Itajaí
Uber se torna alternativa em Itajaí e Balneario; falta regulamentação
Pagamento com cartão de crédito, custo baixo e serviço de qualidade são os atrativos do aplicativo que está revolucionando o transporte mundo afora
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]





Renata Rosa, Especial para o DIARINHO Há 50 dias, a galera de Balneário e Itajaí está experimentando uma nova modalidade de transporte particular, o controverso Uber, que já atua no Brasil desde 2014, e em Santa Catarina desde o ano passado. Em tempos de precarização do transporte público em Itajaí, por causa da revisão do contrato da única empresa que presta o serviço, e com a grana curta do povão, a possibilidade de pagar menos por um serviço melhor agrada, mas, a exemplo do que rola em outras cidades, alarmou taxistas e o poder público, já que ainda não existe uma lei que regulamente a atividade. Para fazer o tira-teima, o DIARINHO testou o sistema, ouviu usuários e motoristas. Afinal, quais as vantagens e desvantagens do serviço? Será que a moda pega por aqui? No último domingo, às 16h, a equipe de reportagem solicitou o serviço para uma corrida até o Hospital da Unimed, em Balneário Camboriú, uma distância de 7km. O motorista iria demorar 16 minutos para chegar de outra corrida, mas quando faltavam 12 minutos, subitamente cancelou a operação. Então, fizemos uma nova solicitação e em seis minutos apareceu um carro esportivo da marca Fiat, com teto solar e tudo. A viagem foi tranquila, sem trânsito, o carro era limpo, o motorista atencioso e bom de papo. Para nossa surpresa, ele também estava fazendo uma corrida-teste, pois éramos os seus primeiros passageiros. A corrida saiu por R$ 12,99, que foi debitada no cartão de crédito cadastrado. A conta, especificada no histórico das viagens do aplicativo, é feita assim: R$ 2 da bandeira + R$ 7,70 da distância, R$ 2,54 do tempo gasto (12 minutos) e uma taxa fixa de R$ 0,75. No final, é possível avaliar o motorista através de estrelas e, se rolar algum problema, pode-se relatar à empresa através de um questionário no próprio aplicativo. Rodrigo Tolomeotti, 39 anos, é mecânico naval e está experimentando o serviço para não mexer na grana que guardou quando foi demitido da empresa há cerca de um ano. Natural de Nova Trento, vive em Itajaí desde 2000 e trabalhou 10 anos para uma empresa que prestava serviço à Petrobras. “Como tenho o carro quitado e gosto de dirigir, estou testando. Depois, vejo se o gasto com combustível e manutenção cobrem os custos e tenho lucro, pois sai tudo do meu bolso, inclusive o seguro,” revela. A taxa cobrada pelo Uber é, em média, de 25%, e a grana é depositada semanalmente. A empresa não revela quantos carros tem circulando na região, mas continua recrutando motoristas. “Só espero que não encha de motoristas a ponto da atividade não ser financeiramente vantajosa. R$ 40 por dia seria inviável”, exemplifica. Depois do teste, voltamos para casa de táxi. A primeira dificuldade foi encontrar o veículo. Depois de muita espera, tivemos que procurar um ponto, a uns 500 metros do hospital. O motorista, que não quis revelar o nome, contou que quase tomou prejuízo de um passageiro que não tinha dinheiro para pagar a viagem. Ele, que tem passageiros fixos, acredita que o Uber não atrapalha, mas disse não concordar com a atividade, que considera clandestina. “A prefeitura de Balneário está guinchando os carros ilegais porque eles não pagam alvará e nem seguem as regras, como apresentar a ficha de antecedentes criminais. Eu não deixaria minha mulher pegar o carro de um desconhecido. Lá, eles só perguntam se tem carteira de habilitação e se o carro é novo”, acredita. A volta para Itajaí custou R$ 35,50, à vista, em grana. O Uber exige carros a partir de 2008 no sistema mais em conta. No sistema mais caro, que ainda não funciona por aqui, exige sedan pretos, a partir de 2011, quando os motoras tem que usar terno e gravata. Em cidades maiores, há a possibilidade de dividir a conta com outros passageiros, mas nem sempre isso é uma vantagem. A empresária Joice Catarina Sabatke contou que usou o Uber Pool em SP recentemente e se decepcionou. “Como o número de credenciados pulou de 16 mil para 100 mil na capital paulista, dá para ver a queda na qualidade do serviço. Tudo é uma questão de custo x benefício”, analisa. Habitué do aeroporto comemora a economia em suas viagens a Navega city Mariângela Botelho, 61 anos, é viúva e seus filhos moram em outros estados, por isso, ela vive viajando, sem falar nas excursões que faz com as colegas do SESC. Mas, cada vez que precisava voltar pra casa, tinha que pagar uma conta fixa de R$ 90 de táxi. Acostumada a usar o Uber no Rio de Janeiro e Porto Alegre, não via a hora de usar o serviço em Itajaí. “Já usei diversas vezes o Uber no aeroporto. Na primeira vez, o motorista queria ir pela BR, o caminho mostrado no aplicativo, mas aceitou vir pelo ferry quando me ofereci para pagar a travessia. Depois, a tarifa cobrada já incluía o bilhete. Na última vez, no dia 18 de abril, foi 24 reais. No dia 19 de fevereiro, foi R$ 14,80, uma bela diferença!”, constata. Para fazer um novo comparativo, a reportagem tentou fazer o mesmo trajeto realizado no domingo anterior de táxi, na bandeira 2, quando a repórter voltou de Floripa de ônibus. O trajeto de 3km entre a rodoviária e o bairro São João, custou R$ 23,10. Mas, quando o Uber foi acionado, às 17h, não havia motoristas disponíveis na região. Ou seja, depender só do aplicativo pode ser uma grande roubada, especialmente nos finais de semana. “Acredito que ainda há poucos automóveis na cidade para prestarem um serviço mais rápido e eficiente”, acredita Mariângela, que também já ficou na mão. A previsão de custo do trajeto para a rodoviária era de R$ 7 a R$ 10. A previsão do valor da corrida aparece no aplicativo depois de calcular o tempo e a distância, mas nem sempre é o mesmo valor ao final. Pode dar mais ou menos, dependendo do trânsito. Em Florianópolis, uma corrida de 14km, que levou 14 minutos, entre a avenida Beira-Mar Norte e o bairro de Santo Antonio de Lisboa, custou, de Uber, R$ 21 no feriado de Tiradentes, apesar da previsão inicial de R$ 18. “Também pode ter poucos motoristas e muitos pedidos, aí o preço por minuto pode subir. Chamam de preço dinâmico”, revela o motorista de primeira viagem, Rodrigo. Uber agrava crise econômica para a classe dos taxistas Parecia questão de tempo. Depois do Uber ter chegado a Florianópolis em setembro passado, era a vez dos taxistas do litoral norte experimentar a sensação de concorrer com a empresa que pratica preços até 60% mais baixos e oferece vantagens como fazer uma corrida sem ter dinheiro vivo. Fred Leutz, 32 anos, exerce a profissão de seu pai e avô há 13 anos e vê com apreensão a ferramenta tecnológica que está revolucionando a forma das pessoas irem e virem. “Enquanto não houver uma lei regulamentando o serviço, ele é clandestino. Existe uma lei que já passou na Câmara dos Deputados, e também aqui no município. Fui a uma reunião com o prefeito Volnei Morastoni para ver como vai ficar a situação. Se eles pagarem alvará e cumprirem todos os requisitos que nós somos obrigados, tudo bem. Enquanto isso, estão na ilegalidade”, avalia. A reportagem tentou entrar em contato com a prefeitura, mas não obeteve retorno para saber em que pé está a tal lei. Fred diz que não é o tipo de taxista que não admite a concorrência, apesar de sentir no bolso que os aplicativos estão diminuindo seus rendimentos dia a dia. “Quando eu comecei, a briga era com os mototaxistas. Eu acho que eles cumprem um papel na sociedade, eles têm o público deles e nós o nosso. Mas não é fácil ficar desde às oito e só fazer duas viagens até o fim do dia”, lastima. “Muita gente que fala hoje mal do táxi pode ter nascido depois de uma corrida com o carro do meu pai ou avô para a maternidade. Ou seja, fazemos parte de uma classe que muito serviu ao cidadão itajaiense e fico chateado que muito do dinheiro arrecadado no Uber esteja indo pra fora do país”, compara Fred. O taxista também escreve e tem um livro prontinho para ser editado, só falta patrocínio. Ele tem uma coluna num jornal comunitário, mas sabe que viver de escrever também não está fácil. “Itajaí ainda é uma cidade pequena e quem usa táxi tem o hábito de procurar o ponto ou ter o cartão com seu taxista de confiança. Eu vou continuar até quando for possível”. Para o motorista do Uber, Rodrigo, que tem dupla cidadania (italiana), os tempos são outros. “Eu acredito que estamos vivendo um momento como nos países desenvolvidos, em que as pessoas não precisam mais tirar o carro de casa para se divertirem, ainda mais aqui que não tem metrô e o ônibus passa pouco. Viramos uma espécie de transporte alternativo mais confortável e econômico, adequado para ir ao shopping, voltar da balada, visitar parentes. A gente não ganha muito, mas roda bastante”, avalia. Nos EUA, Uber sofre com a concorrência e o boicote dos consumidores Mas, se nos 500 e tantos países que o Uber chegou, a empresa é o pesadelo dos taxistas, em seu próprio país, é o aplicativo que sofre com a concorrência e o boicote, já que seus acionistas apoiaram o candidato Donald Trump, hoje presidente dos EUA, famoso por sua política xenofóbica e armamentista. A jornalista Claudia Repsold, que mora há mais de uma década por lá, é uma das que nem pode ouvir falar o nome da empresa. “Aqui, eu deletei o Uber e só uso o Lyft (‘carona’ em português). O Uber se transformou numa corporação tão sem ética quanto a Monsanto. Descobriram que usam algoritmos para captar informações dos clientes, como emails, fotos e qualquer informação armazenada no celular; além de desviar as corridas dos concorrentes”, revela. No Brasil um dos concorrentes ao aplicativo é o Cabify, criado na Espanha, já disponível em Porto Alegre. Outra modalidade presente em Itajaí é a 99 táxi. Claudia disse ainda que não passa uma semana sem que alguma notícia escabrosa sobre a empresa venha à tona. “Existem inúmeros processos de assédio sexual das programadoras, e, há três meses, um dos engenheiros se matou deixando uma nota em que dizia não aguentar mais o estresse e escravidão implantado na empresa. Já o Lyft oferece programas especiais para refugiados e uma política de igualdade concreta de gêneros, por isso as pessoas éticas estão migrando pra lá”, justifica. Revolução tecnológica põe em xeque setores econômicos Em Itajaí, a lei prevê um táxi para cada três mil habitantes, portanto, aqui existem 80 táxis com dois condutores. Para regulamentar um sistema diferente de transporte particular, será preciso uma nova legislação. Em Florianópolis, no final de 2016, a Câmara de Vereadores chegou a arquivar o projeto, seguindo uma orientação da procuradoria do município, que considerava o projeto de lei inconstitucional porque deveria partir do executivo. Já em Joinville, o promotor Cristian Richard Stähelin Oliveira, da 17ª Promotoria de Justiça, em fevereiro, deu parecer favorável a cinco motoristas do Uber, que questionaram a lei municipal restritiva à operação. Ou seja, parece que esta novela, em que não existem mocinhos nem vilões, está longe de terminar. Afinal, o mundo está em constante transformação e muitas profissões tiveram que se readequar para atender novas necessidades. Que o digam hoteleiros que sofrem com a concorrência com o Airbnb, as locadoras que ficaram obsoletas por causa de sistemas como a Netflix, e as lojas de CDs, com o advento do MP3, que, inclusive, já está ultrapassado. Admirável mundo novo!
Redação DIARINHO
Reportagens produzidas de forma colaborativa pela equipe de jornalistas do DIARINHO, com apuração interna e acompanhamento editorial da redação do jornal.