Raffael do Prado, especial para o DIARINHO

Fotos: Douglas Schnatto

O grupo Maré Mansa, do Rancho do Lino, foi o vencedor da primeira edição do Saragaço de Bombinhas, a gincana entre os ranchos de pescadores. Em segundo ficou o Estaleirinho, convidado de Balneário Camboriú, e a terceira colocação foi a do grupo Nativa e Luar de Prata dos ranchos do Gilberto e do Takata, da praia do Centro. O evento foi organizado para comemorar as mais de 260 mil tainhas pescadas no mar de Bombinhas nesta temporada.

Saragaço é confusão, é briga, é muita gente falando ao mesmo tempo. Tirando a treta, o que rolou na praia de Bombinhas sábado foi um mundaréu de gente reunida para brincar, comer peixe e agradecer ao tempo, fator que contribuiu para encher as redes de pesca com muita tainha. “Nego, eu tenho 66 anos e nunca vi tanta tainha assim na minha vida. O tempo ajudou com esse frio todo que fez”, resumiu o pescador Andrino João Norberto, do rancho do Retiro dos Padres.

E foi força de tainha. A conta tá em torno de 260 mil peixes. Sábado, lá no canto direito da praia de Bombinhas, tinha gente falando em mais de 400 mil. Pode ser papo de pescador, mas muitos ranchos ainda não passaram seus resultados, o que pode elevar ainda mais esse número. O Andrino disse que só o rancho dele pegou 70 mil escamosas.

Como já é tradição, metade dos peixes fica com o dono da rede e a outra com os pescadores escalados pra ajudar no cerco aos cardumes.

Rosenildo Kenko de Melo, 48, do rancho do Kenko, pescou 39,6 mil tainhas com a ajuda de 20 pescadores. Ele explicou que a rede é formada por duas linhas diferentes. A que fica no meio, onde o peixe se aglomera e faz muita força pra tentar escapar, é a 2036, de fio de seda. Ela é mais grossa e reforçada. A linha das laterais, por onde os pescadores fazem a puxada, é mais fina, já que a tensão é menor. “Os barcos saem com a rede e vão cercando o cardume até fechar o círculo”, explica, fazendo um desenho na areia. A turma dele venceu uma das etapas do cabo de guerra com uma cena e tanto. A colega Cleide Melo, 43, fez tanta força pra segurar a corda que acabou caindo no chão, de tão tonta que ficou. “Olha, eu estou cansada demais, mas valeu a pena”, contou.

A disputa do cabo de guerra foi uma atração à parte no Saragaço. A torcida das equipes formou um paredão bem pertinho da água. No meio, os competidores tencionavam o cabo de um lado para o outro. Três homens ficavam mais próximos ao meio da corda, presos com cintas produzidas com fibra de bananeira. Atrás deles, duas mulheres ajudavam a puxar a corda com as mãos e um terceiro homem cuidava da ponta do cabo. As disputas foram acirradíssimas e aos gritos de “vai”, “força”, “puxa”, “aguenta”, “debulha”.

Ainda se recuperando do esforço, o pescador Ricardo Vieira, 38, do rancho do Estaleirinho, contou que foi o primeiro a pescar tainha nessa temporada. “No dia 30 de abril tava todo mundo se preparando, e quando fomos liberados, no dia 1º de maio, fomos os primeiros a voltar pra areia com tainha. Pescamos 82”, contou, orgulhoso. Até sábado, a turma dele tinha conseguido pescar 21,6 mil escamosas.

É mais do que diversão

O Saragaço foi organizado pelo agitador cultural Marcos Aurino Pinheiro, 38, pelo advogado Vinicius Gasparin Rossa, 28, e pela designer Telma Mafra, 26. Mais do que brincar e confraternizar, o Saragaço é um alerta para a necessidade de se discutir políticas públicas para a preservação dos ranchos e da cultura da pesca artesanal em Bombinhas. “Existem demandas importantes, como a homologação do território tradicional pesqueiro. Há um movimento internacional para esse tipo de ação e precisamos reivindicar uma melhor gestão das áreas onde estão os ranchos”, explicou Marcos.

Telma contou que a ideia do Saragaço começou despretensiosa e cresceu à medida que os pescadores foram confirmando presença na gincana. “Tivemos que quadruplicar a estrutura prevista de tanta gente querendo participar. Isso mostra a força que tem a pesca artesanal em Bombinhas e como é importante preservá-la”, comentou a designer. Ano que vem o Saragaço está confirmado, mesmo que a safra seja menor. “O foco é unificar e fortalecer a pesca artesanal com a ajuda dos ranchos”, completo Marcos.

Sal, limão galego e anchovinha

A organização do Saragaço montou uma estrutura no canto direito da praia de Bombinhas; tinha palco para shows e apresentações musicais e uma praça de alimentação na areia. Quem estava comandando o lambe-lambe era a turma do chef Marcos Cardoso Porto, 27. Enquanto ele cuidava do pirão, o Francis França, 35, e a Kátia Maria, 30, ajudavam a montar e a repassar os pratos pra equipe da anchova.

O peixe ficou aos cuidados dos argentinos Carlos Alberto Velasquez, 40, e Pablo Festa, 37.

O Carlos estava na churrasqueira de olho para o peixe não queimar e sendo guiado pela esposa Sara Picanço, 54. “Tem que ter uma mulher na cozinha, ou o negócio desanda”, carcou. Num outro canto, o hermano Pablo trabalhava na correria para temperar as anchovas da forma mais simples e eficaz: sal e limão galego. “Não precisa de mais nada, meu amigo”, ensinou.

Os representantes do rancho da Praia de Fora, Mauro Manoel dos Santos Filho, 46, Aurélio Aurino Pinheiro, 46, e Estevão Mateus da Silva, 53, estavam em volta de uma mesa de plástico bem pertinho da água. Após participarem de uma disputa do cabo de guerra, correram para repor as energias com duas anchovas e algumas latinhas de cerveja. “Isso aqui tá uma maravilha”, disse o Mauro. “Agora temos que ir lá e ganhar alguma coisa, né, pra não ficar feio pro nosso lado”, emendou o Aurélio.