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Com uma agilidade de rapaz pequeno, o homem magro de cabelos presos num rabo de cavalo e barba branquíssima carrega uma caixa de ferramentas em que há um nome gravado: Cyll Farney, ator brasileiro raramente lembrado nos dias de hoje. Mas alguém lembra e é um contemporâneo chamado Conny Baumgart, filho de pai brasileiro e mãe alemã, nascido em Rio do Sul em 1927, e dono da caixa onde transporta o necessário para construir miniaturas ou réplicas em tamanho natural de barcos.
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Não dá para acreditar que aquela figura tem 86 anos e trabalha no Museu Nacional do Mar, em São Francisco do Sul, desde a instalação da primeira canoa, em 1991, quando sua curiosidade de aposentado o levou a observar o arquiteto Dalmo Vieira Filho descarregando o acervo que hoje está em exposição. Tudo começou com um voluntário Posso ajudar?, e assim tem feito por todos estes anos.
Ferramenteiro (um tipo de engenheiro mecânico), desde jovem aplicava suas habilidades na confecção de objetos, primeiramente aeromodelos, na Alemanha, onde morou alguns anos, durante a Segunda Guerra Mundial. Voltou ao Brasil e morou em São Paulo, viajou muito a trabalho e conheceu embarcações do mundo todo. Ao retirar-se para curtir a aposentadoria, escolheu São Chico para morar. Como hobby, fazia miniaturas de pássaros para vender no trapiche do centro histórico. Fez mais de três mil exemplares.
Responsável pela confecção de grande parte das embarcações em exposição no museu, seu Conny é mestre mesmo na arte de reproduzir em escala os originais que estão desaparecendo do mapa náutico.
Mundo em miniatura
O diorama que está construindo desde 1990, com expectativa de terminar em 10 anos, representa o centro histórico de São Francisco nos anos 1938/1940. Nos 200 metros quadrados da sala que fica no piso superior do prédio da administração, o modo de vida no entorno do porto foi resgatado em chás de memórias com as senhoras mais velhas da cidade e posterior análise de fotografias da época. Em semicírculo protegido por um vidro e iluminado pela luz que entra por três janelões voltados para o porto e o mar, a riqueza de detalhes que só um artista muito sensível e observador produziria está exposta à admiração e ao estudo. A ideia deste diorama também nasceu na cabeça de Dalmo Vieira Filho.
Aqui, nos depósitos, tu vês os barris cheios de erva-mate produzida lá pros lados de Joinville. Ali, a sacaria. Nessas três janelas, faz de conta que somos nós aquelas pessoas que conversam. Toda esta área está cheia de troncos de madeiras prontos para serem embarcados. Aqui tem oito mil horas de trabalho!, vai contando seu Conny, com sotaque alemão e orgulho na voz.
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Mas o artista não está mais trabalhando sozinho. Há uma segunda parte sendo construída, que será a continuidade da cidade além da baía da Babitonga, e a escolhida para executar tão minuciosas reproduções foi a antiga cuidadora, a enfermeira aposentada Rosete Maria da Rosa Menezes. Há seis anos, ela começou a criar as aves que sobrevoam o cenário em miniatura. São gaivotas, albatrozes e trinta-réis, fielmente copiados dos originais. Seu talento como pintora amadora chamou a atenção de seu Conny, e agora a parceria constrói um mundo que luta para mostrar a história de uma cidade e sua gente.
Diorama mostra o cotidiano. O cavalinho, a vegetação, as casas, as pessoas, o morro do Pega-Unha, as embarcações, tudo o que um dia foi real, explica Rosete. Aqui, em todo o museu, pode-se ver as aves de alto-mar que a gente observava em múmias de coleções particulares, em livros, sem machucar nenhum bichinho, conta. Agora, só ela está trabalhando na maquete.
Novo projeto em construção
Como se tivesse todo o tempo do mundo por viver, o modelista naval dedica-se à coleção Alves Câmara do Século 21, que é a reprodução da original que se encontra no espaço cultural da Marinha, no Rio de Janeiro. São 88 embarcações tradicionais de todo o Brasil, em escala 1:25. Por enquanto, apenas seu Conny e poucos privilegiados têm acesso a essas preciosidades. A falta de condições de segurança fez com que a administração isolasse as salas de exposição no primeiro piso. O almirante queria que cada estado brasileiro mandasse um tipo de barco da sua região para a exposição, ensina o modelista. Porque eu tô fazendo todas as embarcações que existem lá no Rio. Tem embarcação que eu levo até um mês. Olha os detalhes aqui: a moringa dágua, a fateixa, tudo na proporção, enumera, com a didática de quem ensina a ver, nas representações em miniatura, um sistema de vida que está se transformando e desaparecendo, atualmente, assim como o conhecimento do modelismo naval.
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