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Fotos: Arquivo Histórico
Presente e passado se encontram hoje na rua mais popular de Itajaí. Alunos, professores, funcionários, ex-alunos, mestres aposentados e comunidade vão percorrer os cerca de 500 metros entre a igrejinha da Imaculada Conceição e a casa da Cultura Dide Brandão para comemorar o centenário do antigo grupo Escolar e atual escola de Ensino Médio Victor Meirelles.
A festa é dupla. A comemoração é pelos 100 anos da instituição da escola, mas também celebra os 100 anos do edifício, antiga sede do educandário, que atualmente abriga a casa da Cultura. O desfile inicia às 10h30, nas proximidades da igrejinha velha, e segue em direção à avenida Marcos Konder.
A inauguração do grupo Escolar, há 100 anos, foi um evento de grande importância para Itajaí. Tão grande a ponto de o governador do estado, Vidal Ramos, ter se deslocado até a cidade para participar do evento, que dava início a um novo modelo educacional no estado.
No início no século passado, Itajaí tinha pouco mais de 15 mil habitantes. O fato de ter sido escolhida para receber um dos primeiros grupos escolares construídos em Santa Catarina a colocava entre os municípios mais importantes do estado, seja do ponto de vista geográfico, já que era porto de entrada e saída para as cidades do Vale, seja por questões políticas, pois contava com um padrinho ilustre: o itajaiense Lauro Müller, na época ministro das Relações Exteriores.
A chegada do governador na cidade levou para o cais da praça, segundo o jornal O Pharol, de 5 de dezembro de 1913, uma enorme multidão. Como na época as estradas eram praticamente inexistentes, a maioria das pessoas, assim como as mercadorias, eram transportadas por via marítima e fluvial. E foi pelo mar que o governador chegou, a bordo do navio Orion, às 9h do dia 4 de dezembro de 1913.
Entre os que esperavam pela chegada de Vidal Ramos, estavam os alunos e as alunas da escola, que naquele dia estreavam os novos uniformes de cor branca. Às 16h, o governador seguiu para o imponente grupo Escolar, construído no centro da cidade e decorado com bandeirinhas para a inauguração. O local estava cheio de famílias, pais e autoridades.
A cerimônia contou com a participação ativa de muitos alunos. Como a República, proclamada em 15 de novembro de 1889, ainda engatinhava, o sentimento patriótico e de respeito às instituições era extremamente forte. Inicialmente, os alunos do 2º ao 4º do que seria o atual ensino fundamental cantaram o hino de Santa Catarina. Depois, Zilla Heusi apresentou o monólogo As bonecas e Maria Carolina Soares declamou a poesia Os pequeninos. A seguir, as alunas das turmas do 2º ao 4º ano cantaram A primavera e Erothides Araujo apresentou o monólogo Quando eu namorar.
A bandeira nacional foi o tema do diálogo proposto pelos alunos Clara Seara, Judith Liberato, Nelson Miranda, Cesar Lins e Renato Müller. Em sequência, Virginia Schimidt declamou A borboleta e Clara Peressoni e Elsa Schneider apresentaram o diálogo O carvão.
Terminadas as apresentações culturais, todos os alunos cantaram o hino nacional e as meninas do 4º ano realizaram uma apresentação de ginástica; a cerimônia passou, então, para os discursos. O primeiro a falar foi o professor Orestes Guimarães, inspetor geral de ensino no estado e responsável pela implantação dos grupos escolares. Depois dele, conta O Pharol, falaram diversas alunas. Só depois é que o governador discursou, declarando inaugurado o grupo Escolar Victor Meirelles, o sexto em Santa Catarina.
Vidal Ramos passou a noite em Itajaí. O salão do Grande Hotel foi palco de um banquete que reuniu inúmeros políticos e personalidades locais. A animação ficou por conta da banda do corpo de segurança, que veio especialmente de Florianópolis para os festejos, que no final da noite ainda tocou parte do repertório no coreto da atual praça Vidal Ramos.
Governador e comitiva retornaram a Florianópolis no dia 5 de dezembro de 1913, a bordo do vapor Anna, mas deixaram na cidade um novo conceito e um novo modelo de ensino, tornando Itajaí referência regional em educação.
Uma cidade em transformação
O Brasil no início do século passado vivia a euforia do movimento republicano, que pregava o desenvolvimento e o progresso, que junto com a ordem está presente no lema da bandeira nacional. A ideia era que, para se tornar um país moderno e civilizado, era necessário superar os atrasos herdados do Império, implantando um novo modelo de desenvolvimento, muitas vezes copiado dos países europeus.
Em Itajaí, os efeitos deste pensamento começaram a ser sentidos anos antes da inauguração do grupo Escolar Victor Meirelles. O historiador Euclides José da Cruz, do centro de Memória e Documentação Histórica de Itajaí, conta que a cidade passou por diversas mudanças naquele período, como a construção de novas ruas e o alargamento das poucas já existentes.
O conceito de desenvolvimento urbano republicano exigia planejamento e estabelecia regras para a organização espacial da cidade. Era preciso retirar do centro e levar para a periferia tudo aquilo que não fosse considerado adequado, como o cemitério, que na época ficava onde atualmente é a igreja Matriz do Santíssimo Sacramento.
Euclides conta que, em 1911, um conselheiro da cidade propôs a transferência do cemitério para o bairro Fazenda. A inauguração do novo campo-santo para os mortos aconteceu apenas em 1930, e a transferência das ossadas muitas vezes era feita pelos próprios familiares, que desenterravam os entes queridos e os levavam, de carroça e até de carrinho de mão, para a nova sepultura.
Entre as modernidades da época, a energia elétrica chegou em 1909, aposentando velas e lamparinas a óleo. Em 1911 o fornecimento de luz foi ampliado para várias partes da cidade. As mudanças eram gigantescas e revolucionaram o comportamento da população local, que em 1913 testemunhou a chegada do telefone.
O progresso era evidente, mas a cidade não possuía dinheiro para realizar tudo o que era aspirado pelo ideal republicano, principalmente em 1911, quando uma grande enchente atingiu o município.
Muitos projetos ficaram apenas no papel, como a construção de um novo hospital mais centralizado, pois o hospital Santa Beatriz ficava na estrada de Cabeçudas, ou da linha de bonde, que iria ligar o centro da cidade a Cabeçudas e às localidades mais afastadas no interior do município. O serviço chegou a ser concedido em 1913 a Arthur da Silva Valle, pelo período de 60 anos, para a implantação de um sistema de transporte movido a tração animal, vapor ou eletricidade. O projeto nunca foi executado.
Em 1912, ano de criação do bairro de Navegantes, que mais tarde se emanciparia de Itajaí, o município doou ao estado o terreno para a construção do grupo escolar. O terreno deveria ser central, porque no ideário republicano a educação deveria estar ao centro da vida social, tanto que foi em torno do grupo escolar que mais tarde, em 1925, surgiria a sede da prefeitura, do legislativo e do judiciário: o palácio Marcos Konder. Entre os dois prédios, a praça da República, atual governador Irineu Bornhausen.
A construção do grupo escolar foi um marco na história local. Itajaí entrou na modernidade e se transformou. A rua Hercílio Luz se tornou a mais importante da cidade e vários edifícios públicos foram construídos na região. Pessoas de outras cidades passaram a estudar aqui, conta Euclides.
Ele diz que o fato de Itajaí ter sido uma das seis cidades escolhidas para sediar um grupo escolar reforça a importância do município já naquela época, não somente pela economia e por ser um porto de elevado trânsito de passageiros e produtos, mas também pela influência política. Itajaí é o berço de nascimento de Lauro Müller, um padrinho muito importante que a cidade teve, explica.
Foi Lauro Müller o responsável pelo batismo da escola. A princípio, o grupo escolar iria se chamar Luís Delfino, em homenagem ao médico, político e poeta catarinense, falecido em 1910, mas a cidade sugeriu colocar o nome do governador Vidal Ramos.
A cidade de Lages, berço do governador, também foi escolhida para receber um grupo escolar, acabou ficando com o nome de Vidal Ramos. Foi então que Lauro Müller enviou uma carta ao governador, lembrando-o do nome do pintor catarinense. Ministro das Relações Exteriores, o itajaiense era muito respeitado. Ninguém ousava ir contra Lauro Müller. O que ele falava era lei, conta Euclides, que assina um dos capítulos do livro Grupo Escolar Victor Meirelles 100 anos de Educação. Organizado pelo secretário de Educação de Itajaí, Edison dÁvila, o livro será lançado na quarta-feira, dia do centenário, às 20h, na casa de Cultura Dide Brandão, antiga sede do grupo. Mais tarde, às 21h, o cantor Zé Geraldo faz o show do centenário, no calçadão da casa da Cultura.
Educação para o progresso
No final do Império, a taxa de analfabetismo no Brasil era elevadíssima. Os republicanos acreditavam que apenas alcançariam o nível ideal de progresso se o país tivesse uma população preparada para os desafios dos novos tempos. A República precisava de algo para formar bons cidadãos para se chegar à tão sonhada modernidade, explica o historiador e artista plástico Agê Pinheiro, diretor do museu Histórico de Itajaí e curador da mostra Ensino de Gigantes, que será aberta na terça-feira, às 20h30, para comemorar o centenário do Victor Meirelles.
A construção dos grupos escolares em Santa Catarina fazia parte de um projeto que ficou conhecido como reforma Orestes Guimarães. Após reformar a educação no estado de São Paulo, o professor Guimarães foi convidado pelo governador Vidal Ramos para dar início a uma nova escola em Santa Catarina.
Até então, o que existiam eram escolas isoladas, nas quais os alunos de diferentes idades estudavam juntos, ou escolas particulares, que muitas vezes funcionavam na casa dos próprios professores.
Como novidades, a nova escola introduziu diferentes séries, num total de quatro, de acordo com a idade e o progresso dos alunos. Também foram instituídos programas de ensino, disciplinas, laboratórios de desenho, química, matemática, aulas de música e ginástica. Cada turma tinha a própria sala de aula, e a escola era dividida em duas alas, uma para os meninos e outra para as meninas. Quem passa pela rua Hercílio Luz ainda pode ler hoje, no alto da cada da Cultura, a inscrição Secção Masculina e Secção Feminina.
O prédio tinha que ser imponente para representar a importância da escola. Os móveis vinham dos Estados Unidos e de São Paulo e eram preparados com a preocupação de oferecer conforto aos alunos. As carteiras eram de ferro fundido e, na ala feminina, havia uma proteção na frente, pois o uniforme feminino obrigava o uso de saias.
Mas talvez a maior revolução tenha sido a introdução do método intuitivo. As aulas não se limitavam apenas à memorização de conceitos. Tudo deveria ser vivenciado pelo aluno. A aula de matemática não tinha só as equações. A prática era vivenciada com saídas em campo, para contar porcos, por exemplo, explica Agê. Acima de tudo, a escola da república buscava ensinar a saber querer. A criança era preparada para, quando adulto, saber o que quer da vida. Ela tinha que saber querer, ressalta.
Outra novidade foram os inspetores, que fiscalizavam a frequência escolar de todas as crianças de sete a 14 anos. Os pais que não mandavam os filhos à escola estavam sujeitos a multa. O objetivo da medida era garantir a formação de uma nova geração de cidadãos civilizados, de acordo com os ideais da República. Para facilitar a vida das famílias com poucos recursos, era permitido comparecer às aulas sem sapatos, como publicado no jornal O Pharol, em abril de 1914. Nele, o diretor do grupo escolar, Henrique Midom, comunica que os alunos podem ir às aulas descalços, desde que as roupas e o corpo estejam limpos.
Driblar as dificuldades financeiras de alunos sempre foi uma missão para diretores. A professora Loni Lygia Kobarg Cercal, 84 anos, foi diretora do Victor Meirelles por 28 anos. A menina que sempre desejou ser professora e que foi aluna de Antonieta de Barros, primeira mulher a fazer parte da Assembleia Legislativa, conta que o dinheiro enviado pelo estado era curto, e para garantir uniformes de tergal e livros para todos contava com o apoio dos pais, que organizavam quermesses e atividades para angariar fundos. Naquela época, os pais tinham mais tempo para a escola, e todos colaboravam. Para o desfile de 7 de setembro, todos os pais mandavam os filhos impecáveis. Sou muito grata a todos eles. Do Victor Meirelles saíram muitas pessoas de sucesso, com muitos títulos, mas o importante é que todos saíram como bons cidadãos, bons pais, bons profissionais, diz, orgulhosa de ser professora e do dever cumprido.
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