Itajaí
João Guilherme Estrella (Johnny)
O álcool é droga pesadíssima e é a que mais mata
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
João Guilherme Estrella , o cara que inspirou o filme Meu nome não é Johnny, vem fazer palestra e participa do Entrevistão do DIARINHO
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João Guilherme Estrella é daqueles caras que fazem sucesso pelas avessas. Filho de classe média alta, o popular Johnny (apelido de juventude) virou o barão da cocaína da society carioca na década ...
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João Guilherme Estrella é daqueles caras que fazem sucesso pelas avessas. Filho de classe média alta, o popular Johnny (apelido de juventude) virou o barão da cocaína da society carioca na década de 90. Até quando foi preso em 95, por tráfico internacional, acabou se dando bem. Sua pena, de apenas quatro anos, foi reduzida pela metade e transformada em tratamento de recuperação num manicômio. Do inferno voltou ao sucesso em pouco tempo, quando sua vida foi contada no livro Meu nome não é Johnny, do jornalista Guilherme Fiuza, com cerca de 80 mil exemplares vendidos. O livro se transformou no filme do mesmo nome, estrelado por Selton Mello, e que encheu as salas de cinema de todo o país. Hoje, João divide sua carreira de compositor, cantor e produtor musical com palestras para jovens pelo Brasil, como fez em Itajaí no dia 10 de maio, a convite do centro Integrado Empresa-Escola [CIEE)]. Sem apelos religiosos e distante de chavões morais, João Estrella falou aos jornalistas Cláudio Eduardo e Sandro Silva sobre o perigo do mundo das drogas, contou detalhes de sua experiência no mundo do tráfico e revelou seus momentos de angústia na prisão. Os cliques são do fotógrafo Minamar Júnior. Mas prepare-se, pois esta é uma entrevista sem papas na língua, daquelas com palavrões, verdades incômodas e alfinetadas nos falsos moralismos que a sociedade costuma alimentar.
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DIARINHO Você tem trabalhado com palestras motivacionais para jovens. Que mensagem pretende passar a eles? O conteúdo se limita ao diga não às drogas ou seu trabalho com esse público vai além?
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João Estrella Eu acho que esse assunto não se limita a dizer não. Porque se você chegar pra um adolescente e falar não, ele vai lá e faz. Então, é trocar ideias, usar a minha experiência pra chegar mais perto desse público e pra que ele possa se abrir bastante e a gente, aí sim, possa começar a mostrar que é bastante perigoso, arriscado. São coisas que, num determinado momento da vida, podem parecer bastante atraentes. Então, não é uma coisa maquiada, é bastante aberta e realista.
DIARINHO O CIEE integra jovens no mercado de trabalho através de estágios. Onde sua experiência de vida se enquadra nessa atividade no sentido de ajudar quem está começando agora a vida profissional? O que justificaria o CIEE bancar suas palestras?
João Estrella Justifica pelo seguinte: participei de palestras em quase todos os estados do país em colégios e faculdades com jovens que tão nesse momento de escolha de profissão, de dúvidas. Momentos cruciais de possibilidades de desvio de caminho pra uma coisa de se perder mesmo. Eu, por exemplo, fui realizar meus sonhos e minha carreira, que eu já sabia qual era, 20 anos depois. Então, justifica porque o tema está totalmente enraizado em qualquer área. Trocar ideias sobre o assunto num momento tão especial do jovem é prevenir. Eu também tenho feito palestras em empresas, como o Metrô de São Paulo, tive debates com ministros do Supremo, juízes federais, pra ver o que a gente pode melhorar em relação a esse contato do jovem, que é tão difícil. Eu acho que a inserção do jovem na empresa não é uma coisa fácil. As empresas são bastante criteriosas e, às vezes, é um funil muito grande, uma peneira que passa pouca gente. Se pede experiência, mas a pessoa ainda não tem. Eu não tenho só experiências na área de relação com drogas e esse tipo de coisas, como também tenho muita experiência pelas empresas que passei, como vendedor de automóveis ou na rede hoteleira. Quer dizer, eu também tive essa inserção dentro de empresas. E essa relação droga na empresa, também pude ver de perto pessoas usando dentro do trabalho.
DIARINHO No bate-papo pós-palestra, qual é o tema mais recorrente?
João Estrella Eu me apresento e o que é mais importante nesse evento é a hora do debate, microfone na mão da plateia e eles, os jovens, podendo interagir. Eu deixo à vontade pra me xingar ou fazer pergunta mais cabeluda, escabrosa que seja, o mais invasivo possível pra que o debate valha a pena. Quem não consegue naquele momento, porque têm alguns que são mais tímidos, mais retraídos, que não conseguem fazer a pergunta que tem vontade, sempre me procura depois do evento pra fazer essa pergunta separadamente. A grande maioria tá preocupada em tomar uma decisão crucial que é aquela de que o grupo em que ele se encontra, interage, já está bebendo muito ou começando a usar algum tipo de droga e esse adolescente tá se sentindo pressionado pelo grupo ou por ele mesmo a usar alguma coisa. E, na verdade, não é a vontade dele fazer aquilo. Então, essa pessoa sofre com isso. Porque vai ter medo de ser excluído, quando na verdade esse processo de exclusão vai acontecer naturalmente. Essa é uma das questões mais recorrentes e que acontecem separadamente ou por e-mail, quando eu disponibilizo pra quem quiser entrar em contato. E eu aconselho, geralmente, a manter a firmeza nas suas vontades. Seguir seu coração, porque ninguém vai gostar de alguém que não tem firmeza. O que vale é isso. E se aquela não for a turma dele, outra será. Essa é a pergunta que mais pinta em off.
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DIARINHO Você hoje dá palestras para alertar, em especial, aos jovens sobre o risco das drogas. Mas, numa entrevista sua, que achamos na internet, você se diz a favor da liberação do uso das drogas. Ainda mantém esse posicionamento? E se mantém, não seria uma contradição?
João Estrella Eu sou a favor da coerência e da não hipocrisia em relação ao tema. A gente tem a mania de separar o álcool das drogas. O álcool é droga pesadíssima e é a que mais mata. Atinge famílias com violência, em guerra de torcidas, agressões físicas em bares, mortes por facadas, etc. Se você pegar os números do álcool, eles são 50 vezes maiores que os da cocaína. O álcool tá em primeiro lugar em todos os rankings. E ele é liberado. Então, eu acho essa história de liberar ou não liberar, muita perda de tempo, porque a gente não vai votar isso em 50 anos aqui no Brasil. Então a questão é: como informar, como colaborar. Se você me perguntar se eu sou a favor ou não, eu vou dizer que nesse momento eu sou a favor e explico por quê... Aí, quando eu falo isso, você da imprensa vai botar: João Guilherme é a favor da liberação das drogas, ponto! Isso é ridículo, porque você tem que ver os motivos pelos quais eu tô falando isso. Eu sou a favor porque, se tiver políticas de informação, tratamento e vigilância sanitária, você teria uma melhor condição de controle de tudo isso que está acontecendo. Você teria menos guerra nas grandes capitais, estaria combatendo o crime em relação a outros tipos de assunto, como assaltos a bancos e sequestros. A cocaína já foi legal uma época. Se você pensar, a cachaça é barata que nem o crack. Eu acho um absurdo. O crack tá aí e ele é legal. Legal que eu digo é que ele é livre, é de livre comércio. Se você chega em São Paulo, a polícia não prende ninguém ali não. Agora eles tão prendendo porque teve matérias e tal. Mas o que você vai fazer? Ou você proíbe o álcool ou você libera o resto. Ou você libera o jogo do bicho ou você proíbe a mega-sena. Se é um país democrático então libera o jovem pra escolher se quer servir no Exército ou não. Faz o voto livre.
DIARINHO Você forneceu drogas, principalmente cocaína, para a nata carioca das décadas de 80 e 90. Hoje a coca ainda é a droga das classes média e alta? Ou esse perfil já mudou?
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João Estrella O pessoal mais jovem ainda consome cocaína, mas consome muito mais o ecstasy, o LSD. O LSD é uma droga que sempre teve aí, ela nunca teve um grande boom, a não ser lá pela década de 70, quando foi o grande modismo. Quando eu vendi cocaína, era uma época que era uma moda e não tinha essa campanha toda contra. Na verdade, acabei mexendo com isso de uma forma muito inesperada, como tá no livro e no filme mesmo. E também não tive contato com armas, com crianças e coisas desse tipo. Foram pessoas que já usavam, eram artistas daquele meio carioca que já consumiam. Não me lembro de ter feito alguém começar a usar droga. Alguém pode ter comprado de mim e apresentado a alguém, mas eu não.
DIARINHO O crack já é considerado um problema de saúde pública. Nos grandes centros, hordas de viciados perambulam como zumbis em busca de droga. Temos agora o oxi que, segundo alguns especialistas, chega com mais poder de viciar. Hoje as drogas estão saindo do controle? Haveria algum jeito de conter esta expansão?
João Estrella Eu vou falar engraçado, mas chorando, porque a gente tem epidemias gravíssimas antes dessa [do crack]. Só que parece que o governo ou as pessoas responsáveis pela saúde pública escolhem a droga como se fosse pra desviar a atenção. Até porque eles são muito escancarados. Você vê a Cracolândia de São Paulo, que parece figuração do clipe Thriller, do Michael Jackson. Então, se você for parar pra pensar, o Brasil tem há muito tempo outras epidemias, como Aids, fome, hospitais caóticos... Os hospitais do Rio de Janeiro acabaram, em São Paulo tá tudo um lixo, o nordeste não existe. Cara, tem gente que não come no país. Eu acho que aqui no Sul a situação é um pouco melhor. Aí você pega lá 0,00001% da população que tá viciada em crack e vira uma grande polêmica. Tudo bem, é perigosíssimo, é uma coisa que pode se tornar uma epidemia e aí chegar a níveis alarmantes em relação a números, como os da miséria, da fome. É que nem a favelização do Rio de Janeiro, vai deixando passar, vai deixando passar e agora você sobrevoa o Rio e você vê tudo cercado de favelas. Todas as áreas urbanas. É mais ou menos a mesma coisa. O percentual de recuperação de um viciado em crack é de um pra cada 10 pessoas. Então, as verbas que o governo poderia gastar nessa área, os caras preferem não gastar, porque tem um monte de outras coisas a serem feitas.Seria como se você despejasse dinheiro no lixo, entendeu? Ninguém tá muito aí pra quem já virou lixo. Então, pegar aquele povo todo que tá na Cracolândia e gastar R$ 100 milhões pra fazer um projeto? Pra recuperar um viciado em cocaína, você pode ter um êxito de 60%. Agora, com o crack não, você tem 10%.
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DIARINHO Acha que a sua história, contada em livro e filme, teria o mesmo impacto se você não tivesse vindo da classe média alta carioca ou se não estivesse muito próximo dela?
João Estrella Eu acho que a gente já teve algumas histórias impactantes vindas de favela, como do MV Bill, do filme Cidade de Deus, que os garotos viraram atores; do Afro Reggae, que hoje movimenta muito mais do que eu essa inclusão de gente do trabalho, de ex-presidiário. O fato de você conseguir uma exposição de milhares de pessoas assistindo um filme ajuda muito. O filme, com TV aberta e cinema, deve ter chegado a uns 80 milhões de pessoas. Tem procura no Google em algo de seis milhões de acessos. Tem acessos no youtube, nos meus vídeos musicais e de palestras, perto de um milhão e meio de acessos. [Seu livro vendeu quanto? Perto de 80 mil exemplares, é isso?] É. Isso tudo é um número bom. Isso ajuda, obviamente, e ajuda a chegar num jovem. Às vezes, pai e mãe não conseguem chegar e eu faço chats que o cara tá no quarto e o pai e a mãe tão na sala falando comigo ao mesmo tempo. Eu segurando a onda do cara: Teus pais tão preocupados, pô! Tu tá cheirando pó, maluco! Tu quer que teu pai e tua mãe estejam te vendo como, te achando mó barato? Tu tem que segurar a onda. Pelo menos faz uma coisa por eles, vai no psicólogo. Enquanto isso os pais tão me dizendo: Nós vamos internar ele à força, não estamos mais aguentando, não queremos mais ele aqui dentro. Daí eu digo: E o amor? Cadê o amor? Vocês têm que dar mais um crédito, têm que ter mais paciência. Vai dar tudo certo, mas vocês têm que conversar, manter um diálogo aberto.
DIARINHO - Sua carreira como traficante foi meteórica. Sem estrutura, sem uma grande equipe, sem experiência Você traficou quase como um barão da coca nas altas rodas do Rio, mas tudo muito rápido. O que fez com que isso acontecesse: sorte ou senso de oportunidade? Chegou a imaginar, quando começou a traficar, onde chegaria?
João Estrella - Eu não considero sorte isso. Se eu estivesse trabalhando, sei lá... Como é aquele negócio que se faz paella [prato com frutos do mar da culinária espanhola], que deixa a paella amarelada, vermelha, um produto caro pra caramba? [Colorau?] [Risos] Colorau é o de pobre. Não tô lembrando o nome não [João se referia à especiaria açafrão, usada como tempero especialmente na culinária mediterrânea]. Bem, se fosse uma especiaria não proibida, seria sorte. Aí eu ia poder estar rico. Mas, na verdade, chegou um momento que seria hora de eu parar com as experiências. Eu nem gostava de cocaína, na verdade. Eu gostava de LSD, que era uma droga que se usa em menos quantidade. Ela é uma droga que te deixa 12 horas viajando e você fica cansado depois e eu, pelo menos, ficava mais tempo, 20 dias, um mês, dois, pra me refazer de novo. Então, eu bebia muito. Eu não comprava cocaína. Eu nunca comprei cocaína. Então assim, de vez em quando, quando alguém me apresentava, eu usava. Até no filme tem a gente comprando cocaína, uma vez rachei. Mas foi uma ou duas vezes. [Isso com 18, 20 anos?) É. Já tarde pra quem começa a se biritar. Diferente de hoje, que a molecada começa com 12, eu comecei a beber assim, com 19 anos, e a cheirar cocaína. Porque começou a ter muita cocaína. Me ofereceram. Confiaram em mim e tal e como eu não cheirava tudo e não pagava, como esses malucos faziam, então eu pagava e tinha sempre muita cocaína. Então eu passei a cheirar muito e isso foi um divisor de águas. Era um momento que eu poderia estar seguindo minha carreira musical, na faculdade. Eu já tinha parado de fumar maconha há muito tempo e poderia estar levando vida normal, né. Mas aí acabei, sem pensar, naquele embalo. Fui aceitar ficar com um pouco de cocaína, uma partilha maior, que me fez vender pros amigos e dividir e aquilo entrou dinheiro e foi indo, foi indo... De repente aquilo virou uma bola de neve que retardou os meus planos de vida por muito tempo, né!? Isso é uma coisa que eu falo nas palestras. Que, quando eu parei e saí da prisão, que eu foquei nos meus objetivos, que foquei na minha energia guardada - eu tenho muita energia, muita disposição e muita criatividade. Quando eu foquei toda essa energia no meu alvo, que era a música e realizar meus sonhos e tal, eu acabei que espalhei tanta energia que então veio um livro, veio um filme, veio um filho. Tem livro no Japão. Agora, com Marcos Palmeira, vamos fazer uma peça de teatro. Vou lançar um segundo disco. Vou lançar um livro de poesia. Então é o que eu falo pra eles [Estudantes que assistem suas palestras]. A principal mensagem é essa: pensa no que tu ama, no que tu gosta e mira nisso. Porque vai conseguir acertar. Se você ficar perdendo tempo no oba-oba, no maior barato, o cara do teu lado vai tá te chamando pra roubada, tipo vamos tomar todas, vamos beber até cair, vamos cheirar. Olha, deixa ele cair pro lado de lá, meu irmão. Ou ele vai comer a tua mulher ou ele é meio e vai te comer. Quando tu vê, ele tá andando de carrão na Atlântica e você tá lá fumando cachimbo de crack. Comendo a tua bunda no chão. Tinha um psiquiatra amigo meu, que já faleceu, que recebia os caras assim: Você já deu o cu? Que é isso? Porra, o cara nunca mais aparecia. Quer dizer, aparecia seis meses depois, mas voltava. E falava: Claro que não dei!. Porra, e como é que tu sabe? Tu tem amnésia! Tu cai no chão e só acorda em casa! Como é que tu sabe?, dizia esse meu amigo.
DIARINHO - Você foi preso por tráfico internacional de drogas, ficou um tempo na cadeia, num manicômio judiciário. Quase confessa no livro que sua loucura foi, digamos, inventada para escapar da prisão comum. No sistema judiciário, quem pode pagar um bom advogado se dá bem?
João Estrella - Olha, não foi uma loucura inventada não. Foi uma estratégia, sim, e ao mesmo tempo uma necessidade. Eu tava cheirando 150 gramas de pó e tomando três ácidos por semana, ao mesmo tempo. Então eu acho que eu precisava de tratamento. Só que o Estado tinha que ter um lugar pra me enviar. Clínica, alguma coisa. Só que eu fui pro manicômio judiciário, num lugar pra psicopatas, assassinos e tal. [Quanto tempo você ficou na carceiragem e quanto tempo ficou no manicômio?] Fiquei dois anos no total. Quatro meses na carceiragem, na polícia Federal, e o resto no manicômio.
DIARINHO - O que foi mais difícil ou pior: ficar numa cela apertada com criminosos de alta periculosidade ou estar num manicômio judiciário?
João Estrella Cara, hoje em dia eu tenho isso como um grande tesouro de experiência de vida. Mas o pior foram as duas experiências. Mas, pra terminar a pergunta dele aqui, essa coisa, ela é uma estratégia perigosa. As pessoas acham que eu fui condenado a quatro anos, mas transformaram dois em medida de segurança. Essa medida de segurança, que foi esse tratamento no manicômio e que pode ser uma prisão perpétua. Tem cara saindo na porrada, cheirando cocaína. Tem de tudo. Você nunca sai. Você precisa de vários pareceres. Você precisa das perícias médicas. Você precisa de um monte de coisa pra poder sair. Então isso é importante frisar. Eu já fiz um debate com o ministro Marco Aurélio Melo, do Supremo, e mais uns três juízes federais, e o ministro defendeu muito a minha sentença e os juízes não sabiam e ninguém sabia como era uma medida de segurança. A justiça federal não lida muito com isso. Eu fui o primeiro preso federal a ir parar nesse manicômio. Quando meu advogado falou que eu ia pra esse manicômio, eu falei: Cacete, que merda, hein!? Vem cá, eu tô te pagando pra tu me mandar pra um manicômio?.
DIARINHO - Que recursos, que estratégia você usou pra manter a lucidez, para manter a sanidade lá dentro do manicômio?
João Estrella Olha, dentro da carceragem eu tomava longas chuveiradas. Fazia aqueles mantras e tomava longas chuveiradas. Ali era muito doido porque tinha umas 25 pessoas dentro de um quadrado assim, tamanho desse aqui [Algo perto de 16 metros quadrados], talvez menor, e era verão, devia fazer uns 70 graus lá dentro. Como eu não denunciei ninguém, aí me colocaram numa cela do comando Vermelho [facção criminosa], tinha gente graúda lá, donos de morro e tal. Então a gente pouco saía pra tomar banho de sol. [Teve respeito com você lá dentro?] Fui muito bem recebido. Tive problemas quando subornei os policiais pra ficar com a minha mulher na época. Quando voltei pra cela já sabia que ia ter uma cobrança, porque eles procuram problema em tudo, né!? Cabelo em ovo. Eu já sabia que ia ser cobrado e antes de chegar na cela eu já tinha preparado uma saída que seria a possibilidade do dono do morro ver a mulher também. Antes de chegar na cela a polícia falou pra mim: Não fala pra ninguém que rolou essa parada aqui não. Eu falei: Não, senhor, meu amigo. Vou falar, porque quando eu chegar lá dentro vai ter um tribunal me esperando, com certeza. Tô quatro horas fora da cela. No manicômio eu resisti usando o espaço que tinha. No começo foi muito difícil. Você fica trancado em observação, uns 15 dias trancado. Depois você sai, mas aí me botaram numa cela com os crônicos, onde os psicóticos não tomavam banho há um ano. E eu queria dar sabonete pros caras, queria que os caras tomassem banho e acabei saindo na porrada com um maluco lá. Me trancaram de novo e fiquei mais uma semana trancado. A cela toda incendiada com cinco caras completamente fora, assassinos. E aí esse começo foi complicado. Lá tinha uma área de um campo de futebol, onde dava pra bater uma bola. Aí eu descobri um ladrão de uma caixa dágua, que jorrava água naquele horário. Era um lugar que não podia ir, mas eu jogava uma lábia no funcionário e ia lá e tomava um banho como se fosse uma cachoeira. O fato de você poder se exercitar ajuda. Depois eu fui trabalhar na parte jurídica de um escritório que tinha lá. Aí eu tava tão cheio de energia, tão eficiente, que os caras passaram a tirar três folgas por semana. Aí, no fim eu tava com dois telefones à minha disposição e ligava pra rua direto. Lá o diretor é médico e o vice é polícia, então eles batem de frente direto. Eu tava fazendo e assinava ofício, eu recebia ofício. Aí, quando o diretor entrou eu tava no telefone, um outro esperando, eu lá na mesa, como se fosse um executivo. Aí o cara teve um ataque, deu uma merda. [Você voltou pra cela?] Não. Continuei trabalhando, mas os caras tiveram que voltar ao trabalho. Voltaram ao trabalho putos da vida.
DIARINHO - Em algum momento você não concordou com a abordagem de Guilherme Fiuza no livro ou com a adaptação do Mauro Lima pro cinema do filme Meu nome não é Johnny?
João Estrella - Olha, nos dois casos a gente teve uma relação muito saudável e ambos respeitaram muito as minhas colocações em relação aos temas facção e família. Tipo, eu não queria que meus irmãos estivessem dentro da história. E o cuidado com o envolvimento da parte criminosa também, das pessoas que eu tive contato, como seria colocado isso no livro. Não poderia soar como uma coisa de denúncia, de entrega, até porque se eu sobrevivi até ali eu não ia escrever minha morte, né!? Então foi bem legal. E aí veio a Marisa Leão, que é a produtora do filme. Eu e o Guilherme Fiuza [jornalista, escritor e primo de João Estrella], escolhemos a proposta dela pro filme porque era a que mais se aproximava do livro e porque fez a gente participar do processo todo. O Selton [Selton Mello, ator que representou o papel de João Estrella no filme Meu nome não é Johnny], quando precisava de mim me chamava e a gente batia papo. A cena do julgamento tinha um texto que não tava legal, ele não tava gostando. Me mostrou e eu concordei que tava muito ruim. Aí foi uma coisa muito incrível, porque eu bati um papo com ele de umas duas horas e ele gravou a cena de primeira, assim. Foi uma das cenas mais fortes do filme. Então foi bem legal.
DIARINHO - João, o filme não deixa muito claro, mas no livro do Guilherme Fiuza dá pra chegar à conclusão de que você não era muito apegado ao dinheiro. Mas mesmo sendo considerado o barão do tráfico carioca da época, você chegou a ficar sem energia elétrica em casa. Esse desprendimento ao material, ao dinheiro, foi o que facilitou sua recuperação?
João Estrella - Olha, eu tenho uma facilidade muito grande em me adaptar às situações. Eu acho que a vida é cheia de marés. A gente não tá sempre igual. A gente não tá sempre financeiramente do mesmo jeito. A gente não tá sempre emocionalmente do mesmo jeito. Antes de isso acontecer, eu já tinha passado por situações de tá com dinheiro, tá sem dinheiro, tá com emprego, tá sem emprego, tá mais doidão, menos doidão. Então o que facilitou a minha recuperação foi o fato de eu já estar muito de saco cheio com essa história de ficar cheirando e sem rumo. Mesmo porque, uma coisa é você usar esporadicamente alguma coisa, tomar um chope de fim de semana e outra é você tá cheirando quatro dias e quatro noites direto. Realmente incomodava muito. Então, quando eu fui preso, aquela coisa toda de consumo passou a ser um detalhe, porque tinha uma outra coisa agora, que era mais importante, que era ser livre. Eu teria que conquistar minha liberdade. Então isso virou o foco principal pra reagir. Eu ter de volta o direito à escolha de meu próprio destino. Eu tava na mão de um monte de outras pessoas, de promotor, juiz, advogado. Quer dizer, eu não tinha mais a minha vida na mão. Então, pra que isso acontecesse, também eu tive que mudar meu jeito de ser. E antes de ser preso eu já tava com planos, eu ia dirigir uma casa de shows. Já tava com plano traçado, pelo menos sair do tráfico eu já ia sair, não aguentava mais aquilo e tal. Eu não chamo de azar, não, o que aconteceu, porque me fez bem aquele resultado e a gente não taria aqui hoje, né!? Não estaria ajudando tanta gente também. Então eu acho que tudo tem sua razão de ser.
DIARINHO - O consumo de cocaína parou quando?
João Estrella - Assim que eu fui preso. Em 95. Dentro do manicômio tinha muita cocaína. A única coisa que eu fiz quando preso foi fumar um baseado, coisa que eu não fazia há 15 anos. E foi uma merda, porque eu ia tocar violão e pensava que tocar violão com o baseado seria bom pra relaxar, mas foi uma merda. A maconha sensibiliza, aguça os sentidos e aguçar a prisão foi um horror. Ficar mais sensível dentro da prisão é terrível. Mas foi só. Hoje em dia nem cigarro fumo.
DIARINHO - Em algum momento você se sentiu vítima da imprensa?
João Estrella - Não. Olha, teve uma avalanche de mídia, uma invasão de mídia na minha vida, que foi bem-vinda. Foi provocada pela gente, pela minha gravadora, pela produtora do filme, pela editora do livro. São produtoras grandes, né? Som Livre, Universal, Sony, Columbia. Então não tinha como impedir isso. [Mas na época da prisão?] Na época da prisão saiu umas duas matérias no RJ TV [afiliada na Rede Globo no Rio de Janeiro]. Nacional saiu uma matéria grande no Jornal do Brasil. [O tratamento foi respeitoso?] Acho que eles dobraram a quantidade de cocaína. Disseram que tavam me investigando há um ano e meio, tudo mentira. Os caras me pegaram por acaso. Eles tavam investigando uma quadrilha gigantesca na fronteira com a Bolívia, que por acaso a droga foi parar na minha mão. Eu era o menorzinho dessa história. Se eles tivessem me investigando há um ano eles tinham me pego com 15 quilos e não com seis.
DIARINHO - Ao abrir sua vida pra ser contada num livro, você imortalizou sua história. Mas, no mundo do tráfico, você acha que alguém consegue se dar bem até o fim da vida?
João Estrella - Bom, depende de quantos anos tu tá falando, né!? Se o cara for viver 30. Bom, eu acho que tem gente que viveu e eu conheço gente que construiu aí sua independência financeira com as drogas e parou. Quer dizer, tem fazenda, tem carros, vive em apartamento, tal e nunca mais fez. Abriu empresas. Não sei até que ponto isso é bom, né!? Não sei se teria orgulho, porque eu acho o seguinte. Daqui a 10, 15 anos, de repente a cocaína pode tá sendo vendida na feira, como farinha, como a cerveja e a cachaça é vendida em cada esquina. Pagando impostos altíssimos. Acho que um dos maiores colaboradores do PIB nacional são aí o aço, a cachaça. Eu tenho um amigo que tem uma fábrica de cerveja, pequena, artesanal, mas que tem uma fatiazinha de mercado e os caras ganham metade de tudo o que ele ganha. De imposto. O álcool é taxado violentamente. É como se isso justificasse a detonação que o álcool causa. Então aí fica essa coisa, o cara lá, o ministro, não sei mais quem, tomando uísque e falando assim: O que faremos com a cocaína? Vamos cheirá-la então com esse uísque, porque esse uísque está ótimo. Vamos cheirar essa pura. É palhaçada! Você é a favor da liberação? Mas que contradição. Que nem você fez comigo agora, dá vontade de te mandar... [Fala olhando para um dos jornalistas ]. Você é a favor ou é contra, jornalista ? [Não sei]. Tem que fazer um tremendo estudo sobre isso. Você não pode de repente jogar um monte de cocaína pura nos botequins. Agora, você não consegue controlar a Parmalat, que bota soda cáustica no leite
DIARINHO - Como é que tá a tua carreira musical hoje?
João Estrella - Tô com um segundo disco pra começar a gravar agora. Tô com as músicas todas prontas. Como em 2008, eu vou produzir junto com Cadu Menezes, que é um baterista que toca com Léo Jaime, já tocou com Lobão, Kid Abelha. Bastante premiado aí. Já tem um disco de platina e tudo. Ele vai produzir e eu vou estar junto, mas ele é o produtor. Ele produziu três faixas do primeiro e esse ele vai produzir inteiro. O disco tá pronto, as músicas estão prontas. Agora falta entrar no estúdio pra gravar.
DIARINHO - O João Estrella ganha grana hoje?
João Estrella - Ganha. É uma ralação danada. Não é igual àquela festa não, mas ganha. O custo de vida hoje é absurdo, né!? Meu mês fecha em oito mil reais, nove mil. Eu não tinha aquele gasto todo, mas não tá faltando luz, não. Tenho um filho, né ,cara, tenho que pagar as contas.
RAIO-X
Nome: João Guilherme Fiuza Rodrigues Estrella
Idade: 50 anos
Naturalidade: Rio de Janeiro/RJ
Estado Civil: Casado
Filhos: Um filho de três anos
Formação: Superior incompleto em comunicação e direito
Carreira Profissional: Produtor executivo de show, cantor, compositor, palestrante, vendedor de carros, ex-traficante