Escondido na estatística tá um problemão que preocupa o chefão da PM: o tempo perdido. O excesso de ligações com esse tipo de denúncia para o 190, além de esquentar a moringa dos fardados, ocupa linha telefônica, viatura e policiais que poderiam estar atendendo um caso de extrema urgência.
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Das mais de mil confusões entre vizinhos que a PM peixeira foi chamada, em 360 delas o povão saiu no tapa por desentendimentos bobos. E o pior: a maioria por motivos bobos, como som alto.
Tanta empentelhação, afirma o coronel Derner, acaba atrapalhando o trampo da polícia. O tempo perdido na tentativa de acalmar os ânimos dos brigões, afirma, muitas vezes ultrapassa o limite do bom senso. Em alguns casos, diz ainda, a própria PM acaba xingada pelos envolvidos por tentar resolver o problema no local sem precisar levar ninguém preso e o caso acabar na dona justa.
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Três baratinhas pra uma ocorrência
Nem sempre é possível acalmar os vizinhos estressados, ressalta o oficial. Há dois meses, uma guarnição atendeu a uma ocorrência de briga entre dois vizinhos no São João. Quando saiu de lá, a briga generalizou e precisamos enviar três guarnições para o local para conter as pessoas, lembra o chefão da PM.
Nas contas do comandante, foram seis policiais e três viaturas pra conter os esquentados que começaram a confusão por conta de um som alto. Se a gente levar em conta que entre 40 e 50 policiais militares estão nas ruas aqui em Itajaí, seis agentes para atender uma ocorrência só é um desperdício, avalia.
O bairro São Vicente é o campeão no número de ocorrências de perturbação de sossego público. Nos seis primeiros meses desse ano, foram atendidos 350 confusões do gênero. Em segundo vem os Cordeiros. Foram algo perto de 150 delas no primeiro semestre. A PM atendeu 120 probleminhas entre vizinhos no centro de Itajaí.
Já dos 360 casos que acabaram em porrada, 35 foram registrados nos Cordeiros, 20 no centro e 15 na Fazenda.
Vizinhos que interagem resolvem melhor as confusões, diz sabichão
Pro sociólogo Sérgio Saturnino, da Univali, cada comunidade reage diferente às confusões que acontecem por conta da tal da perturbação do sossego público. Mas uma coisa é batata. Quanto maior for o senso coletivo do grupo, mais fácil as pessoas toleram as situações e solucionam os problemas entre os próprios vizinhos.
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A teoria do sabichão é a seguinte: como é uma instituição forte, a própria comunidade quase sempre media os perrengues que surge entre seus membros e, por isso, os casos acabam não sento tocados pra frente nem indo parar na dona justa.
Bairros como Cordeiros e são Vicente, além das regiões rurais da cidade, seriam exemplos de comunidades com integração de seus moradores, que acabam criando entre si regras próprias e até mesmo uma espécie de controle sobre os atos coletivos. São locais onde se verifica a presença de representantes comunitários atuantes, geralmente pastores ou padres. No interior, essa questão é ainda mais bem organizada, afirma o professor.
Na outra ponta estão os bairros com grande crescimento urbano, onde há freqüente migração e, por isso, uma menor inserção do moradores na vida da comunidade. A Praia brava e a região do entorno da Univali são apontadas pelo professor da Univali como exemplos. Nesses lugares, em tese, os moradores não precisam ser amigos de seus vizinhos e assim não assumem nenhum tipo de compromisso social. Essas pessoas estão mais propensas a brigarem entre si, conclui o sociólogo.
Festinha da enteada acabou na dona justa
A maioria das confusões atendida pela PM é resolvida no próprio local e dificilmente vira pendenga judicial. E isso não é exclusivo de Itajaí ou Navegantes. Em todos os municípios aqui da região acontece a mesma coisa. É raro as pessoas levarem o fato adiante, afirma o tenente Jean Carlos Caetano, da PM de Navegantes.
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Mas isso não foi o que aconteceu com o designer gráfico Ricardo Luciano, 32 anos. Em 9 de junho, a enteada dava uma festinha com os amigos num condomínio fechado do bairro Dom Bosco, onde moram, quando lá pelas 23h dois PMs apareceram e mandaram a galerinha desligar o som.
Ricardo, claro, atendeu na hora a ordem dos fardados. A vizinha, ao invés de vir conversar com a gente, ligou para a polícia. Se ela estivesse vindo conversar comigo, eu tinha resolvido o problema na mesma hora, garante o designer, chateado com a intolerência da moradora do condomínio.
Foi parar na dona justa
Mas o pior da história é que o caso não parou por ali. A vizinha não sossegou e a confusão acabou no fórum peixeiro. Durante a audiência de conciliação, a mulher exigiu que Ricardo avisasse com antecedência sobre festinhas ou eventos que realizasse no condomínio. Houve um acordo. Foi uma questão mais de convívio, bem sossegado, recorda-se o designer.
Pra delegado, presença da PM não é perda de tempo
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O delegado Carlos Quilante, da 1ª DP peixeira, não acha que a grande procura do povão pelo 190 pra resolver pequenos problemas de ordem pública possa atrapalhar o andamento dos trampos da polícia. Ao contrário, o dotô avalia que, ao dar atenção plena às ocorrências, a polícia Militar pode evitar que haja, no futuro, um problema de maior gravidade entre a vizinhança. Normalmente, os vizinhos estão alterados e, como se veem constantemente, por morarem próximos, podem cometer crime uns contra os outros com mais facilidade, opina o delega. Mas, faz questão de dizer, as confusões entre vizinhos devem ser resolvidas, preferencialmente no local. Acho importante que a PM atenda a ocorrência pessoalmente, até porque, senão, passa a sensação de impunidade. Mas o ideal, claro, é que tudo seja resolvido entre as partes, opina.