Itajaí
Será que vem aí a praça dos Correios?
Comunidade de Itajaí se mobiliza para que local se transforme em área pública e não num novo prédio
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]






Renata Rosa Especial para o DIARINHO Itajaí está passando pelas transformações do crescimento. De cidade provinciana até a virada do milênio, agora é considerada uma das mais relevantes de Santa Catarina, sede de eventos internacionais e atrativa para investidores. O poder público já tem em andamento projetos para modernizar o espaço urbano. Mas a cidade vive, também, um novo desafio: qual será o destino de uma área nobre, onde estava instalada a sede dos Correios até 2015? Com a antiga sede derrubada e o terreno limpo após uma decisão da Justiça Federal, veio a necessidade de pensar formas de equalizar o bem-estar da população com sustentabilidade ambiental e viabilidade econômica. A comerciante Aline Aranha, 47 anos, cresceu no entorno da sede dos Correios e hoje tem uma loja em uma de suas esquinas. Ela está começando a mobilizar a comunidade para a criação de um parque ou praça verde com espaços de lazer naquele local. Numa única tarde, com um grupo de amigos, reuniu 700 assinaturas de outros moradores de Itajaí que também querem ali um espaço de convivência. “Poderia ser um espaço para levar as crianças, para os jovens se exercitarem. Praça para passear com os os idosos, os animais de estimação. Lugar para pegar sol e interagir com as novas gerações, já que a maioria não sai mais de casa”, argumenta. Estudos sobre a revitalização de espaços urbanos mostram que quanto mais as pessoas ficam isoladas, maior é a necessidade de criar áreas de convívio social. E isso até mesmo por uma questão de saúde pública. Doenças mentais como depressão, ansiedade, síndrome do pânico, agorafobia (medo de ficar em locais amplos e públicos) têm crescido de forma assustadora desde que as redes sociais e o celular substituíram outras formas de interação. O historiador polonês Zigmund Baumann, em seus estudos sobre a pós-modernidade, concluiu que as relações foram substituídas por conexões virtuais, que são mais frágeis e vulneráveis à tecla “delete” ao menor sinal de contrariedade. E isso tem repercussões graves na sociedade, com o aumento de posições acirradas e rompimento de laços afetivos. Cada um se fechou em sua bolha e o diálogo foi substituído por áudios no zap, sem falar nas ofensas dos haters (“Odiadores” da internet). Verônica Roncelli, diretora do colégio Salesiano, que faz frente ao terreno, acredita ser vital ter espaços públicos bem cuidados. Por isso, ela acredita que a área deve ser pensada para promover o bem estar da comunidade e visitantes. “Uma praça organizada trará movimento e segurança, além de favorecer o comércio. Que maravilha seria ter, no coração de Itajaí, um espaço com ciclovia, árvores, teatro, ou seja, que seja agradável e se torne uma referência em nossa bela cidade, onde reside um povo comprometido e alegre, merecedor do melhor”, opinou. Os bons exemplos de NY, Sampa e Salvador A verticalização, ou seja, aumento de prédios altos em pequenos espaços, solucionou o problema de moradia, mas provocou outras tantas desventuras: engarrafamentos no trânsito, falta de circulação de ar, falta de luz solar que provoca deficiência de vitamina D, poluição do ar, aumento da quantidade de lixo que não degrada, como embalagens e sacolas plásticas, alagamentos em virtude do solo ser todo asfaltado. Enfim, efeitos colaterais de um modelo que só focou no desenvolvimento econômico. Por isso, metrópoles como Nova Iorque e São Paulo estão investindo em transformar áreas abandonadas em parques, em projetos tão ousados quanto simples, que promovem a humanização do espaço urbano. Na capital cultural e financeira dos Estados Unidos, uma linha de trem abandonada nos anos 80 se transformou na “High Line”, área arborizada que corta três bairros com jardins, bancos para leitura e descanso, passeio. O local é considerado uma obra-prima do paisagismo urbano, que tem atraído cada vez mais turistas, além de aliviar a barra dos estressados nova-iorquinos. A ideia surgiu porque uma grande vegetação rasteira cobriu toda a faixa de trilhos, o que motivou os moradores da região a liderarem uma campanha para a revitalização do local. O mesmo aconteceu com os moradores da rua Augusta, que vai do centro até os Jardins, atravessando a avenida Paulista, em Sampa. Há anos, vizinhos pedem que um terreno abandonado próximo ao centro seja transformado em parque. O sonho, finalmente, começa a virar realidade. O Parque Augusta terá redário, ginástica para terceira idade, playground, um cachorródromo, espreguiçadeiras e uma pista para patins, além de trilhas e um espaço de educação ambiental. Do lado de fora, serão recuperadas as calçadas e criadas vagas para pessoas com deficiência. Em Salvador, capital da Bahia, a praça Campo Grande, em frente ao teatro Castro Alves, foi reformulada preservando as árvores centenárias e caprichando no paisagismo. Há espaço para as crianças, bancos, banheiros, chafariz e a segurança é garantida pelo monitoramento constante. Há grades estilosas que não prejudicam a visão e ao mesmo tempo impedem a ação de vândalos durante à noite. Preocupação com arranha-céus e, também, com a falta de manutenção A preocupação do comerciante Charles Seeberg, 59, também morador do centro há décadas, é justamente a conservação dos locais públicos. “O prefeito atual pode ser a favor, mas não sabemos quem será o próximo”, pondera. Charles acredita que a área poderia ter uma quadra poliesportiva telada e bem iluminada para garantir a segurança. “E também uma parte gastronômica, como acontece no Paseo de San Miguel, em Balneário, que caiu no gosto da população”, exemplifica. A aposentada Sílvia Maria Sé mora no Edifício Paris, em frente ao terreno, há seis anos. Ela disse que ficou preocupada com a possibilidade de construírem um arranha céu e acabar com a bela vista da cidade. “Já tem prédio demais por aqui. Bom seria ter um lugar bonito, bem cuidado, pra gente passear, e com segurança para não ser alvo de vandalismo”, defende. Ela ficou animada com a possibilidade dos moradores se unirem para discutir propostas para a área. “Há muitos idosos em meu prédio e poucas atividades para a terceira idade”, lamenta. Falta de área verde desconecta ser humano da natureza O engenheiro agrônomo Juarez Muller, 68, mora na esquina da antiga sede do Correios há 32 anos. Ele veio de Passo Fundo (RS), em 1976, e quando chegou a Itajaí se impressionou positivamente com o cheiro do mar, a brisa litorânea, mas lhe chocou a falta de áreas verdes. Juarez foi um dos responsáveis pela criação da Epagri e realizou importantes estudos sobre as florestas remanescentes de Santa Catarina e como reflorestar áreas degradadas. Nos últimos anos, se dedicou a um projeto sobre a relação da mata com os seres humanos, com o desaparecimento do conhecimento ancestral das plantas medicinais. Para ele, há dois equívocos na percepção de projetos que privilegiam apenas as construções: de que o “verde faz sujeira” e que atrai vandalismo. Segundo Juarez, o que é orgânico, como as folhas das árvores, se degrada rapidamente e não é poluente (o mesmo não se pode dizer de canudinhos plásticos e isopor). As árvores, lembra, ainda servem de casa para os pássaros. “Um local só se degrada se não tiver manutenção, independente de ser uma praça, um prédio, um porto ou uma rodovia. Caso tenha gente que polua o local, que se façam leis para punir, como na Ásia, onde multam quem joga lixo no chão”, sugere. Juarez é voluntário num projeto de educação ambiental na comunidade de São Braz, em Piçarras. Ele trabalha a sensibilização de jovens para a importância de não perder o vínculo com a terra. “Eu perguntei o que era indispensável para a vida e eles disseram homem, mulher, comida e internet. Daí eu questionei quanto tempo eles conseguiriam viver sem respirar”, provocou. Para o engenheiro, conscientizar o público que não é a Terra que está em risco e sim a sobrevivência humana é uma forma de despertar para a causa ecológica. “Num lugar cheio de prédios, carros e trânsito, a qualidade do ar cai, a poluição aumenta e o estresse é tamanho que depois vai sobrecarregar o sistema de saúde pública”, alerta. Veja o que dizem dois urbanistas sobre o uso do terreno dos Correios O urbanista Key Imaguire Junior acredita que o terreno em Itajaí deva ser de uso público. Ele sugere um projeto com ênfase na produção cultural, já que Itajaí tem tantos artistas e sedia um importante festival de música. “A melhor alternativa teria sido o restauro do edifício dos Correios, mas já que essa possibilidade não existe mais, um novo prédio, que seja um ícone para a cidade, seria a melhor alternativa”, sugere. Já a arquiteta Karina Facchini aposta em mais áreas verdes. “A maior necessidade em nosso centro urbano é de vegetação. Há muitas ideias de praças que podem abrigar diversas atividades, mas o que falta, de verdade, é o verde e o espaço público, um local de encontro, de interação”, sustenta. Karina lembra que não só o Colégio Salesiano está ao lado, mas outras quatro escolas estão na região, com um grande público jovem que poderia se beneficiar da praça. O terreno dos Correios ocupa uma pequena quadra entre as ruas Gil Stein Ferreira, Felipe Schmidt, Dagoberto Nogueira e travessa Edmundo Heusi. Prefeitura está atenta O prédio dos Correios foi derrubado no dia 26 de outubro, depois da decisão em primeira instância da Justiça Federal de devolver o terreno ao município, que foi doado à instituição. Nos últimos anos, o prédio abandonado se tornou alvo de vandalismo. Na decisão, o juiz acatou a tese de que houve um desvio de finalidade, já que os Correios não tinham mais a intenção de funcionar no local. Segundo o procurador Gaspar Laus, a prefeitura não se precipitou ao não aguardar a decisão final para demolir o prédio. “Com relação ao trânsito em julgado por parte dos Correios, não tem efeito suspensivo. O município tem toda a legitimidade pra tomar a decisão que foi tomada. Não acreditamos que o Correios vá recorrer, eles estão dentro do prazo, mas ainda não houve nenhuma posição, então, estamos tranquilos”, avaliou. O procurador garantiu que a comunidade será ouvida para decidir o que será feito no local e que a obra vai visar o bem estar da população.