 1100. Foi a salvação. “Pra mim o pior é pedir que o casal não tenha filhos. Todo casal tem filho e todo mundo já foi criança”, lamenta.

Só que a casa estava em péssimo estado e Sauver teve que fazer várias melhorias, gastando suas poucas economias. Ele pintou as paredes, colocou piso na cozinha e cimentou a frente da casa para montar ali um brechó. Tudo para aumentar a renda e dar suporte aos filhos que estão na escola. Dois dispõem de bolsa de 50% na Escola Adventista;  a filha mais velha trabalha e à noite faz curso de auxiliar de enfermagem. Já a esposa Kettelie trabalha como servente.

E apesar da vida dura, ele não pensa em abandonar o Brasil. Vai começar a juntar dinheiro de novo para conseguir comprar uma casa através do Minha Casa, Minha Vida, em que se cadastrou há cinco anos. “Muitos estão tendo que ir embora porque com o salário mal dá para morar e comer. Mas eu gosto, não posso perder a esperança”, afirma.

Valorização de imóveis no litoral catarinense encareceu o aluguel

Apartamentos de luxo chamam a atenção de investidores de todo o Brasil

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Santa Catarina tem sido manchete nacional por causa do crescimento  do mercado imobiliário. Das 10 cidades com o m² mais valorizado do país, quatro são catarinenses: Balneário Camboriú, Itapema, Florianópolis e Itajaí. O outro lado da moeda é que ficou cada vez mais difícil para quem vive de aluguel arcar com o custo da moradia.

O aumento médio do aluguel no Brasil em 2022 foi de 16,55%, três vezes superior à inflação do período (5,79%). Ao mesmo tempo, muitas categorias profissionais sofreram redução de jornada e de pagamento em razão da pandemia e os rendimentos não voltaram aos patamares de 2020. Segundo o IBGE, o salário médio do brasileiro em 2023 ficou em 2.853,00. Em 2020 era de R$ 3.060,00. Já o salário médio em Itajaí, segundo a FGV, é de R$ 1.866,97.

O economista Daniel Corrêa da Silva explica que Itajaí vive um boom econômico que alçou a cidade ao posto de maior percentual no PIB de Santa Catarina: 16,5%. Isso significa uma renda per capita de R$ 148 mil. “Estes números enganam, pois não explicam a desigualdade entre poucos que tem muito e milhares que se viram com um salário mínimo”, argumenta.

Ele lembra que a flexibilização dos planos diretores de Itajaí e BC permitiu a construção de prédios com um número maior de andares. Estes apês de luxo chamaram a atenção de empresários que, na pandemia, passaram a trabalhar à distância. E também de pessoas com alto poder aquisitivo que gostaram do estado e os filhos vieram estudar aqui, inflacionando o mercado.

Daniel conta ainda que Itajaí tem um déficit habitacional de cerca de 10 mil moradias (Cohab), mas BC não tem porque tem excesso de moradia, só que permanecem vazias boa parte do ano.

Há déficit de 200 mil moradias em SC

A Secretaria de Desenvolvimento Social do governo do estado calcula em 152.983 famílias vivendo em condições precárias e outras 53.549 em situação de risco. O total de famílias no déficit habitacional é de 206.532. No ano passado, o governo lançou o projeto “SC Mais Moradia”, mas o novo governo tem outro plano: fazer a regularização fundiária de moradias sem escritura em parceria com o Tribunal de Justiça.

Em Itajaí, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação informou que está viabilizando junto ao governo federal a construção de três projetos habitacionais voltados à remoção de 1500 famílias em ocupações irregulares e beneficiários do auxílio moradia. A última entrega de casas populares foi em 2018, no bairro Santa Regina, através do Minha Casa Minha Vida. Já a prefeitura de Balneário Camboriú informou que não tem nenhum projeto de habitação popular.

 

Falta de moradia popular prejudica a contratação de mão de obra 

Para presidente do Sechobar, até o mercado de trabalho é prejudicado

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Para a presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes de Balneário Camboriú, Olga Ferreira, o problema da falta de moradia não afeta apenas os trabalhadores, mas também os empresários, que não conseguem preencher as vagas. “A gente tem esse termômetro no sindicato porque teve poucas rescisões após o verão. Ou seja, há vagas sobrando porque está caríssimo morar aqui. E não só para a nossa categoria. Olha a quantidade de operários que Balneário tem. Já passou da hora da prefeitura pensar em casas populares”, defende.

Para Olga, quem está ganhando com o fato de Balneário ter o m² mais caro do Brasil são apenas as construtoras e a prefeitura por causa do pagamento do IPTU. Mas, mesmo com o caixa reforçado, ela não percebe, por parte dos gestores locais, preocupação em dar a contrapartida social para acomodar a mão de obra. “Não tem máquina que substitua uma cozinheira, um garçom, uma camareira. É um problema seríssimo, que está se agravando a cada ano e a prefeitura não tem nenhum plano”, critica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 




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