Na carona da moto em que o levaria ao serviço, um pouco antes das 8h da manhã, o jovem Divanei Petraski de Oliveira olhou pra trás e mandou um beijo pra sua mãe, que o cuidava da varanda de casa. Dos lábios do rapaz, saiu a frase: Eu te amo. Essa é a última lembrança que Cleusa Aparecida Pilarski de Oliveira, 46 anos, tem do filho que foi morto com um tiro nas costas dado por um policial militar de Itajaí. O crime, ocorrido no dia 19 de setembro de 2006, matou um trabalhador que tinha 21 anos, destruiu a vida da família que perdeu o único filho e, cinco anos depois, não existe nenhuma previsão de quando o acusado vai ser julgado.
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Dona Cleusa lembra bem daquela manhã, quando o filho saiu de casa, na rua Satiro Loureiro, no São Vicente, pra ir trabalhar e acabou sendo morto na rua Almirante Barroso, no centro, confundido com ...
Dona Cleusa lembra bem daquela manhã, quando o filho saiu de casa, na rua Satiro Loureiro, no São Vicente, pra ir trabalhar e acabou sendo morto na rua Almirante Barroso, no centro, confundido com um bandido. Amargurada com tudo que passou, Cleusa diz que não dorme direito desde o dia do crime. A minha vida terminou naquele dia, quando mataram meu filho trabalhador. Eu não queria ter passado por tudo isso. Não sei como ainda vivo sem o Divanei, desabafa, tomada pelas lágrimas.
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O pai de Divanei, Dirceu de Oliveira, enfrenta problemas emocionais desde a morte do filho, uma ferida que nunca vai cicatrizar e acompanha o casal diariamente. Perguntada se acredita em justiça pro caso, Cleusa demonstra desesperança, principalmente depois da absolvição do soldado que matou Rafael, outro jovem morto pela PM por engano, em julgamento que rolou em 31 de agosto. Eu não acredito na justiça dos homens. Só acredito na justiça divina, diz, sem titubear.
O tiro que matou Divanei saiu da arma calibre 38 do sargento Ademar Torcatto de Oliveira. Cleusa afirma não ter raiva do policial, mas queria entender como alguém leva um tiro por engano, no comecinho da manhã. Ter um filho morto assim é algo que tira o chão da pessoa, define.
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Torcatto foi denunciado pela promotora Cristina da Motta por homicídio doloso, aquele em que há intenção de matar. As alegações da promotora foram encaminhadas pro gabinete da juíza Sônia Moroso, na semana passada. Mas a magistrada ainda não teve tempo de analisar a denúncia. A juíza é quem definirá se Torquatto irá a júri popular ou será denunciado por homicídio culposo, aquele sem intenção de matar e que não precisa passar por apreciação dos jurados.
PM chegou a dizer que o rapaz tava armado e tinha passagens pela polícia
No dia 19 de setembro de 2006, uma terça-feira, Divanei de Oliveira, então com 21 anos, não foi trabalhar com a sua moto porque ela tava estragada. Pediu carona pro amigo Jessé Rafael de Souza, que tinha a Biz, placa MEF 9692 (Itajaí). Atrasados pro trampo, os jovens chamaram a atenção de uma viatura da PM pela velocidade em que andavam. Na abordagem, que rolou na rua Almirante Barroso, no centro, Divanei foi baleado nas costas pelo sargento Ademar Torcatto de Oliveira, que estava acompanhado do soldado Jackson Roberto da Luz. O jovem foi levado pro hospital Marieta, mas não resistiu ao ferimento e morreu horas depois.
Divanei trabalhava na loja Napiso. Jessé trampava na Cugnier Logística. Na época do crime, a versão dos PMs era de que o garoto estava armado, o que foi negado por Jessé e por comerciantes que presenciaram o crime. O Divanei nunca teve arma. Ele era caseiro e nem gostava de sair muito. Como meu filho iria estar armado, se tava indo trabalhar?, questiona a mãe.
Outra contradição dos fardados foi a de que Divanei já tinha passagem pela polícia. Isso nunca foi confirmado, pois no saite do Tribunal de Justiça, na época, não havia nenhuma ocorrência no nome do garoto. Além de haver depoimentos de seu ex-patrão e de sua mãe, dando conta que Divanei nunca se envolveu em tretas policiais. É triste imaginar que se passaram cinco anos e nada aconteceu com quem matou o meu filho, desabafa Cleuza.
Sargento e seu advogado fazem boca de siri
O sargento Torcatto foi afastado das ruas. Hoje trampa no setor administrativo da corporação. Ontem, estava no centro de Operações da polícia Militar (Copom), atendendo as chamadas do povão. O DIARINHO ligou pro quartel no meio da tarde pra conversar com ele. O telefonema não chegou até o sargento. A reportagem deixou um telefone pra contato, mas o PM não retornou a ligação.
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O advogado Manoel Roberto da Silva, que defende o sargento Torcatto, não quis comentar o processo. Disse apenas que o caso tem características muito diferentes daquelas que levaram à morte o estudante Rafael Mendonça, então com 20 anos, também morto por engano pela PM em 28 de novembro de 2003. No caso de Rafael, um dos principais acusados, o soldado Hermelino Noé Caetano, foi absolvido. O dotô Manoel, que já foi promotor de Justiça, também era advogado de Noé.