Itajaí

“Se cada um fizer a sua parte, a gente vai conseguir preservar a Terra como queremos pros nossos filhos”

Marina Bandeira Klink é uma daquelas pessoas que conseguem estar sempre bem, seja desfilando de salto alto durante um evento de multinacionais, organizado por ela mesmo na selva de pedras, seja num acampamento improvisado no meio do mato ou no balanço de um barco em alto mar. Pra ela não tem tempo ruim, e não se importa se durante a entrevista começa a chover bem onde ela está sentada. Trabalhando há mais de 30 anos com organização de eventos, a relações públicas que queria ser bióloga e que ama fotografia consegue conciliar vida profissional, familiar e todos os sonhos de uma existência: trabalhar pra ganhar dinheiro, pra poder viajar e tirar fotografias de lugares espetaculares, como a Antártica. E já foi 13 vezes pra lá. Na primeira delas, fez amizade até com uma baleia. E é essa “amiga” que abre o livro de fotografias “Antártica – A Última Fronteira” (editora Brasileira). Marina passou por Balneário Camboriú no mês passado pra lançar o livro por aqui e conversou com os jornalistas James Dadam e Victor Miranda. Os cliques são de Lucas Correia.

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Eu comecei a levar duas vidas, aquela que me sustenta, que é organizar festas, e aquela que me move, que é observar a natureza

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A esposa ou marido podem ser a âncora ou o motor. E eu quero ser uma esposa motor, não uma âncora

A Antártica me provoca um chamamento, como se ela precisasse de alguém, que de alguma maneira lutasse pela preservação Dela

RAIO X

Nome: Marina Bandeira Klink

Naturalidade: São Paulo (SP)

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Idade: 48

Estado Civil: casada

Filhos: três

Formação: queria ser bióloga, mas acabou optando por cursar Relações Públicas

Trajetória profissional: atua há 30 anos organizando festas e eventos e prestando consultoria. Na área da fotografia, iniciou ainda adolescente, fotografando competições de vela e voo livre. Colaborou com veículos como Folha de São Paulo e Estadão, os quais publicavam suas fotos.

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DIARINHO – Na maioria das vezes, a gente ouvia falar na esposa do navegador Amyr Klink. Atualmente, aos olhos do mundo, você está se revelando como Marina, a fotógrafa. Por que só agora você está deixando os bastidores pra atuar na linha de frente?

Marina Klink: Porque eu sofri uma provocação do meu marido. Durante uma viagem ele ordenou que eu guardasse a câmera fotográfica porque não aguentava mais me ver fotografando compulsivamente sem finalidade, sem objetivo nenhum. Eu tomei aquilo como um desafio. O que eu deveria fazer com as fotografias que eu tirava, algum projeto, até pra mostrar que as fotografias que eu tirava serviam pra alguma coisa? Aí eu pensei no projeto de um livro e consegui a editora e o patrocinador. Não tive pretensão de ser uma fotógrafa enquanto tirava as fotografias, eu simplesmente queria perpetuar alguns instantes. Eu tinha a oportunidade de estar num meio ambiente tão especial, e eu sei a dificuldade que a gente tem pra chegar lá, e sei que poucas pessoas têm o mesmo privilégio que eu de tá vivendo aquele instante. Eu usei a fotografia como uma forma de congelar os instantes.

DIARINHO – Então, quando você estava lá na Antártica, você ainda não tinha ideia de produzir um livro?

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Marina: Eu não tive a pretensão de fazer um livro, enquanto eu fotografava. Eu tinha pretensão, a intenção de guardar pra mim. Mas quando ele me provocou, você sabe que às vezes o marido provoca e não é por mal, é pra gente tomar alguma decisão. E foi nesse instante que, ofendida, já que as minhas fotografias não serviam pra nada, achei que deveria fazer elas terem função. Comecei a pensar e entendi que seria um egoísmo meu guardar essas imagens dentro de uma gaveta em casa, num HD [hard disk]. Aí eu falei: “por que não mostrar pras pessoas?”. Aí a primeira dificuldade é você chegar nesses lugares. A segunda é buscar ângulos interessantes e composições criativas. E a busca pela perfeição é insana, porque você nunca se satisfaz com a fotografia. Olhando hoje, eu imagino que poderia ter tirado fotos ainda melhores. Mas além de escalar montanhas e se arriscar com os avalanches, correr risco com mau tempo, subir no mastro pra ter uma foto do alto, no mau tempo e no vento e com os dedos quase congelando, independentemente disso, eu acho que sempre a próxima fotografia pode ser melhor. A próxima dificuldade é quando você percebe que tem uma seleção, fica limitado ao número de páginas. Eu tinha 200 páginas pra preencher com fotografias e texto. Entendi que não poderia misturar texto com fotografia, porque não era um livro de texto, era um livro de imagem. E se a foto for boa mesmo ela não tem que ter texto que explique, ela tem que ser autoexplicativa. Porque se ela não falar por si, então eu tenho que ir lá fazer outra vez essa fotografia. A fotografia tem que se bastar pela imagem. Você tem que sentir, e o meu interesse é fazer as pessoas viajarem com a gente. A fotografia tem que se bastar, senão não é boa.

DIARINHO – Como foi o processo de seleção de fotos e edição do livro?

Marina: Eu tava limitada ao número de páginas. Eu ampliei 400 e tantas fotos e comecei a ter que tirar fotos. Eu montei um grande varal de 400 imagens e olhava assim pra elas terem uma sequência. Eu digo que é quase como um batimento cardíaco. Tem que ter algumas maiores, outras menores, aí voltam umas maiores e outras menores. Isso se chama técnica do varal. Você pendura todas no varal, então a tua casa fica parecendo uma barraca de festa junina. E você vai olhando pra elas e elas têm que ir contando uma história. Não é um caderno de paisagem, um caderno de animais, um caderno de detalhes, mas ela tem que ser uma viagem por uma sequência rítmica. Às vezes ela não é lógica, mas ela tem que ser uma sequência de imagem que transmita uma viagem sem ser necessariamente uma sequência cronológica ou caderno de conteúdo. Então tem fotos grandes. O chegar é explícito. As imagens do chegar na Antártica, eu coloquei numa sequência. E elas são grandes. O mar! As fotos tinham que ser grandes porque o mar é grande, a travessia é grande, a viagem é grande, então a pessoa que folheia o livro entende a grandeza logo de início, assim vem do mar, mar, mar, e aí o chegar. Chegou! E aí começam umas paisagens grandes, um pouco menores, e aí alguns fragmentos de imagem da paisagem. Tem o animal grande, uma ave, que ave também é grande, e umas coisas um pouco menores, uns detalhes menores, o movimento do barco que é grande e aí vai montando uma sequência numa frequência quase cardíaca. E esse era o objetivo. Só que quando eu terminei tinha só 180 fotografias pra pôr e ainda sobravam mais 100 e eu não podia enxertá-las porque senão eu teria que fazer as fotos muito pequenas, e eu queria que elas fossem grandes. Mas não podiam ser todas grandes, porque senão a pessoa que folheia também perde o interesse, tem que ter um ritmo e uma vontade. Você tem que despertar vontade na pessoa de continuar folheando. Eu tentei usar imagens onde não houvesse clichês. Nenhuma fotografia do livro é óbvia. Eu procurei não colocar nada óbvio, nada é o clichê, nada é o elementar de quem vai uma vez. É um livro não oportunista. Não é um guia de viagens e não é um livro de uma viajante de uma viagem só. É um livro bastante maduro de quem já foi pra lá 13 vezes e sabe enxergar o que realmente importa. Eu procurei não usar nada que fosse comum. Então quem folheia o livro e já foi se surpreende e quem não foi também se impressiona, porque não é um livro cartão postal, não é um livro daquilo que você olha no Google o que é a Antártica. Eu quero fazer coisas diferentes. O viés diferente. É um livro que transmite exatamente o que é a Antártica. É um lugar improvável e inabitado. E é isso que eu procurei trazer pras pessoas que nunca pensaram sobre um continente tão grande, tão vivo e tão remoto ao mesmo tempo.

DIARINHO – Você tem uma empresa que trabalha com consultoria e produção de eventos. Como você concilia a vida de empresária com as expedições que faz com a família?

Marina: Nem eu sei te responder [risos]. Então, eu tive assim um momento que mudou a minha vida, que é a primeira fotografia do livro, que tá na minha apresentação no texto. E na minha apresentação eu falo que, como profissional de relações públicas bem-sucedida, 30 anos organizando festas, dando consultoria e carregando no currículo uma bagagem, de clientes maravilhosos, um dia eu conheci o Amyr, me apaixonei por ele, por ele ser quem era, do jeito que ele é. Me encantei pela determinação dele, por acreditar e ir além... Com determinação você vai além e supera até aquilo que as pessoas dizem que vai ser impossível superar. E foi por ele que eu me apaixonei e quando o conheci ele tinha recém chegado da travessia a remo, em 84. Em 90 ele fez uma invernagem solitária na Antártica e voltou dois anos depois pro Brasil, e eu fiquei intrigada como uma pessoa pode ficar tanto tempo no mesmo lugar. Ele ficou preso na Antártica oito meses. Eu falei: “nossa, deve ser um lugar muito especial, porque senão ele não teria passado quase um ano lá sozinho”. Eu fiquei curiosa pra conhecer o que tinha de tão encantador num lugar como esse. Aí eu descobri que havia um navio russo que a cada temporada ia pra lá e levava passageiros. Consegui viajar nesse navio em 95. Ele foi em 90, voltou em 92. Em 94 eu soube que esse navio existia. Em 95 eu tava embarcada nele. O Amyr não foi. Eu fui e nessa viagem a gente teve a grande fortuna de conseguir cruzar o círculo polar antártico, que é uma meta, mas não é uma garantia porque depende muito das condições de gelo e meteorologia. E nessa viagem nós fomos até o extremo sul da península, que é como um objetivo olímpico. Você alcançar a baía Margarida é o objetivo de qualquer viagem na Antártica, mas poucas vezes você tem a sorte de conseguir. Quando nós chegamos na baía Margarida, foi uma festa. Desembarcamos em terra só pra dizer que a gente chegou, desembarcou, e quando a gente foi voltar de bote pro navio, eu ouvi um som estranho perto de mim. Eu olhei tinha uma baleia jubarte, com o rosto pra fora, mas já tava num spyhop [movimento de subida em linha vertical, no qual a baleia fica com a cabeça e parte do corpo pra fora da água, pra dar um bizu no que tá rolando na superfície] assim alto, do meu lado. Começaram a rir e falaram que ela tinha vindo falar comigo. Eu fiquei tão impressionada com aquilo... Era um animal tão grande, era uma baleia de 18 metros. Olhei e falei: “nossa, não é que ela tá aqui mesmo?”. Aí eu pensei, bom, morder ela não vai. Eu consegui tocá-la, e ela lentamente submergiu e começou a rodear o barco onde eu estava. Aí falaram assim: “ah, ela quer mais, ela quer ir embora com você pro Brasil”. Aí eu falei: “parece que ela tá vindo por minha causa”. E aí eu tirei uma fotografia dela mais longe, o navio e outro bote com outros passageiros, e é essa foto que abre o meu livro. Ela voltou e veio tão perto e eu tirei uma fotografia, só que ela tava tão próxima que é uma cara enorme só. Era perto demais. Eu tirei mais uma dela, mais longe, o rabo pra fora, porque todo mundo quer ver o rabo da baleia e essa era uma jubarte. Só que na época era filme negativo, essa famosa chapa 37, isso é, não tinha mais negativo. Aí você fala não, mais uma, quem sabe, porque, com negativo, às vezes dava assim mais uma puxadinha, vinha mais uma, dependendo como você tinha enrolado o filme. E era 37, não tinha mais. Eu digo até hoje, é a fotografia que eu nunca tirei. Foi na hora que ela mostrou a cauda, porque com a cauda você tem a identidade dela, você tem a digital. Com a cauda dela daria pra reconhecer o indivíduo, mas não tinha mais filme e eu não me lembro como era. Eu tava muito emocionada porque eu nunca tinha tido um contato. E aquele momento foi o que transformou minha vida. Eu passei a observar mais as coisas e aquela alma de bióloga é uma coisa latente, porque a tua vocação tá dentro de você. Por mais que eu tenha facilidade em organizar festas, organizar eventos, dar consultorias, tem uma coisa que grita dentro de você, e o contato com essa baleia era quase um chamamento. Aí, de alguma maneira eu comecei a levar duas vidas, aquela que me sustenta, que é organizar festas, e aquela que me move, que é observar a natureza. E eu continuei investindo nessa vida de trabalhar para ganhar dinheiro, para poder viajar, para tirar fotografia. E no caso, fotografia não é retrato de pessoas, ou arquitetura, é natureza... Entrar em lugares onde poucas pessoas vão, melhor até onde as pessoas nunca foram. E é isso que eu procuro fazer, ir pra lugares que são remotos, até porque esses lugares me fazem viver.

DIARINHO – Como foi o teu ingresso na fotografia? Quem te inspirou?

Marina: Então, na época, anos 60, poucas pessoas tinham equipamento fotográfico. Eram raríssimos os casos de alguém que tinha um equipamento. E tinham equipamentos muito bons, como a Leica [pronuncia-se Laica], que é perpétua. Meu pai era leiquista. Ele sempre gostou e quando ele era garoto já tinha Leica. Ele dava aulas particulares de física e matemática pra ter dinheiro pra investir em fotografia. Na época eram poucos os laboratórios fotográficos. Quem gostava de fotografia tinha que fazer suas próprias revelações e ampliações. Ele criou um ampliador e transformou o banheiro de casa num laboratório. Eu brinco que a gente tomava banho sempre que ele não tava ampliando. A gente não podia entrar e tava cheio de coisas lá dentro, químicas na banheira e tudo. Então, um ambiente da fotografia sempre ventilou dentro da minha casa, e quando eu fiz meus 10, 11 anos, eu finalmente ganhei uma câmera negativo 110, que chamava Xereta. Eu me senti muito feliz porque tinha autonomia de eu mesma tirar as minhas próprias fotografias. Eu só ficava limitada pelo custo que eram as ampliações. Eu ia no laboratório Kurt fazer as ampliações. Era bem cara, era a mesada inteira em ampliação. Como era adolescente, eu já velejava, eu passei a levar a câmera dentro do barco, num saquinho plástico, também improvisado, e fotografava regatas. Parava tudo, nem que eu perdesse a classificação, mas eu fazia. Eu perdia a regata, mas não perdia a oportunidade de ter uma foto. Mais tarde, depois, tinha uns 18 anos, comecei a voar de asa-delta, a mesma coisa. Eu perdia o voo, mas não perdia a foto. Eu voava, mas parava e fazia uma foto boa antes de decolar, às vezes passava a hora de decolar porque a foto era muito boa. Enfim, a fotografia sempre teve perto de mim. É que, ao contrário dos fotógrafos profissionais, eu nunca vivi da fotografia, eu sempre vivi para fotografar. Eu vivi para a fotografia e não o contrário.

DIARINHO – Pra você a fotografia é mais técnica ou ela é mais instintiva? Agora, com a era digital, todo mundo tem acesso a uma câmera...

Marina: Sabe que é demais isso, até o Instagram. Hoje em dia, com as câmeras de iPhone, a qualidade das imagens tá tão boa. Eu acho ótimo. Ao contrário dos anos 60, hoje todo mundo é fotógrafo, qualquer pessoa. E aí você descobre que, na verdade, na essência, todo mundo é fotógrafo, porque todo mundo quer, de alguma maneira, congelar um instante. Como todo mundo tem um equipamento bom, todo mundo zerou, agora tá todo mundo igual. Agora o que vale é o olhar, o recorte, as linhas, a criatividade, a composição. O fotógrafo não vai mais ganhar porque ele tem o equipamento bom, ele vai ser o melhor porque ele faz a melhor composição. Então, na hora de chamar um fotógrafo pra fazer uma pauta, você vai querer o fotógrafo que tem o melhor olhar, porque tirar fotografia hoje em dia todo mundo tira. O que é ótimo. Você estimula todos a desenvolverem o olhar, a amadurecerem o olhar e a criatividade, aprender a compor.

DIARINHO – Você trabalha com eventos. Já se envolveu com a fotografia nessa área?

Marina: Eu sou bem exigente com fotografia. Quando você organiza você não consegue fotografar. Quando eu contrato alguém, é difícil eu contratar qualquer pessoa pra registrar um evento. De todo o evento o que vai ficar é a imagem. Então, se você não confia no profissional que você tá levando, você fala assim, nossa, não valeu a pena. É o que fica, o residual do evento é a documentação de imagem, é o vídeo e a fotografia. Agora, o meu foco é a fotografia de natureza, porque não é todo mundo que observa. A gente tá conversando aqui e eu já vi várias aves passando. Eu fico olhando as manifestações da natureza, mas nem todo mundo para pra olhar. Eu faço birdwatching [observação de pássaros], eu viajo pra ver passarinho. Eu pago caro pra ver baleia, pouca gente entende. Fala: “nossa, tantos lugares legais, Nova Iorque, Paris, Londres”. Eu falo “não, eu vou pra Abrolhos, num lugar que não tem nem hotel, durmo balançando num barco com conforto bem limitado, mas é o que me faz feliz”. Eu gasto minhas férias só pra ver as baleias, entrar na floresta, levar picada. Tem umas amigas que brincam comigo que eu gosto de ir pra lugares onde tem bichos que nadam, bichos que voam e bichos que picam. Normalmente onde tem bichos que picam são os melhores destinos. E eu não gosto muito de pacote pronto. Eu prefiro criar meu próprio pacote. Eu acho que o melhor investimento é você ir pra um lugar que não tem muita estrutura, que tem instalações ok, e você investe num bom guia. Quando você vai pra um lugar distante, você tem que contratar uma pessoa nativa pra te conduzir aonde são os lugares mais interessantes, o que tem de mais bacana naquela região.

DIARINHO – Apesar do seu atual foco ser natureza, você começou fotografando esportes...

Marina: É, esportes. Sempre aberto. Nunca gostei de fazer esporte de quadra. Eu nem gosto de esporte em lugar fechado ou dentro de uma área restrita. Eu gosto de aberto: asa delta, windsurfe, voo livre, vela. [E você tem uma ligação muito forte com o mar. Isso de alguma forma levou você a topar de cara com o Amyr e construir essa história que vocês têm há tantos anos?] Não, com o Amyr é o desafio. Ele sempre me instigou pelo desafio. O mar é coincidência. Podia ser mato. Adoro mato também. Eu gosto de lugar que tem bicho. Os bichos sabem os melhores lugares pra viver. Eu tento ir atrás de onde tem mais bicho possível. O Amyr me atraiu pela determinação. Foi coincidência ser o mar, porque, se fosse o pantanal, que eu amo, não tem mar, né. Foi mar um dia, mas não é mar. Eu gosto igual, me sinto feliz igual. Mas é outra época do ano. Se perguntasse hoje o lugar que eu gostaria de ir, diria depende. Pra uma experiência da minha vida, eu quero ir pra Noruega, na fronteira com a Finlândia, fazer um safári com huskies. Esse é meu sonho. Fazer um safári de trenó, na neve. Porque lá tem uma planície bem ampla e você consegue ser puxada por um trenó de cachorros, tipo Papai Noel, só que com cachorro. E você vai indo, indo indo, uma viagem de quatro dias. Você só para pra acampar em barraca, na neve. Esse é o grande barato. É a viagem dos meus sonhos.

DIARINHO – Como foi que você conheceu o Amyr?

Marina: Ah, foi super fácil. Ele fez aquela viagem da Namíbia pra Bahia a remo, a viagem solitária de 100 dias. E um cliente meu, da Johnson & Johnson, perguntou se eu sabia daquele maluco que atravessou o Atlântico remando. Ele falou de levarmos ele para o nosso evento. Daí eu peguei um catálogo telefônico. Tinha Klink Amyr. Eu liguei e ele atendeu. Foi mais fácil do que eu pensava. Não tinha Google, era outra época. E aí eu falei se ele podia ir pro Rio de Janeiro, num evento pra Johnson & Johnson. Ele topou e deu uma palestra lá, logo depois do almoço. Palestra depois do almoço nenhum palestrante merece. E entrar num palco meia luz depois do almoço, sem slide, só fala, o cara precisa ser um bom contador de histórias. Eu pensei que fosse todo mundo dormir e que seria um fiasco. Ele falava devagarzinho, baixinho. Eu falei: “Nossa, lascou! Vai ser o fracasso do evento”. E quando terminou a palestra, todos os vendedores da Johnson & Johnson, eram umas 300 pessoas, levantaram e aplaudiram de pé. E quando eu dei por mim, eu tava chorando. Eu chorava de ouvir ele contar os relatos da viagem dele, da experiência de vida. E eu acho que naquele momento eu me apaixonei. Que homem é esse? Tão comportadinho, calminho, fala baixo e tudo. Eu vi o quão grande ele era por dentro. E aí eu me encantei. E eu achei muito fácil vender o Amyr, porque ele não exigia nada. Ele era um palestrante que fazia sucesso, emplacava qualquer plateia e não pedia nada. Pedia um copo d’água e um microfone, só. Depois que ele fez a invernagem solitária na Antártica, eu fiquei interessada em entender o que era tão legal que ele tinha ido ver lá. Foi aí que eu fui a primeira vez. E eu gostei. Consegui voltar mais 12 vezes e entendi o que tinha de tão bacana. A Antártica me provoca um chamamento, como se ela precisasse de alguém, que de alguma maneira lutasse pela preservação dela. Pra mim, a Antártica é uma missão. E eu tenho que trazer ela para as pessoas, até porque eu sei que a existência dela, a preservação dela como ela é, depende muito das atitudes que a gente tiver, de cada um de nós. Eu sei, nós somos poucos, somos grãozinhos de areia bem pequenos, mas uma grande praia é formada por grãozinhos de areia muito pequenos. E eu acho que, se cada um de nós fizer a sua parte, a gente vai conseguir preservar a terra como ela é, como a gente quer deixar para os nossos filhos.

DIARINHO – Num dos seus livros, fazendo uma analogia a um porto, o Amyr diz que você é a “Marina” mais segura. Em muitas das aventuras solitárias dele você estava em terra, dando apoio logístico, e cuidando das três filhas de vocês. Como que foi isso?

Marina: Num casal, a esposa ou marido podem ser a âncora ou o motor. E eu quero ser uma esposa motor, não uma âncora. Quando eu conheci o Amyr, ele já viajava. E foi por ele que eu me apaixonei. Nós estamos juntos há 20 anos e eu quero continuar casada com o Amyr tendo ele como aquela pessoa por quem eu me apaixonei. Eu gostei dele como ele era e nunca tentei modificar a forma de ele ser. Eu nunca pedi pra ele não ir. Ao contrário, se ele fala que quer viajar, eu pergunto o que ele precisa que eu faça pra ajudar. Então, se eu fosse uma mulher âncora, eu ia tá prendendo ele em casa. Eu estaria mutilando ele e não seria mais a pessoa por quem eu me apaixonei. E eu não quero transformar ninguém. Eu acho que ninguém tem o direito de transformar o outro. É mais fácil procurar outra pessoa pra se apaixonar do que querer modificar uma pessoa pra ela ser a pessoa ideal. E é por isso que ele vê em mim um porto seguro. Ele sabe que eu vou sempre potencializar os planos dele, os sonhos dele. E ele pode sair, viajar, dar a volta ao mundo, ficar um ano, dois, três, quantos for. Quando ele voltar, a casa vai estar inteira, as filhas vão estar na escola, passando de ano, porque eu vou me virar pra manter a casa como ela é, manter a vida como ele deixou.

DIARINHO – Mais tarde vocês decidiram embarcar juntos e levar as filhas numa aventura familiar...

Marina: Quando ele construiu o Parati 2, que era um barco maior, eu acompanhei essa construção por oito anos. O Amyr fez uma viagem pra Europa, colocou os mastros, voltou, daí fez uma viagem de circunavegação da Terra com os amigos e voltou. Quando chegou em casa, eu falei pra ele que aquilo não estava sendo muito justo. As meninas iam para a praia e viam o pai indo embora, depois iam na praia pra ver o pai voltar, isso repetidas vezes. Entre este partir e voltar existe um hiato que, pra elas, era um grande mistério. O que tem entre o papai ir e vir. Por que não levá-las pra entender o que era tão interessante que o pai faz entre o ir e vir? E daí ele me olhou impressionado e perguntou o que eu estava pensando. Em levar elas pra Antártica? Por que não? A menor já estava com cinco anos. As maiores [gêmeas]estavam com oito. Achei que estava na hora de elas verem também o que tinha de tão encantador e atraente lá. Daí ele topou. No verão seguinte nós fomos. No final da viagem, a gente tirou algumas lições: primeiro que, quando você tem um convívio intenso com a sua família, você começa a descobrir talentos. Por exemplo, descobrimos que uma das meninas adora cozinhar e cozinha bem. Ela acordava antes de todo mundo e já deixava o pão pronto, crescendo, fermentando, pra colocar no forno. E ela fazia porque queria, ninguém mandou. A outra dizia que ia lavar a louça porque os adultos não lavam perfeitamente e sempre que ela lavava ficava brilhando. Então ela tinha gosto pela ordem, por arrumar a casa. A outra gostava muito de escrever. Mas desde o começo eu dizia que elas podiam ir pra qualquer lugar do mundo, mas sempre teriam o compromisso de fazer os diários, o registro. Não importa se é texto, desenho ou só um rabisco. Mas quando elas fossem grandes e olhassem esses cadernos, teriam o registro de alguma coisa, pra não ser simplesmente uma viagem em que elas viram uma baleia. É uma viagem que é muito difícil de se fazer. Eu vou fazendo a coleção de diários de viagem, que são muitos. Só delas, da Antártica, são sete. E são esses diários que fazem com que elas se lembrem de todas as experiências vividas.

DIARINHO – Mas e a escola das meninas?

Marina: Uma dessas viagens ia pegar o calendário escolar. Eu fui na escola e expliquei pra diretora que elas podiam fazer trabalhos pra não perderem o conteúdo da escola. Durante as viagens elas faziam as lições como todos os alunos estavam fazendo. E quando elas voltaram, elas estavam mais adiantadas que todos os outros colegas de escola, porque nas viagens não tinha enrolação. Isso que a professora tinha dado matéria pro ano todo. Quando voltamos elas já tinham terminado o livro, enquanto a classe tava no capítulo dois. A professora então pediu pra elas fazerem tudo de novo junto com os colegas. Paralelamente, além das lições, cada uma delas preparou uma apresentação em sala de aula pra ensinar para os colegas o que elas tinham aprendido pra poder compensar as faltas, porque faltar mais de um mês de aula não é fácil. Essas apresentações foram replicadas dentro da escola e dentro de outras escolas.

DIARINHO – As meninas viraram palestrantes também?

Marina: Elas completam este ano mais de 100 apresentações. Elas são palestrantes-mirins. Vão em eventos abertos e em escolas falar sobre o que elas aprenderam na Antártica. Elas falam da importância do convívio com a família e o que elas aprendem com essa convivência. São meninas, e irmãs brigam. Mas como estávamos todos no mesmo barco, as brigas tinham que terminar, porque não temos pra onde ir. Então a Antártica é um cenário muito atraente pro jovem e elas começam a falar sobre a vida que encontram lá, os grandes cetáceos, as aves marinhas, os mamíferos aquáticos, explicando o comportamento de cada um. As crianças vão ficando encantadas e aí vem o objetivo maior dessa apresentação. Falam o que foi a caça da baleia, os países que continuam com a caça da baleia, falam das tartarugas, do plástico encontrado no mar, a carcaça de aves marinhas com o conteúdo abdominal inteiro de tampas de garrafas plásticas, o nosso papel nessa história toda. O lixo no mar, as ilhas de plástico no oceano, o crime que é a pesca do tubarão só pra extração da barbatana dorsal. As meninas explicam que o tubarão é o topo da cadeia alimentar nas águas tropicais, responsável pela saúde do mar. No entanto, o homem dizima os tubarões porque ele quer só a barbatana pra fazer uma sopa que não serve pra nada, simplesmente porque dizem que é afrodisíaco. É um desrespeito porque o tubarão é um grande sanitarista dos oceanos. Ele come animais que estão velhos, com deficiência. O homem só vê o objetivo financeiro. A barbatana de um tubarão branco vale 10 mil dólares e o corpo dele não vale nada. O homem pesca o tubarão, pega a barbatana que seca e desidrata no barco e joga o corpo no mar porque não vale nada. E essa pesca acontece inclusive no litoral brasileiro, mas pouco se fala. A apresentação que elas fazem, muito mais do que uma aula de biologia, levanta a bandeira da preservação.

DIARINHO – No livro “Mar sem fim”, do Amyr, tem os diários que você fez e estão no final da publicação. Quando é que a gente vai ver a Marina escritora?

MARINA: Eu gosto de escrever. Muito embora eu tenha facilidade pra escrever, eu achei que o momento era fotografia. Em cada imagem que eu tenho no livro eu posso fazer um outro livro. Eu considero que este livro é um livro de poesias, apresentadas através de fotografias. Eu quero que as minhas filhas façam mais um livro, porque eu acho que a gente já tem um bom material sobre o Pantanal. Já levei elas 12 vezes pra lá. O meu próximo projeto é a gente apresentar um livro para o jovem sobre o que é o Pantanal. O brasileiro não conhece, o brasileiro foca mais Miami. Passa por cima do Pantanal sem escala, o que é uma pena. Eu falo muito que a gente não ama aquilo que não conhece. Por isso eu procuro mostrar para as pessoas aquilo que elas deveriam conhecer. Então eu acho que o meu próximo projeto não seria um livro de texto meu, mas um trabalho das meninas, mostrando pra geração delas a importância da preservação do Pantanal, que é uma área sagrada pra mim.

DIARINHO – Em todas essas viagens que você já fez para a Antártida, com essa coisa do aquecimento global, o lixo, a ação do homem, você percebeu muitas mudanças da primeira visita que você fez para a última?

Marina: O que eu vi foi muito positivo. Da primeira vez que eu fui, em 95, eu cheguei a ver a presença de lixo humano na Antártica. A conscientização da proteção é tão intensa, que hoje existe uma associação internacional chamada IAATO (International Association Antarctica Tour Operation) de operadores de turismo antártico. Hoje você não vê mais lixo. Quem vai pra lá traz de volta o que levou. Você é proibido de desembarcar com qualquer coisa que eventualmente possa esquecer. Antes de chegar lá as pessoas são obrigadas a assistir a uma apresentação falando da responsabilidade de cada um. Existe o trabalho de aspiração de todas as roupas que você vai utilizar em terra, aspira os bolsos dos casacos, lava com detergente as botas que você vai usar. Não pode pisar numa colônia de animais sem esterilizar os sapatos que você vai utilizar pra não haver contaminação. Mas esse tipo de cuidado é muito recente. É uma coisa muito positiva o que aconteceu.

DIARINHO – Então o impacto do homem tem diminuído?

Marina: Eu não chamo nem de aquecimento global. Chamo de mudança climática. Mas o nosso intervalo de tempo na Terra é muito pequeno se comparado à idade do planeta, o ser humano é muito recente. Eu não tenho qualificação científica pra falar sobre aquecimento global, mesmo porque eu não vejo assim esse aquecimento. Tem lugares na Antártica que estão até mais congelados do que estavam e lugares que estão menos do que foram. Não sou especialista no assunto, mas o que eu percebo é que evidentemente existem geleiras que estão recuadas centenas de metros, e isso é claro. Isso ocorre e por isso eu posso dizer que existe uma mudança climática. Mesmo as velas do barco do Amyr que ele usou em 85 e que ele utilizou por anos, hoje em dia a gente vai duas temporadas pra Antártida e precisa trocar o jogo de velas. O buraco na camada de Ozônio encontrado em cima da Antártica é uma prova. A gente sabe que não existe filtro contra a radiação infravermelha. É um lugar onde você não pode expor nem a pele e nem os olhos.

DIARINHO – Qual a foto da sua vida?

Marina: A foto da minha vida foi aquela que eu nunca tirei, a da cauda da baleia. Mas já era a chapa 37 [risos]. A foto da vida da gente é aquela que a gente nunca tirou. Mas poderia dizer também que tem duas fotos da minha vida: a que eu nunca tirei e a próxima que vou tirar. Porque a gente vai amadurecendo, vai aprendendo os recursos da câmera, vai aprendendo a compor, a fotografar o que realmente importa, com a luz correta. Eu acho que sempre a próxima é melhor. Creio que para todo fotógrafo a melhor foto dele é sempre a próxima. Mas eu espero que as pessoas gostem do meu trabalho e que gostem de ter a Antártica dentro das suas casas. Esse livro é a contribuição que eu posso dar pra um lugar que já me trouxe tanta emoção. Para muitos, este pode ser apenas mais um livro de fotografias, mas para mim, é a realização do meu maior sonho. Eu tinha que, de alguma maneira, retribuir pra esse lugar tão especial na Terra. A Antártica merece.




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