A história do teatro em Santa Catarina já reservou um lugar de destaque para Valentin Schmoeller. E ele tem méritos para isso. Este ator, diretor e produtor que frequenta os palcos há 45 anos tem uma luta incansável pra popularizar as artes cênicas. Sem abrir mão de grandes espetáculos, usa principalmente como trincheiras as escolas públicas de todo o estado, que é para onde leva a maioria das peças que produz, dirige e às vezes atua. É também ele que também, há um quarto de século, forma uma legião de novos atores na escola de teatro que criou em Itajaí. Talvez seja por conseqüência de toda essa trajetória que alguns dos cerca de 70 espetáculos que já montou tenham ultrapassado mais de mil apresentações. Elogios ao público, alfinetadas em políticos, críticas a direção da Univali, curiosidades das coxias e muito da história do teatro itajaiense. Tem de tudo na conversa franca de Valentin com os jornalistas João Pedro e Sandro Silva. Até mesmo confissões de alguns de seus pecados como produtor. Os cliques são do fotojornalista Minamar Júnior.
DIARINHO - É mais difícil fazer teatro ou viver do teatro? Onde está a maior dificuldade?
Valentim Schmoeler - As duas coisas são muito difíceis, mas muito prazerosas. Fazer teatro é o desafio de você encontrar um tema interessante, que tenha alguma coisa para dizer para uma plateia. Pegar esse tema e transformar em arte, levar para o palco. É o desafio de você conseguir recursos, de você realizar esse sonho, levar até a plateia e ver que valeu a pena, que foi reconhecido. [E qual dos dois é mais difícil?] Os dois são difíceis.
DIARINHO - Você é o único ator e diretor que vive do teatro em Itajaí há quase 30 anos? Ninguém até hoje conseguiu essa façanha na cidade. Como chegou a isso? Qual é a fórmula?
Valentim - Não tem segredo nenhum. Eu sempre acreditei em tudo aquilo que eu fiz. O meu pai, quando eu era criança, sempre me dizia: Não importa o que você faça. Antes de tudo você tem que ter prazer naquilo que está fazendo, porque o resultado será bom, o de um trabalho bem feito. O teatro surgiu na minha vida muito cedo, desde criança. Eu comecei a fazer teatro aos 10 anos, então a primeira peça de teatro que eu fui fazer na minha vida, já tinha 10 anos. Aos 12 anos é que eu fui ver o meu primeiro ato teatral. Então comecei a fazer teatro para depois assistir. Viver o teatro é simples demais, é acreditar naquilo que você faz. Se eu fosse fazer teatro pensando que iria ganhar dinheiro fazendo isso, teria desistido, parado no primeiro momento.
DIARINHO - Nesse tempo todo atuando e dirigindo, qual foi a fase mais difícil?
Valentim - No meio do caminho tem uma pedra. E eu encontrei várias [Grandes ou pequenas?] Grandes, enormes. A ponto de querer desistir. Pronto, deu, acabou, meu negócio não é mais o teatro, eu tenho que fazer outra coisa. O quê? Eu não sei!. Mas eu tive vários momentos de querer parar, de desistir. [Quais foram os motivos?] Eu vivo de teatro há muitos anos. Chega um momento em que todo mundo diz que você é o maior, é divino, maravilhoso, que você não deveria estar aqui, e sim no Rio de Janeiro fazendo novela na Globo, e por aí afora. Isso você ouve direto. E chega um momento em que as pessoas acham que você está ultrapassado, que o teu teatro não tem mais nada para dizer e você desanima. O elogio é bom, a crítica também é boa. E foi num desses momentos de muita crítica, de puxar o meu tapete, de eu dar com a cara no chão, de desanimar que pensei em desistir. Mas, lá de cima, alguém sempre me ajudou para eu dar continuidade. E eu tô aqui até hoje. Tem um fato muito interessante, em que já estava decidido que ia acabar. [Quando isso?] Isso foi por volta de 95, 96. Foi em 96. Nós estávamos em União da Vitória (PR) fazendo o espetáculo que se chamava O menino sonhador e o espetáculo Liberdade. E lá eu tinha decidido que era o fim. Acabou. Faríamos a última apresentação. Então - na época não viajávamos de carro, mas de ônibus -, trouxemos nossas malas, nossas caixas em ônibus de linha normal e a gente ia pegar o ônibus só à noite. Então tínhamos uma tarde de folga. Então uma professora pediu que levássemos nosso espetáculo até uma outra escola, que era muito pobre. Ela disse: Não sei se vai ter uma grande bilheteria pra vocês, mas eu gostaria muito que vocês levassem o trabalho até lá. E eu disse: Bom, a gente não está fazendo nada mesmo, vamos fazer o nosso ato de caridade. Então, fomos lá, apresentar. Chegamos lá, toda a escola veio assistir. Passado o período da manhã para de tarde, todos os alunos da escola vieram assistir. Todos os alunos com o ingresso na mão, pagos. Depois, fui saber, a padaria tinha ajudado, o açougue tinha ajudado, todo mundo tinha ajudado e todas as crianças foram com o ingresso na mão. E a gente apresentou o espetáculo O menino sonhador, que, inclusive, está em cartaz no momento. Essa peça é um espetáculo que, na época, a gente já falava sobre o bullying, que agora virou moda. Então, eu fazia vários personagens dentro da peça. Quando terminou o espetáculo, que a gente foi agradecer a plateia, uma das crianças olhou e pensou: são três atores, e eram vários personagens e eu interpretava vários. Então perguntou: E os outros?. Aquilo foi muito bonito pra mim. E quando eu ia saindo, veio a criança correndo, com o olho cheio dágua, me abraçou e disse: Por favor, não para de fazer teatro. Esse foi o momento mais lindo da minha vida. [Naquele momento, as crianças sabiam de sua decisão?] Não, ninguém sabia. E foi uma criança de uns seis, sete anos. Veio até mim, me abraçou e disse: Por favor, não para de fazer teatro. Foi o momento mais lindo da minha vida. O Marcelo tava caminhando comigo, parou, ouviu, olhou pra mim e baixou a cabeça. Aí, chegou no camarim. Ele disse: E daí?. Eu disse: Não dá, não dá pra parar. É uma coisa que, de repente, é lá de cima. Alguém se manifestou lá de cima, através da criança, e vai, vai, continua.
DIARINHO - O que mudou para os atores e grupos teatrais com a construção do teatro Municipal?
Valentim - Ah, mudou muita coisa. O teatro Municipal veio ajudar muito. Tem toda uma história da construção do teatro Municipal. Em 84, quando eu voltei de Blumenau e vim para Itajaí, o movimento do teatro em Itajaí estava muito parado, não tinha, estava estagnado. Nos anos 70 o movimento foi muito grande, lindo. E nos anos 80 acabou. O Darci foi embora, que comandava o grupo Folk, que era do Salesiano, o Toni tinha ido para Blumenau. Em suma, todo mundo tinha saído da cidade. Eu voltei. [Sobrou o o professor Avito]. O Avito estava fora também, pro oeste. [E o Lourival de Andrade estava começando]. O Lourival estava começando, sim. O Lourival é cria do Avito e o Avito é minha cria. Então, eu cheguei na cidade, fui na casa da Cultura, falei com o Gerd Klotz, que era o superintendente na época, e disse: Olha, eu quero montar uma companhia de teatro e viver de teatro. Ele olhou para mim e disse: Você tá maluco. Eu disse: Não, eu vou fazer isso. Eu estava em Blumenau, saindo de Blumenau, vindo para cá e queria dar continuidade ao trabalho que a equipe de lá fazia, que era levar teatro pelo estado de Santa Catarina, para as cidades menores, principalmente para as cidades menores. Desbravar esse estado levando cultura. Mas eu não tinha com que trabalhar. Eu encontrei uma pessoa que não entendia nada de teatro, encontrei outra e tal. Formamos um grupo de quatro pessoas. A única que estava me ajudando, me jogando pra cima, era o Toni [Toni Cunha, funcionário do então departamento de Cultura da prefeitura, já falecido]. O Toni Cunha me ajudando a fazer isso. E aí a gente montou o primeiro trabalho e estreamos no dia 5 de agosto de 1985 com o intuito de viajar. Se eu for contar tudo é muita coisa, mas vamos chegar lá. Bom, o trabalho deu certo, pagamos todas as contas. A gente devia em todas as portinhas da [rua] Hercílio Luz, porque não tinha lei de Incentivo à Cultura pra comprar o material. Era na raça. Pagamos tudo, tivemos saldo positivo e o trabalho continuou. Criei o curso básico de teatro em 86. Começamos a montar espetáculos da linha infantil para Itajaí. E a gente começou a ter superlotação da casa da Cultura. Ôpa, o caminho é por aí!, pensei. Tem que montar espetáculo, deixar isso aqui superlotado e fazer duas, três, quatro sessões. As autoridades queriam que a gente fizesse na casa da Cultura. Era justamente no teatro [da casa da Cultura] que a rede pública [de ensino] não vinha porque o ingresso era mais caro. Então vinha a elite da sociedade. Até que um dia o então prefeito Arnaldo Schmitt foi até o teatro e teve que esperar mais de duas horas na fila para assistir. E ali começou a surgir o movimento da construção de um teatro municipal. Então, lá começou essa coisa de se construir o teatro. Claro que teve muita luta, que a associação Itajaiense de Teatro nos anos 90 teve que pegar em cima pra entregar esse teatro e até que o governo Jandir Bellini terminou o teatro.
DIARINHO - Nas décadas de 80 e 90, o fervo cultural em Itajaí acontecia na casa da Cultura.
Valentim Total, total.
DIARINHO - Hoje, mesmo antes da reforma do prédio, a casa da Cultura parece ter deixado de ser o ponto de encontro e o grande referência dos artistas locais. O que teria acontecido?
Valentim - Aconteceu que a casa da Cultura fechada para essa restauração desintegrou o movimento artístico. [Mas, mesmo antes, ela já estava borocoxô, vamos dizer assim, e não como na década de 90 e 80, né?] O movimento mais forte foi na década de 90, e o início dessa nova década também foi muito bom. Eu, como estou lá desde 84, 85, eu vi o sobe e desce da casa. Então é muita história para contar, o movimento vai, vem, mas o movimento tava bom. E houve esse afastamento porque o ponto de encontro fechou. Cada um foi para um lado. Agora, eu espero que, dizem, tomara que sim, em dezembro reabrimos a casa da Cultura. Isso tudo promete que o ano de 2012 seja efervescente, né? Que o movimento dos artistas seja em todas as áreas.
DIARINHO - O ator e diretor Lourival de Andrade foi superintendente da fundação Cultural na gestão passada. Isso mudou pra melhor o teatro em Itajaí? Por ser da área, ele ajudou de alguma maneira a desenvolver e a popularizar o teatro?
Valentim - O Lourival fez muita coisa boa e fez também coisas não boas. [O que ele fez e não fez de bom?] Bom, uma das coisas que ele fez logo que começou essa administração, com o Volnei foi a criação da Hora da Arte, que foi um movimento que começou muito legal, que era toda terça ou quinta-feira. Cada semana tinha espetáculo na casa da Cultura e havia cachê para os artistas. Isso era muito legal. Toda semana, às 18h30, tinha espetáculo na casa da Cultura, seja dança, espetáculo, canto e por aí a fora. Bom, mas isso durou seis meses. Uma das coisas que foi ruim e ninguém gostou muito foi que se fechou o galpão das Artes, que era um espaço muito bom para as artes. Em seguida fechou o teatro Municipal pra colocar ar-condicionado e iluminação, que foi ruim, mas foi bom pelo resultado que veio depois. E, depois, o Lourival criou aquela coisa que foi muito legal para o teatro de Itajaí - que ele, como artista de teatro e e óbvio que ele quis fazer isso e fez muito bem -, que foi o festival Brasileiro de Teatro, inesquecível para quem veio e para a gente que participou. Este ano aconteceu a segunda edição do festival, agora com o nome Toni Cunha.
DIARINHO - A prefeitura e a fundação Cultural costumam investir muito em música: temos o festival de Música, o conservatório, os shows nacionais na Marejada e alguns até são gratuitos. Esse desequilíbrio de prioridade, que pesa mais em favor da música, não acaba prejudicando o teatro?
Valentim - O festival de Música aqui em Itajaí deu o primeiro passo. Já balançou em alguns momentos, vai ter, não vai ter, mas continua acontecendo. O festival Brasileiro de Teatro está numa segunda edição. Mas o fator principal do teatro, pra ele acontecer com mais força, cabe a nós artistas da cidade acreditarmos e fazermos essa força. Essa força tem que vir do artista, como dentro da música vem do próprio músico, da luta, da garra de fazer acontecer. A mesma coisa tem que ser no teatro. Mas, dentro do festival de Música, que é bonito e tem muitas edições, Itajaí ainda não canta. Joinville dança dentro do festival de Dança. A dança acontece em toda a cidade. Em Itajaí acontece no teatro Municipal e em um ou outro lugar. Porque nós não temos espaço. [E não é por falta de músico...] E não é por falta de músico, nem de artistas. Itajaí tem muito artista em todas as artes. Nós temos um teatro municipal, mas Itajaí precisa de mais espaços para que o artista possa se apresentar. Não, mas vai ser no salão paroquial do Cordeiros. Mas não é um salão paroquial que o artista quer. Ele quer um espaço que não precisa ser um teatro municipal, mas que tenha uma luz, som, cadeiras mais confortáveis para o público vir assistir. A gente apresenta um espetáculo grande e não pode levar para a escola. A gente apresenta só no teatro Municipal. E acaba. E o povo não assiste. Assiste uma elite, mais ninguém. E isso não é legal. Então Itajaí precisa, para um festival de música, para o teatro e para todas as artes, de mais espaços na cidade. Sair da Fazenda [bairro]. Na Fazenda já tem, ótimo. Mas Itaipava, como fica a Itaipava, Cordeiros, São Vicente? Entende? O povo não vem pra cá. Então, a hora em que isso começar a acontecer, Itajaí vai cantar no festival de Música e vai trabalhar mais no festival de Teatro, ter mais opção.
DIARINHO - Recentemente, Itajaí abrigou a mostra de teatro nacional que durou uma semana. Os ingressos eram simbólicos, adquiridos através de doações para as vítimas da enchente. As peças eram de qualidade e, mesmo assim, muitas das apresentações tinham pouquíssimo público. As peças infantis também tiveram pouca repercussão. Recentemente houve uma montagem inspirada no clássico Alice no País das Maravilhas, dos estúdios de Walt Disney, com ingressos a R$ 40 e casa cheia. Isso demonstra que o público, infelizmente, quer que o teatro tenha uma linguagem mais comercial ou simplesmente falta divulgação da mostra de teatro pública?
Valentim - O Valdir Dutra, que monta esses clássicos, tem apoio da televisão. A televisão joga muito a plateia lá dentro. Eu, quando levo o infantil para dentro do teatro Municipal, também tenho o privilégio de ter boas casas. A gente faz um trabalho de divulgação muito grande. Como não posso pagar televisão, tenho o apoio de muitas escolas, que me ajudam. Já conhecendo a qualidade do trabalho que a gente faz, a minha luta e tudo o mais, me ajudam muito na divulgação do trabalho. Então, eu sou santo da casa que não pode reclamar de plateia. A plateia sempre me ajudou muito, valoriza muito meu trabalho. Por outro lado, o festival Brasileiro de Teatro foi muito pouco divulgado. Não é internet, não é o blog, mas o povo que vê televisão não viu que estava acontecendo o festival Brasileiro de Teatro. [Problema de mídia...] Isso, problema de mídia. As pessoas precisam saber. Essa divulgação não existe. E o Valdir lota o teatro porque ele tem a mídia, tem a televisão com ele. Ele tem uma RBS com ele. Então, lota o teatro.
DIARINHO - De fato, o que a fundação Cultural tem feito hoje para incentivar a arte da representação? Ou mesmo os outros setores da prefeitura, como a secretaria de Educação, por exemplo?
Valentim - Fez o festival Brasileiro de Teatro, a lei de Incentivo à Cultura. O primeiro tempo dessa gestão foi meio truncado, com o movimento dos artistas, então não teve grande coisa. No início deste ano, que o professor Edison [Edison dÁvila, atual secretário de Educação e interinamente superintendente da fundação Municipal de Cultura] tomou a fundação, veio como um superintendente provisório. Ele deu uma encaminhada na cultura, resolveu muita coisa e o ano de 2011 aconteceu dentro daquelas diretrizes que ele marcou, onde teve a compra de espetáculos [contratações de grupos teatrais] que foram para os bairros, teve o festival Brasileiro de Teatro, que era da outra gestão e que parece que vai dar continuidade, saiu a lei de incentivo à cultura. [Mas a lei de incentivo à cultura já existia]. Mas este ano saiu, apesar de que sempre sai. Mas, enfim, aconteceu. Não teve grandes acontecimentos, isso não teve. Até em função da casa da Cultura estar fechada, que por isso se limita muita coisa, né? Mas vamos ver agora com o outro, né? [Ele se refere ao atual superintendente, José Amádio Russi]. E que ele seja muito bem-vindo.
DIARINHO - A Univali deveria ser um celeiro de cultura. Mas hoje não se vê nada expressivo que venha da universidade, com exceção do coral. Isso é um problema de gestão, que não incentiva e não investe em manifestações artísticas? Ou o problema está nos alunos, que estão mais interessados em ingressar no mercado do trabalho do que produzir arte?
Valentim Olha, se você quer saber o que tá rolando na cidade no final de semana em termos de baladas, você vai na Univali. Eu, como artista itajaiense, chego em universidades quase do estado inteiro e estendem tapete vermelho pra eu entrar e apresentar espetáculos. Aqui em Itajaí faz seis anos que eu não apresento na Univali. Então, não é o problema do aluno. O aluno quer teatro, o aluno quer música, o aluno quer arte. Mas há um problema lá dentro da Univali, interno, que bloqueia. Tudo o que você chega lá, você não consegue divulgar, porque não é permitido divulgar, porque o setor de logística não permite. É mil burocracias. Eu tô falando em nome de toda a classe dos artistas. Eu, particularmente, quando preciso divulgar algum trabalho meu, consigo divulgar numa boa. As portas se abrem pra mim e agradeço muito. Mas, no sentido geral, eu ouço muita reclamação de artistas que querem divulgar o seu trabalho, seja de teatro, seja de música. Eles têm uma grande dificuldade dentro da Univali. Então eu acho que é lá, que o problema está dentro da Univali. É um problema de gestão, de não fomentar, de não haver esse incentivo, de não trazer teatro. Há quanto tempo não se tem teatro dentro da Univali? Você sabe que quando você fazia faculdade tinha teatro lá. A coisa acontecia lá dentro.
DIARINHO - O que de mais engraçado ou curioso você viu acontecer nesses 45 anos como ator ou diretor?
Valentim Nossa, vivi muita situação. Nossa! Quando eu comecei a viajar com teatro, com a equipe Vira Latas, do teatro Carlos Gomes, de Blumenau, eu vivi situações muito interessantes. A gente foi pra cidades que as pessoas nunca tinham visto teatro. Nós fomos numa cidade, eu e o Carlos Jardim, que era meu diretor, e a gente foi vender o espetáculo na prefeitura não vou dizer a cidade e o prefeito aí perguntou pra nós: Ai, é muito bom treato aqui. Mas uma prigunta, que tamanho tem que sê o lençóli?. Nós olhamos um pro outro com aquela cara de como é que é?. Que tamanho tem que sê o lencóli pra botá na parede pra passá treato?, repetiu lá o prefeito e aí a gente disse que não era um trabalho de projeção, que não era cinema, que não tinha que colocar lençol na parede e que eram os atores que estavam ali que iriam representar. Ele ficou impressionado, porque nunca tinha ouvido falar em atores trabalhando assim, sabe? [Mas essa história aconteceu numa cidade do oeste do estado?] Não é no oeste. Foi no sul. Em uma outra cidade, lá no oeste, a gente tava apresentando o espetáculo O Rapto das Cebolinhas [Peça infantil] e foi numa sessão à noite. Na época a gente apresentava O Rapto das Cebolinhas à noite dentro das universidades. Era um interiorzão, sabe? Então nós apresentamos o espetáculo e O fala de um ladrão malvado que rouba as cebolinhas pra fazer um chá pra rejuvenescer os velhos. E essas cebolinhas são roubadas e o vovô lamenta, o vovô chora, o vovô é um cientista e parará. Quando terminou o espetáculo e foi todo mundo embora, ficou um senhor, bem velhinho. Nós estávamos desmontando tudo e ele veio, falou com o Jardim, que fazia o vovô, e disse: Olha, seu Felício, o senhor não precisa se lamentar. Lá em casa eu tenho um monte de cebolas e eu trago algumas mudas pro senhor. [Rindo]. São coisas muito engraçadas que a gente vive, né?
DIARINHO - Qual foi a peça que mais tempo ficou em cartaz com presença de um bom público e qual a razão disso ter acontecido?
Valentim Dentro da companhia foram dois, ou melhor, três espetáculos que foram muito significativos. O Castelo da Bruxolândia, que é um espetáculo infantil, que fala sobre política. Ele chegou a mais de mil apresentações. O Cavaleiro Negro Versus Gumercindo Tavares, também ultrapassou mil apresentações. E o maior de todos, que passou muuuuito mais de mil apresentações, que foi E Despertou a Primavera, que é um espetáculo que fala sobre a sexualidade do mundo adolescente. [A que você atribui esses sucessos?] Olha, O Castelo da Bruxolândia, que foi um texto meu e do Toni [Toni Cunha, já falecido, funcionário da prefeitura de Itajaí e autor de peças de teatro], a gente ficou assim, varou madrugadas pensando no texto que criar, que assuntos... até que a gente resolveu falar de políticas para crianças. Então a gente criou um texto que foi muito bem bolado, muito bem feito e quando a gente montou esse texto, os atores, embora novatos e que nunca tinham feito nada, fizeram muito legal, fizeram muito bem. Então, se um texto é bem feito e os atores passam essa verdade necessária, a peça faz sucesso, ela atinge, vai, acontece.
DIARINHO Valentim, com certeza nem tudo foram flores nesse caminho. Houve algum projeto fracassado, que não conseguiu reunir público ou que por algum motivo não deu certo?
Valentim Aconteceu, aconteceu. E aconteceu porque a gente está nessa escola da vida aprendendo todos os dias. Teve esse espetáculo, O Cavaleiro Negro Versus Gumercindo Tavares, e teve uma cidade em que a gente ia e que qualquer espetáculo que levasse a gente lotava, levava muuuita plateia e ganhava muito dinheiro [Risos]. E uma vez nós tínhamos uma agenda e não tinha nada pra levar. Resolvemos remontar esse O Cavaleiro Negro Versus Gumercindo Tavares e levar pra lá. Só que do jeito que a gente montou nem nas coxas foi. Foi uma montagem assim: Vamos montar pra ganhar dinheiro. Acho que todo produtor de teatro comete esse pecado, e é terrível. Gente, nós lotamos, nós lotamos o teatro, mas você via a insatisfação, a decepção do público. Vocês fizeram coisas tão lindas e agora trazem essa porcaria. [E dá pra sentir isso da plateia?] Dava e foi. O espetáculo foi uma porcaria. Isso pra mim foi uma lição tão grande, foi tão maravilhoso... Uma lição de você apreender a não enrolar uma plateia. Um trabalho que eu fazia com tanta garra pra conquistar as pessoas e, de repente, eu joguei esse público todo no lixo. Foi uma falta de respeito muito grande que eu tive com o público. [Mas durante o espetáculo você percebia isso no público?] Você percebia tranquilamente. Porque era uma montagem malfeita. Aliás, feita pra ganhar dinheiro. E eu ganhei dinheiro. Mas os juros e a correção monetária que eu paguei em cima disso foram doídos. [E alguma vez você produziu uma peça em que não houve público?
Valentim Teve, teve.
DIARINHO - Como um ator lida com a frustração de ver meia dúzia de gatos pingados na plateia quando se abrem as cortinas? Isso chega a interferir na performance da apresentação?
Valentim Ah! Chega, chega. Por exemplo, esse espetáculo lá, O Cavaleiro Negro Versus Gumercindo Tavares, que eu vou montar ano que vem, de novo, a estreia dele foi em 1986. Foi o primeiro espetáculo adulto da companhia. Eram 100 lugares que tinha na casa da Cultura e fizemos um coquetel para 100 pessoas mas convidamos 200. De 200, pensamos, 100 virão. Nem o diretor da casa apareceu [Risos]. Quer dizer, você começa com derrota total. Pôxa, não veio ninguém, não veio ninguém pra assistir o espetáculo. E depois foi um espetáculo que foi sucesso absoluto pelo estado. Depois nós montamos um espetáculo muito famoso, que foi o Balei na Curva. Foi em 1988, que a gente percorreu todas as escolas e tal. E logo em seguida, já que era um espetáculo que falava da ditadura militar, dos anos 60 e por aí afora, montamos um outro espetáculo dando continuidade e mostrando mais de perto o que era isso que foi a peça Patética. Ela falava sobre a vida do jornalista Vladimir Herzog. E a nossa proposta era dar uma continuidade e levar isso pras escolas também, já que tinham assistido o Bailei na Curva. E a gente levou apenas para algumas escolas e foi a decepção. O espetáculo era muito bem montado, muito bonito, redondinho, mas ele não era engraçado. Porque o Bailei na Curva, ele é muito engraçado. E Patética não é engraçada. Claro, nem poderia. Fala de tortura, mostra tortura. A gente planejava fazer toda a rede pública da região, fizemos apenas duas apresentações. [O teatro hoje precisa ser um pouco engraçado para ter público?]. É. Olha, eu trabalho muito com comédia. Adoro comédia. Você trabalhar com adolescente, que é o público alvo meu, você tem que estar muito dentro da cabeça dele pra saber que ele vai ficar ali sentado, sossegado, assistindo e gostando, porque eu tô formando plateia, eu tô mexendo com a cabeça dele. Eu trabalho muito com isso. Atualmente, a gente tá com um espetáculo viajando, nesse momento. [A entrevista foi concedida às 9h da manhã de segunda-feira, dia 10], eles devem estar se apresentando em Pomerode, agora. O nome do espetáculo é Pagando Bem, Que Mal Tem?. É um espetáculo que fala de vocação profissional. E é um tema que várias escolas já haviam me pedido: Fale sobre vocação profissional. Porque é muita dúvida no jovem hoje em dia, o que é que eu vou fazer e tal e coisa assim. É um trabalho que fala com muita seriedade da vocação profissional de uma maneira descontraída, divertida, que eles podem ficar atentos e que leve o questionamento para eles.
DIARINHO - É possível dizer que hoje você tem a escola mais antiga de teatro em Itajaí e a que, por enquanto, durou mais tempo em atividade. O que faz para manter público em seus cursos?
Valentim Bom... É... O curso básico de teatro, ele começou em 1986, com o intuito de fomentar o movimento do teatro. E isso aconteceu, graças a Deus. A partir do momento que eu dei o primeiro curso, eu não parei mais. Claro, sempre divulgando e procurando fazer um trabalho bem feito. E a cada ano que passa sempre tenho muitos alunos. Mas eu acredito muito naquilo que estou fazendo, faço muitos exercícios de teatro que em nenhum lugar, nenhuma escola de teatro faz isso também. São exercícios que exigem produção e não sou só eu. São exercícios que hoje todo o AECA [Alunos do Exercício Cênico Anchieta, nome da escola do grupo de teatro Anchieta Arte Cênica], quer dizer, o pessoal nosso da escola de teatro tem que participar ativamente, senão não tem um resultado. Então hoje, o curso básico de teatro já não é uma coisa minha. Eu coordeno, eu faço, eu ministro o curso, mas muito bem assessorado por eles, pelos membros da escola. Entende? Que é pra ter esse respaldo que graças a Deus hoje o curso tem. E manter a escola [Suspiro] não é fácil! De cada curso básico de teatro são escolhidos alguns alunos pela disciplina, pelo talento... Por esse desempenho durante o curso, você os convida para participar, se estão a fim de aprender mais sobre o teatro. Em cada curso entra oito, 10, 12. Muitas vezes chega no final do ano e daqueles 12 ficaram dois, que a peneira natural já vai selecionando. Mas desses que ficam a gente procura abrir as portas e deixar para eles aprenderem teatro. Lá, a gente aprende teatro juntos. Não é o eu vou ensinar teatro. Eu estou lá para orientar, dentro da direção do espetáculo, mas as portas estão abertas pra gente aprender. E aí o resultado vem sempre no final da montagem de um espetáculo. E nós já montamos muuuuitos espetáculos.
DIARINHO - Quando um aluno chega à primeira vez no curso dá pra sentir que tem potencial e poderá ser um bom ator? Ou as qualidades de um artista vão surgindo e se desenvolvendo com o tempo, o treino e a dedicação?
Valentim Olha, às vezes o teu faro tá certo. Mas muitas vezes tá muito errado. Não tem um padrão. Uma das pessoas que hoje admiro como um grande talento do teatro de Itajaí, ele veio fazer o curso e eu não o convidei. Aí, logo depois do curso, teve uma festa, coisa e tal, e aí veio o amigo dele, que já tava na peça, me encher o saco: Convida o fulano, convida o fulano, convida. Ele é tão a fim. Mas o cara não tem jeito pra coisa, eu disse. Bem, aí eu chamei um outro da escola e disse: Vai lá e convida o fulano pro teatro. Só não vou falar o nome do ator, né? Mas o resto eu conto [Risos]. Aí ele veio e surpreendeu. Fizemos a maratona do teatro, que é um exercício que a gente tem. E ele fez um papel que era do espetáculo O Noviço. Ele fazia o padre. Bem, mas ninguém ouvia o que ele dizia. [Grunhidos]. Não dava pra entender. Isso foi em janeiro de 2004. Em 2004 foi inaugurado o teatro Municipal. Então a gente teve que montar um espetáculo correndo, pra apresentar no teatro Municipal. E a gente remontou O Noviço. Teve que reestruturar tudo, pegar e montar O Noviço. E aí eu fui fazer o padre e pra ele eu criei um personagem que não tinha na peça, que era o Jovito, um seminarista auxiliar do padre. Eu sei que, quando terminou a peça, ninguém falava no padre, o padre não aparecia nos comentários. Mas o Jovito, ele aparecia. Na peça, todas as coisas que o padre falava, perguntava: Não é, Jovito?. E ele respondia: Ahã. Ele só fazia isso, mas ele chamava a atenção. Hoje ele já fez muitos espetáculos e é respeitado muito, principalmente em Itajaí, porque não saiu muito pra fora ainda. E respeitado como um grande ator e como grande diretor da cidade.
DIARINHO Num balanço da sua carreira, em quantas peças teatrais você já atuou? Quantas já dirigiu, quantas pessoas já passaram pela sua escola de teatro?
Valentim Virgem Maria. Fazer um balanço... Olha, dento do Anchieta Artes Cênicas, mais de 70 espetáculos foram montados nesses últimos 25, 26 anos. Em que eu atuei, foram mais de 50. Isso dentro do Anchieta. [E quantos alunos passaram pela escola?] Impossível de contar. Não tem como saber, porque a casa da Cultura e é até uma coisa que tem que ser feita, agora ela não tem controle, ela não guardou esse material de inscrição de alunos. Então eu não tenho ideia. Mas, com certeza, mais de 1500 alunos já passaram pelo curso básico.
DIARINHO - O teatro em Itajaí tem futuro promissor? Ou se manterá sempre como coadjuvante no palco das artes?
Valentim Eu acho que Itajaí é uma estrela. E o teatro é promissor. Em Itajaí ele acontece. Itajaí acontece. Itajaí é uma cidade em que a maioria dos grupos faz espetáculos para festivais embora não o meu, que eu não faço espetáculos para festivais. E são festivais estaduais, nacionais, internacionais. Constantemente os trabalhos de Itajaí estão indo pra fora. O Guilherme Peixoto, da Cia. Mútua, tá com um trabalho lindo, tá indo pra festivais internacionais e por aí afora. É a peça Um Príncipe Chamado Exupéry, um lindo trabalho. Tem tantos outros grupos com trabalhos que estão indo para fora... Itajaí, em Santa Catarina hoje, dentro do teatro, é uma estrela que brilha bastante, graças a Deus. O teatro em Itajaí não é coadjuvante não. Falta o olhar de muitas pessoas verem isso. Acho que na hora em que os políticos entenderem que cultura dá voto e como dá! eles vão olhar com mais carinho.
RAIO-X
Nome: Valentim Schmoeller, 55 anos
Naturalidade: Tubarão
Estado civil: Solteiro
Filhos: Não tem
Formação: Ensino médio, técnico operador de raio-X
Trajetória profissional: Comerciário, operador de raio-X, ator, diretor e produtor de teatro
A gente apresenta um espetáculo grande e não pode levar para a escola. A gente apresenta só no teatro Municipal. E acaba. E o povo não assiste. Assiste uma elite, mais ninguém. E isso não é legal
Fazer teatro é o desafio de você encontrar um tema interessante, que tenha alguma coisa para dizer para uma plateia. Pegar esse tema e transformar em arte, levar para o palco
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