Itajaí

O dia em que SC encarou a ditadura militar

32 anos depois, personagens da Novembrada revivem a data histórica nas páginas do DIARINHO

A ditadura militar calava. Ao final da década de 1970, ainda sob a fama dos “Anos de Chumbo”, a possibilidade de um presidente ser rechaçado em público beirava o insano. Com a certeza de receber sorrisos, mesmo que descontentes, João Figueiredo veio para Santa Catarina. O roteiro do general que comandava o país incluía visitas e homenagens. Ao lado do governador Jorge Bornhausen, o presidente começaria a saga por Florianópolis na busca por aplausos. Entretanto, não foi o que recebeu naquele 30 de novembro de 1979.

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O manifesto organizado por um grupo de estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) se somou ao descontentamento do povo. Todos estavam fartos, cansados da liberdade de expressão ...

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O manifesto organizado por um grupo de estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) se somou ao descontentamento do povo. Todos estavam fartos, cansados da liberdade de expressão estrangulada e dos preços que aumentavam descontroladamente. A Novembrada libertou o grito de “basta” entalado na garganta dos milhões de brasileiros descontentes com o regime militar.

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Jorge Bornhausen e Esperidião Amin (dois políticos da Arena, na época) recepcionaram o presi­dente. Há quem atribua à dupla a tentativa de maquiar o clima hos­til que predominava na cidade. No entanto, Amin desmente esta tese. Ao contrário, garante que alertou para a possibilidade de manifesta­ções. “Em função das circunstân­cias sociais, econômicas – inflação e carestia –, previ que iria aconte­cer algum protesto, julgando que o clima festivo que se pretendia dar à visita estava dissociado da realida­de”, comenta.

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Em 1979, Amin era deputado federal e secretário estadual dos Transportes e Obras. Ele diz que, na noite de véspera, durante um jantar com Marco Antônio Kram­mer, secretário de imprensa da Presidência da República, alertou sobre a possibilidade do manifes­to e que jornalistas presentes no evento foram testemunhas disso. O alerta de Amin pode ter diminuído o fator surpresa do ato. Mas a par­ticipação maciça dos jovens deve ter deixado descrente parte do staff do governo. “As reações foram di­versas. Prefiro não comentar a dos outros. A minha foi de espanto pe­las dimensões e prolongamentos do episódio”, recorda.

Político experiente, Amin – que hoje é deputado federal pelo PP – já enxerga o evento de forma mais amadurecida. “Minhas impressões sobre a Novembrada têm evoluído ao longo do tempo. Na época, com 31 anos de idade, mesmo já tendo experiência política e administra­tiva, o episódio tinha um cunho romântico. Hoje percebo que fez parte do ciclo histórico que vive­mos”, salienta. Além disso, Amin assegura que não houve qualquer precedente no país. “Foi o primeiro grande protesto popular que o Bra­sil daqueles anos testemunhou. No Brasil inteiro espalharam-se avisos do tipo ‘catarina que é macho!’, inclusive em parachoques de cami­nhão”, lembra o deputado.

Em entrevista a uma emissora de televisão local logo após o protesto, Amin afirmou que o ato, além, de previsível, era legítimo. Ele conta que, pela posição que tinha no go­verno, a fala caiu feito uma bomba. “Tenho muito orgulho de ter man­tido minha postura. Coloquei o cargo de secretário à disposição do governador e fui indicado para ser testemunha de defesa dos estudantes que foram detidos, na época. Meu depoimento na Auditoria Militar, em Curiti­ba, os ajudou decisivamente, especialmente porque contex­tualizei o protesto referindo a situação política, econômica e social a uma decisão autoritá­ria do governo federal”, relata. A tal decisão autoritária foi colocar uma placa de homena­gem a Floriano Peixoto na pra­ça 15 de Novembro, mesmo sabendo o quanto é polêmica (ainda hoje!) a troca do nome Desterro por Florianópolis – para reverenciar o “Marechal de Ferro”.

“Foi o primeiro grande protesto popular que o Brasil daqueles anos testemunhou. No Brasil inteiro espalharam-se avisos do tipo ‘catarina que é macho!’, inclusive em parachoques de caminhão”

Esperidião Amin

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Organizador do manifesto recebe voz de prisão por chamar prefeito da capital de corrupto

Em 1979, Amilton Alexandre estu­dava Administração na UFSC. Hoje é jornalista, o popular Mosquito. Mas se a área de atuação não é a mesma de 32 anos atrás, o engajamento em questões políticas não mudou. Ele foi um dos organizadores da Novembrada. Amil­ton foi o responsável pela confecção de panfletos e faixas. “Sabíamos que já ti­nham ocorrido algumas manifestações contra o aumento da gasolina. Então resolvemos protestar também pedindo eleições e contra a situação de carestia da época. Era um movimento do tipo reivindicatório”, destaca.

Amilton foi um dos sete estudantes enquadrados e julgados pela Lei de Se­gurança Nacional. Ele foi preso no dia 30 de novembro. A prisão gerou uma série de outros manifestos nos dias seguintes. “Ficamos 10 dias presos. Recordo do primeiro dia, ainda na car­ceragem da polícia Federal, no bairro Estreito. Foram mais de 10 horas tran­cado num cubículo, incomunicável”, lembra.

Na visão do jornalista, hoje prevale­ce o individualismo – o que minimiza as chances de qualquer manifestação semelhante à que foi a Novembrada. “Os movimentos políticos migraram para as redes sociais. Tem muito estudante preocupado com o meio ambiente e com a desigualdade so­cial. Mas falta unidade e lideranças que assumam a dianteira dos mo­vimentos estudantis”, avalia. Três décadas depois do protesto, o cená­rio político mudou. “Hoje vivemos num regime democrático. Apesar de algumas distorções, existe liberdade política”, conclui.

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História repetida

Aos 52 anos, Amilton não perdeu o ímpeto. Na última sexta-feira, ele teve a prisão decretada. Só não foi para a cadeia no mesmo instan­te porque a prisão foi relaxada na mesma hora, por ser considerado um crime de efeito menor. O crime: chamar o prefeito de Florianópolis, Dário Berger (PMDB), de corrupto. “Foi só um circo que os caras mon­taram. O promotor perguntou se eu confirmava que o Dário era corrupto e eu disse que sim. Aí o promotor pediu a prisão em flagrante. Como o processo em que ele foi condenado não está transitado em julgado, eles não consideram que ele seja cor­rupto. O que é um absurdo”, opina. Mesmo assim, Amilton não preten­de se calar.

Adolescentes de Itajaí acabaram presos durante as manifestações na capital

De curiosos, quatro estudantes de 17 anos foram parar num cam­burão. E depois, nos autos da his­tória catarinense. Os adolescentes tinham deixado Itajaí fazia duas semanas. Eles se hospedaram numa pensão no centro de Floria­nópolis para ficar no período em que fariam um cursinho pré-ves­tibular. Todos queriam entrar na UFSC. Aristides Umbelino da Cos­ta Júnior era um deles. “Naquele dia 30 fomos para a aula, mas nos dispensaram por causa da vinda do presidente. Então fui com um amigo lá ver. E foi isso, só olha­mos o tumulto”, conta.

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Mas com a prisão dos sete estu­dantes – o grupo em que Amilton Alexandre estava incluído e do qual Esperidião Amin foi teste­munha de defesa – aconteceram protestos depois daquele último dia de novembro. Foi num destes manifestos posteriores que Aristi­des e os outros três estudantes de Itajaí foram parar numa saleta do DOPS – o temido Departamento de Ordem Política e Social. Hoje com 49 anos, ele ainda recorda os detalhes, desde a prisão até a li­berdade horas depois.

“Vimos na televisão que estava acontecendo mais um protesto. Já era noite, mesmo assim fomos dar uma olhada, porque adolescente não tem medo. Quando chega­mos, a praça já estava cercada. Tinha faixas caídas na escadaria da igreja matriz. Conseguimos uma brecha e passamos pela ca­valaria. Queríamos ler o que es­tava escrito nas faixas largadas na escadaria”, conta. Assim que os quatro encostaram nas faixas, alguém gritou: “eles vão começar de novo!”. Não foi preciso gritar duas vezes. Jogaram os estudan­tes no camburão. A curiosidade custou caro.

Aristides lembra que a madru­gada que passaram no DOPS foi terrível. “Um policial pergun­tou quantos anos nós tínhamos. Depois disse que a gente tinha sorte por só termos 17 anos. Nós estávamos tremendo. Lá a gente ouvia gritos, era horrível”, ressal­ta. Ele disse que foi separado dos amigos. Cada um teria de explicar a situação, mas em depoimentos individuais. “Lembro da fatídica entrevista com o delegado. Uma sala escura, com luz na cabeça. Foi uma pressão psicológica ter­rível. Ele ficou cinco minutos em silêncio, apenas olhando pra mi­nha identidade, o que aumentava a pressão”. Antes mesmo de ouvir o ríspido “o que tu tava fazendo lá?”, Aristides já tremia.

“Apareceu o deputado Murilo Canto e outro do MDB pra de­fender a gente. Eles serviram de advogados para nós, que estáva­mos perdidos em Florianópolis. Depois de toda a pressão, nos soltaram durante a madruga­da”, relata. Aristides conta que, no dia seguinte, o nome deles estava estampado num jornal es­tadual. Em Itajaí, a notícia era repetida o tempo todo na rádio. “Quando voltei para Itajaí, no fim de semana, achei que iam me xingar. No final, o pessoal me parava na rua para parabeni­zar”, relembra.

Passado aquele período, Aris­tides acabou o cursinho e con­seguiu entrar para a mesma universidade daqueles que orga­nizaram os protestos. Ele se for­mou em Computação, chegou a trabalhar em departamentos do governo estadual – pondo fim à desconfiança de que seria perse­guido – e hoje é empresário em Itajaí. Da Novembrada ficaram as memórias. Mesmo que ele es­queça, o nome não será apagado da história recente: ele foi um dos milhares de jovens de Santa Catarina que romperam o silên­cio durante o regime militar.




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