Itajaí
Cartórios pagam menos imposto que outros serviços em Itajaí
O caso virou investigação no ministério Público; promotor mandou mudar a lei
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Sandro Silva
sandro@diarinho.com.br
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Se você é um pedreiro autônomo, um dono de funerária ou tem uma van que leva a criançada pra escola, entre tantos outros empreendedores, tá pagando proporcionalmente bem mais imposto que um cartório. Pelo menos em Itajaí. Por aqui, os proprietários de registros de imóveis, tabelionatos e ofícios de registro civil gozam da cobrança diferenciada do imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN ou simplesmente ISS).
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A mudança aconteceu há quatro anos. Um tratamento VIP que já virou investigação do ministério Público Estadual e se transformou num inquérito civil público. Rolou até um inquérito policial e as autoridades chegaram a verificar a possibilidade de um possível crime contra a ordem tributária praticado pelo prefeito Jandir Bellini (PP), autor da lei.
No ano passado, só um tabelionato da cidade teve um faturamento de mais de R$ 4,3 milhões. Apesar disso, pagou de ISS apenas R$ 7.738,20. Isso não dá nem 0,2% do volume total da grana. Ao todo, no ano passado, o faturamento dos três tabelionatos, dos dois ofícios de registros de imóveis e do ofício de registro civil passou dos R$ 21,3 milhões.
Se um pedreiro, por milagre, conseguisse assim tanto dinheiro, pelas regras atuais do código Tributário de Itajaí teria que dar pra prefeitura um valor estimado de mais de R$ 86 mil. Se um dono de van tivesse aquele faturamento, o imposto subiria para quase R$ 130 mil. No caso de um dono de funerária, o ISS ficaria pela hora da morte: R$ 215,2 mil. Sentiu a diferença de tratamento?
O negócio é tão grave, que a própria prefeitura já repensou a lei e há a promessa de que a situação vai mudar em breve. Hoje (ontem) à tarde estaremos encaminhando um projeto de lei a câmara para a mudança dessa legislação, afirmou o advogado Domingos Macario Raimundo Júnior, procurador-geral da prefeitura de Itajaí, admitindo que houve pressão do ministério Público para isso.
Os representantes de cartórios alegam que devem ser tratados como profissionais liberais e, por isso, a lei lhes dá o direito ao tratamento diferenciado. Uma interpretação que tanto os tribunais quanto advogados especialistas em direito tributário discordam.
Por que os cartórios pagam tão pouco imposto
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Qualquer empresa paga o ISS com base no percentual do que fatura como serviço prestado. Nos exemplos do pedreiro, do dono de van e da funerária, são 2%, 3% e 5%, respectivamente. São as chamadas alíquotas do ISSQN. É assim com qualquer outro ramo de negócio em Itajaí, como serviços portuários, comércios, pesca ou fábricas.
Pros cartórios a coisa é diferente. O valor cobrado é fixo, uma vez por ano. O cálculo é feito sobre a unidade fiscal municipal (a UFM), que hoje custa R$ 137,46. A mudança aconteceu em 2011, através de uma lei enviada para a câmara, assinada por Jandir Bellini (PP) e pelo ex-procurador Rogério Nassif Ribas.
Aprovada pelos vereadores, a proposta do prefeito passou a dar um tratamento diferenciado para cartórios e serviços notariais. No caso do ofício de registro civil, a cobrança é de um valor fixo por ano de 40 UFMs (R$ 5498,40). Para os registros de imóveis o imposto é de 50 UFMs (R$ 6873,00). Já os tabelionatos de notas e protestos é de 60 UFM (R$ 8247,60).
Com isso, tabelionatos e ofícios de registro começaram a pagar o imposto da mesma maneira que os profissionais liberados, como advogados e dentistas, que também fazem um recolhimento de valor fixo. Antes, os cartórios pagavam 3% de alíquota.
Só nos primeiros seis meses deste ano, os cartórios arrecadaram R$ 11,1 milhões. Pelas contas da própria prefeitura, caso ofícios de registros e tabelionatos passem a pagar o ISSQN como os demais negócios na cidade, quase meio milhão de reais passarão a entrar anualmente nos cofres públicos.
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Promotor achou irregularidades e mandou mudar a lei
O caso foi parar na Procuradoria de Justiça do ministério Público Estadual (MPE) e até na delegacia. Acabou virando um inquérito civil público na 9ª promotoria de Justiça de Itajaí, que atua na curadoria da defesa da moralidade administrativa.
Através da assessoria de comunicação social do MPE, o promotor Luís Eduardo Couto de Oliveira Souto informou ao DIARINHO que o inquérito foi instaurado para apurar possível irregularidade na Lei Complementar Municipal n. 191/2011, que estabelece que o ISS será calculado, lançado e recolhido de forma fixa e anual, no caso dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais.
E os problemas na lei foram realmente encontrados. Esclareço ainda, que foi expedida recomendação ministerial ao município, visando sanar as irregularidades apontadas, mandou dizer o promotor.
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O caso foi denunciado no final do ano passado ao procurador de Justiça Durval de Amorim, em Floripa. Em 16 de dezembro de 2014, o delegado Hélcio Ferreira, que era da 2ª depê e que hoje tá aposentado, abriu um inquérito policial para apurar possível crime contra a ordem tributária.
O inquérito não chegou a ser concluído, porque algumas das denúncias tinham a ver com os escândalos da chamada operação Dupla Face e acabou indo pro Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), informou um policial civil que participou da tomada de depoimento do denunciante.
O caso da investigação do ISSQN dos cartórios foi separado e enviado pra 9ª promotoria e virou o inquérito civil. Domingos Macario Raimundo Júnior, procurador-geral da prefeitura, confirma o inquérito civil. Segundo ele, a recomendação do promotor tá sendo acatada.
Ele diz que desconhece a existência do inquérito policial e que falou com o prefeito Jandir Bellini, que também afirmou não saber da acusação de crime contra a improbidade administrativa.
Advogados dizem que cobrança deve ser com base no faturamento
Pro advogado tributarista Samaroni Benedet, professor da faculdade Unisociesc, o argumento de que o dono de cartório tem que ser equiparado a um advogado, dentista ou engenheiro não tá correto. Embora os serviços prestados sejam de natureza pública, não se tratam os cartórios extrajudiciais de pessoas Jurídicas de Direito Público, tampouco seus agentes podem ser tidos como servidores públicos ou mesmo seus serviços podem ser equiparados aos de profissionais liberais, afirma.
Nos caso dos profissionais liberais, fica difícil calcular o valor bruto arrecado e, por isso, a lei permite a cobrança fixa. Já nos cartórios, isso é diferente. Pela interpretação de nossos tribunais não se pode enquadrar os cartórios como profissionais liberais, a exemplo de médicos, dentistas e advogados, completa. Segundo o especialista, sobram decisões judiciais que fazem essa diferenciação, inclusive em Santa Catarina.
Além disso, a forma de cobrança em valor fixo do ISSQN fere o que no direito tributário se chama de capacidade contributiva. É um princípio que impõe uma cobrança de imposto com base na capacidade de renda do contribuinte.
O advogado Domingos Macario Raimundo Júnior, procurador-geral da prefeitura de Itajaí, afirma que também é contra a cobrança fixa do ISSQN para os cartórios. Sou um dos que mais brigou contra isso, garante ele, que assumiu a chefia da procuradoria há pouco mais de um mês. Domingos é servidor efetivo da prefeitura de Itajaí.
Ele não soube dizer o que motivou o prefeito Jandir Bellini a apresentar a mudança da lei em 2011, retirando as alíquotas de cobrança dos cartórios. Mas afirma ter conhecimento do grande embate jurídico que tem em nível nacional sobre o tema. O lobby dos cartórios é forte, eles contratam advogados de peso para tentar não pagar, comentou à reportagem.
O argumento dos donos de cartórios
Pra Otávio Guilherme Margarida, presidente da Associação dos Notários e Registradores de Santa Catarina (AnoregSC), não há qualquer ilegalidade na cobrança fixa do imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) para cartórios. Ele admite que há uma briga jurídica e que, a partir de 2008, o Supremo Tribunal Federfal (STF) decidiu que o segmento devia mesmo pagar o tributo. Porém, em momento algum ficou definida a base de cálculo neste julgamento, argumenta.
Segundo ele, a briga continua nos tribunais pra definir a forma de pagamento do imposto. A AnoregBR (entidade nacional) promove ação junto aos Tribunais Superiores para definir como deveria ser a incidência deste imposto sobre a atividade extrajudicial, afirma.
A forma pretendida pelos cartorários, é claro, é o valor fixo, como é feito para profissionais liberais como advogados, dentistas e engenheiros, por exemplo. A constituição federal é clara que notários e registradores exercem uma delegação pública, em caráter privado, que é delegada pelo estado a pessoa física aprovada em concurso, diz ele. Por esse argumento, o tratamento para um dono de cartório deveria ser o mesmo para um veterinário, por exemplo.
Esse também é o argumento da tabeliã Gilmara DÁvila, do 1º Tabelionato de Notas e Protestos de Itajaí. Uma opinião reforçada por Saulo Heusi, do ofício de registro civil. O meu entendimento é o mesmo da colega Gilmara Dávila do primeiro Tabelionato, disse Saulo ao DIARINHO. A escrevente notarial Adriana do Nascimento de Amorim Maximo argumenta que cada cidade possui tratamento diferenciado em relação ao ISS. Inclusive há aqueles que isentam totalmente os cartórios, como é o caso de Joinville, informa. Nesse caso, quem paga diretamente o imposto é o usuário dos serviços do cartório.
Prefeito quer mudar lei de novo
Ontem, perto das 16h, deu entrada na câmara de vereadores de Itajaí um novo projeto da prefeitura, mudando novamente a forma de ISSQN dos cartório. Se o projeto for aprovado este ano, em 2016 os cartórios passarão a ter o mesmo tratamento tributário de outros empreendimentos de Itajaí: pagarão o imposto com base num percentual do seu faturamento bruto. No caso do projeto, que é assinado por Bellini e pelo próprio Domingos, será de 3%.
A motivação pra tirar o arrego dos cartórios tá ligada a dois fatores. Um, admite o procurador da prefeitura, é o inquérito civil do ministério Público. O outro é uma decisão do supremo Tribunal Federal que, segundo Domingos, desde o ano passado resolveu de vez a dúvida sobre a forma de cobrança do ISS dos cartórios.
Na justificativa do projeto, Bellini e Domingos argumentam que a nova forma de cobrança dos cartórios traria aos cofres municípios um incremento na arrecadação municipal na ordem de R$ 450 anual. Pelas contas que o DIARINHO fez, desde que a cobrança passou a ser fixa, em 2011, os tabelionatos e registros deixaram de recolher algo perto de R$ 2,150 milhões de impostos.
Na terça-feira, a assessoria do prefeito disse que ele não poderia falar com o DIARINHO porque se preparava para a viagem à França, ocorrida ontem. O procurador Domingos foi designado para a tarefa de conversar com a reportagem.
Já pagam imposto de renda, argumentam
Além disso, afirma Gilmara, a lei de Itajaí que definiu a forma de ISSQN pros cartórios tem como base um decreto de lei de 1968, portanto, tem base legal. A tabeliã leva em consideração o fato de que o titular do cartório já paga imposto sobre o faturamento bruto. Além do ISS, o titular recolhe imposto de renda sobre pessoa física, 27,5%, o que gera uma carga tributária direta aproximada de 35%, fora os impostos indiretos, ressalta. A escrevente Adriana também cita o fato dos oficiais de cartórios pagarem imposto de renda sobre o faturamento.
E, diz ainda a tabeliã Gilmara, há outros custos. O Tabelião também presta contas ao Tribunal de Justiça a quem paga os selos de fiscalização e fiscaliza o recolhimento do FRJ [Fundo de Reaparelhamento da Justiça]., completa. Por isso, pra ela, não houve um arrego pros cartórios em Itajaí. Entendemos que não houve uma redução do ISSQN, mas sim uma adequação, por se tratar de um serviço diferenciado que não se enquadra como público, privado ou profissional liberal, conclui.
Tânia Regina Carlos, oficial substituta do 1º Ofício de Registro de Imóveis, disse que Marcos Aurélio Lemos, oficial do cartório, não poderá se manifestar sobre a situação. Nós não podemos dar informações, porque o cartório não é dele. Ele era interventor e é o oficial designado do tribunal de Justiça, argumentou.
Até às 16h30 de ontem, Fernando de Oliveira, do 2º ofício de registro de imóveis, e Anna Christina Menegatti, do 2º tabelionato de notas e protestos, não responderam aos contatos feitos por telefone e e-mail.