Quem anda pela rua Pedro Ferreira, bem no centro de Itajaí, pode se espantar ao ver um antigo sobrado se transformando num vaso gigante. O abandono é tão grande que samambaias, uma pequena figueira e até um palmeira começaram a crescer nas paredes do imóvel, conhecido como Casarão Bauer. Janelas quebradas e paredes que começam a apresentar rachaduras também denunciam o descaso, tanto do proprietário quanto da prefa na preservação do local, construído na primeira metade do século passado e que faz parte dos prédios tombados por sua importância histórica e arquitetônica.
O lugar tá abandonado há uns 15 anos. Fica bem na esquina da rua Pedro Ferreira com a Samuel Heusi. A casa tá totalmente largada às traças, ou melhor, aos passarinhos e às árvores.
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O jardineiro Everton Leandro da Silva, 36 anos, percebeu a festa da passarinhada nas árvores que tão nascendo na parede do casarão ao passar pela calçada da Pedro Ferreira. Pelo jeito, as mesma árvores que eles semearam agora servem de abrigo pra eles fazerem seus ninhos e criarem seus filhotinhos, observa, ironizando: Ao menos os passarinhos estão usando a casa.
A dona de casa Maria Dinoráh Fonseca de Souza, 57, conta que sempre passa pela frente do casarão e até esta semana não tinha se dado conta do estado da casa. Ficou surpresa ao olhar com mais atenção pras paredes da bela construção. Nossa, eu nunca tinha visto que já tem até árvores ali. Isso é um absurdo, essa casa é tão bonita e antiga e ninguém cuida, lasca.
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Historiador tá cabreiro com o descaso
O historiador José Roberto Severino, o Beto, não entende como Itajaí trata sua história com tanto desleixo. Acho que é um descaso da prefeitura. Diversas casas históricas de Itajaí vem sofrendo processo de abandono, acusa.
Pra ele, como o Casarão Bauer foi tombado pelo patrimônio histórico e cultural da cidade, e a responsa de cuidar do imóvel seria da prefeitura.
Abobrão tá procurando o dono
Darlan Cordeiro, superintendente da fundação Genésio Miranda Lins, afirma que apesar do tombamento, cuidar do Casarão Bauer é responsabilidade dos proprietários. A situação do imóvel, diz, já está sendo debatida pelos integrantes do conselho Municipal de Patrimônio, do qual ele faz parte. Estamos tentando identificar o proprietário. Sabemos que é da família Bauer, mas ainda não descobrimos em nome de quem está o cadastro no cartório, pois existe divisão de herança, explica.
Sobradão já abrigou companhia marítima, ginásio e até um hotel pra marinheiros
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O sobradão da esquina da rua Pedro Ferreira com a Samuel Heusi, no coração de Itajaí, foi construído em 1924, informa a arquiteta Luciana Coelho, presidenta do conselho Municipal do Patrimônio Histórico. Quem mandou levantar o casarão foi a família Malburg, que na década de 40 do século passado vendeu pra família Bauer. Os dois clãs tinham empresas ligadas à navegação marítima.
O local acabou virando a sede da companhia de Comércio e Navegação Bauer, que pertencia a Arno Bauer, pai do ex-prefeito Paulo Bauer. O casarão também já abrigou a primeira agência da Chevrolet na cidade.
A casa ocupa a quadra entre a Pedro Ferreira e a hoje avenida Paulo Bauer, antiga República Argentina. A parte que fica virada pro rio Itajaí-açu serviu por dezenas de anos como depósito de mercadorias embarcadas em navios, tanto da própria companhia Bauer quanto de outros armadores.
Lá também funcionaram um ginásio, um órgão do governo federal que cuidava da pesca e até uma hospedaria, chamada de hotel Catarinense, que tinha como freguesia maior a marinheirada que atracava no porto peixeiro.
Hoje, o lado que fica pra avenida Paulo Bauer tá alugado pra uma empresa de pesca, que mal e porcamente mantém a fachada limpa e ainda inteira.
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A parte virada pra Pedro Ferreira é que tá detonada, com janelas e paredes quebradas e a bela sacadinha do piso superior servindo como um enorme vaso de plantas.
Os donos de imóveis tombados hoje em Itajaí, como é o caso do Casarão Bauer, têm isenção do imposto predial e territorial urbano. Mas não podem fazer qualquer reforma que modifique a frente do local.
Novo projeto tá embaçado
Darlan Cordeiro culpa os vereadores pela situação em que se encontram os casarões históricos da cidade. Ele diz que os edis tão se recusando a votar um projeto de lei que regulamentaria os tombamentos na cidade. A lei já foi aprovada pelo prefeito, que acatou a criação do fundo destinado à proteção do nosso patrimônio histórico, mas o legislativo sempre barra o projeto, bufa o chefão da fundação Genésio Miranda Lins.
O que estaria embaçando o projeto, acredita o chefão da fundação, é a proposta de que o entorno dos imóveis de interesse histórico e arquitetônico também sejam preservados. Os vereadores não estariam concordando com isso. Nós, do conselho, temos feito a nossa parte, mas deste jeito fica difícil, lasca.
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Luiz Carlos Pissetti (DEM), presidente da câmara, confirma que os vereadores estão de nariz torcido pra legislação proposta pelo pessoal do conselho Municipal de Patrimônio.
Foi o prefeito Jandir Bellini (PP), a pedido dos vereadores, quem retirou por duas vezes o projeto que ele mesmo encaminhou ao parlamento, afirma Pissetti. O primeiro era um projeto maluco que não deixava claro qual a qualificação do imóvel para se tornar preservado, acusa o vereador.
No segundo, diz Pissetti, apareceu a proposta de que todos os imóveis que estivessem num raio de 50 metros do prédio tombado também deveriam ser preservados, mesmo que não tivessem qualquer importância histórica ou arquitetônica. E foi justamente esse ponto, confirma, que fez com que os vereadores embaçassem o projeto e pedissem que o prefeito revesse a proposta.
Pissetti garante que não é contra os tombamentos. Mas defende que os proprietários de imóveis tombados sejam indenizados pelo poder público, já que não poderão usufruir do local como bem quiserem.
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