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Uma das facetas do esquema de corrupção que funcionava através da prefeitura de Itajaí, descoberto na chamada operação Dupla Face, contava com um sistema refinado para dar legalidade ao crime de extorsão e lavar parte do dinheiro arrecadado por alguns chefões da administração municipal.
Nesta reportagem, você vai entender o papel do instituto Brava Consultoria e Treinamentos Ltda, empresa que era peça fundamental da armação montada principalmente pelo auditor fiscal e vereador Nabor Afonso Arruda Coelho (PMDB), segundo apontam os resultados da investigação do grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
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A empresa foi citada na representação que o Gaeco fez à Justiça. O instituto Brava Consultoria e Treinamentos seria uma forma de legalizar as artimanhas montadas principalmente na secretaria de Urbanismo de Itajaí.
A própria empresária Raquel Oliveira de Mattos da Silva Flores, dona do instituto Brava, confirmou à polícia que repassava dinheiro para Afonso Arruda, que seria, por debaixo dos panos, um dos sócios da firma.
Há cheques da empresa destinados tanto ao vereador quanto ao advogado Sérgio Ardigó, ex-coordenador técnico da prefeitura e que também seria um dos sócios do instituto.
Para entender melhor
A forma de achaque todo mundo já sabe como funcionava. Na secretaria de Urbanismo eram criados empecilhos pra não aprovar projetos ou para achar supostas irregularidades nas obras em andamento. Depois, os corruptos vendiam a solução para os problemas que eles mesmos haviam levantado. É a partir daí que entra o instituto Brava.
Quando o dono ou o representante do empreendimento embaçado procurava Afonso Arruda, que é auditor fiscal da prefeitura, ou o então secretário Paulo Praun, do Urbanismo, era encaminhado a Sérgio Ardigó, apontado como o servidor que conseguiria resolver o problema. Sérgio, por sua vez, indicava o instituto Brava, que faria um laudo ou um estudo que acabaria por aprovar os projetos ou desembargar as obras. Quem angaria clientes para esta empresa é o coordenador técnico da secretaria de Urbanismo, senhor Sérgio Ardigó, contou aos agentes do Gaeco um outro auditor fiscal, que não participava do esquema.
Na conversa com a polícia, Sérgio Ardigó confessou que quando os empresários lhe procuravam, botava o instituto Brava na jogada. Na grande maioria dos casos, a situação tava ligada a estudos de impacto de vizinhança. Alguns outros eram relacionados a estudos de impacto ambiental.
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A empresa seria de Raquel, Afonso, Sérgio e da advogada Rosane Oliveira de Mattos, irmã de Raquel e até bem pouco tempo procuradora-geral da câmara de Vereadores. Sérgio Ardigó também confirmou essa versão. Era Raquel quem fazia o pagamento dos sócios.
O DIARINHO teve acesso a cópias de notas fiscais eletrônicas emitidas pelo instituto Brava Consultoria para empresas que teriam sido vítimas do achaque. Essas empresas tiveram que contratar laudos do instituto Brava para que tivessem os empreendimentos aprovados.
Entre elas está a Bellmen Realty Engenharia, que em setembro de 2012, pagou R$ 11.731,25 por um estudo de impacto de vizinhança para o edifício Marina Park, na rua Heitor Liberato, que ainda tá em construção.
A Seixas Engenharia e Construções e a Racitec, do ex-secretário de Urbanismo Flávio Mussi, também teriam contratado estudos do instituto Brava.
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O desmonte do mix de corrupção na prefeitura
A operação Dupla Face foi desencadeada pelo Gaeco em 24 de agosto e já está em sua terceira fase. A investigação apura suposto esquema de corrupção dentro da prefeitura de Itajaí, através da secretaria de Urbanismo, onde eram criadas dificuldades na aprovação de projetos da construção civil para depois pedir uma grana por fora para as aprovações das obras. Também há rolos no Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Mais de 50 processos foram engavetados durante a campanha eleitoral de 2012 e o valor do imposto foi cobrado mais barato para alguns chegados.
Os crimes investigados são corrupção passiva e ativa, concussão, advocacia administrativa, fraudes em licitações e associação criminosa.
O inquérito policial comandado pelo delegado Daniel Garcia ouviu mais de 110 pessoas. Ainda esta semana o delegado pretende tomar depoimento de mais 15 testemunhas. O processo tem mais de duas mil páginas e a previsão do delegado é entregar o documento ao Ministério Público na próxima sexta-feira.
Durante as três fases da operação já foram presos e atualmente respondem em liberdade às acusações as seguintes pessoas: o ex-secretário de Urbanismo Paulo Praun; o ex-coordenador de Urbanismo Sérgio Ardigó; o empresário Mario Jorge de Souza; o fiscal Hermerson Ricardo Pereira; o advogado André Xavier; o empresário Wanderley Antonio Kuhn; o vereador licenciado e ex-secretário de Planejamento, Gestão e Orçamento, Douglas Cristino da Silva; o empresário Tito Arruda; o ex-procurador chefe da prefeitura Rogério Nassif Ribas; o ex-procurador Ricardo Bittencourt; o ex-secretário de Habitação Sadi Antônio Pires; o empresário Marcelo Arruda; o ex-secretário de Urbanismo Flávio Macedo Mussi; e o vereador Nabor Afonso Arruda.
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A justiça também determinou que três figurões fossem afastados dos cargos. O secretário de Obras, Tarcizio Zanelato, o secretário de Fazenda Marco de Andrade e o assessor de Douglas Cristino, Edson Dognini, foram retirados de suas funções a mando da justiça.
Empresário diz à polícia que Arruda agilizou a aprovação de loteamento
A negociata teria sido feita com o empresário Gilberto Laffitte, já falecido. Gelson Laffitte, sócio da empresa, confirmou ao Gaeco que o irmão foi procurado por Afonso Arruda. Oferecendo-se para auxiliá-lo na aprovação dos loteamentos Santa Regina 1 e 2, consta do inquérito.
Gilberto, segundo Gelson, chegou a contratar Afonso Arruda para agilizar os processos dos dois loteamentos que precisavam de aprovação na prefeitura. Ele (Afonso Arruda) falava que para fazer a nossa aprovação tinha que fazer isso daí. A liberação para poder andar, para fazer o negócio mais rápido, né!?, contou o empresário no depoimento que deu ao Gaeco.
O preço para que os dois projetos andassem eram 36 lotes, de acordo com o que apuraram os agentes do Gaeco. Ia custar aí 15 lotes num, não sei quanto no outro, afirmou o empresário ao delegado.
O atual dono da G. Laffitte também confirmou que, pra não ficar na cara que os lotes eram um pagamento pelos serviços prestados, eles foram colocados em nome de Sérgio Ardigó. Ele também afirmou ao Gaeco que não havia irregularidade nos projetos dos loteamentos. Nossa documentação é correta, né? Agora, a agilidade que ele nos prometeu foi cumprida, disse à polícia.
A G. Laffitte não quis conversar com o DIARINHO. Gabriela Laffite, gerente de Marketing da empresa, limitou-se a informar que a construtora foi convidada a cooperar com informações na operação Dupla Face. Não podemos repassar detalhes, mas estamos cooperando e estamos de portas abertas para ajudar a polícia neste caso, disse.
O DIARINHO fez contato com o escritório da Racitec, para tentar falar com Flávio Mussi. O senhor Flávio não se encontra e ninguém aqui está autorizado a falar sobre isso, disse uma funcionária. O advogado do empresário não atendeu ao telefone.
Claudinei Fernandes, advogado de Sérgio Ardigo, não atendeu às ligações do DIARINHO.
Afonso e Flávio Mussi teriam recebido 36 terrenos de propina
Uma suposta negociata entre Afonso Arruda e a empresa G. Laffitte, responsável pelos loteamentos populares Santa Regina 1 e 2, no bairro Espinheiros, pode ser considerada a ancestral do esquema de corrupção que rolava na secretaria de Urbanismo da prefeitura de Itajaí, desmontado em agosto com o início da operação Dupla Face. Pelo o que os agentes do grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) apuraram, tanto o engenheiro e ex-secretário Flávio Mussi quanto o auditor-fiscal e vereador Nabor Afonso Arruda (PMDB) teriam recebido um total de 36 lotes para facilitar as aprovações do projeto dos loteamentos na prefeitura.
No meio dessa história toda está o advogado Sérgio Ardigó, que mesmo antes de ocupar o cargo de coordenador-técnico da secretaria de Urbanismo já seria sido usado, tanto pelo vereador Afonso Arruda quanto pelo então secretário Flávio Mussi, como uma espécie de laranja. Ele assumiu uma compra de fachada de 36 lotes que teriam sido entregues como propina para que os figurões aprovassem com rapidez os projetos dos loteamentos Santa Regina 1 e 2.
O próprio Ardigó confessou isso no depoimento que deu ao delegado Daniel Garcia, do Gaeco. Tenho dois contratos que estão em meu nome, mas os terrenos, na verdade, pertencem ao Flávio Macedo Mussi e ao Afonso, admitiu.
O advogado aceitou ser laranja de Afonso Arruda e Flávio Mussi em troca de um cargo público. Isso aí era antes de eu entrar na prefeitura, tá? Naquele sistema assim Oh! Tu vai ter um cargo na prefeitura, contou aos agentes do Gaeco.
E não deu outra. Quando mudou o governo e Jandir Bellini (PP) assumiu a prefeitura de Itajaí em 2009, Sérgio Ardigó foi nomeado coordenador-técnico da secretaria de Urbanismo de Itajaí.
Botou terra no nome dos filhos de Flávio
Os terrenos de Flávio Mussi que estavam no nome de Sérgio Ardigó acabaram transferidos mais tarde para os filhos do engenheiro, segundo o próprio Ardigó. Alguns dos imóveis que eram destinados a Afonso Arruda já foram vendidos a terceiros. O restante dos lotes continua em nome de Sérgio Ardigó.
O advogado, que participou do esquema como laranja e ganhou como prêmio um empregão na prefeitura, com um salário de mais de R$ 10 mil por mês, comentou ainda que os terrenos dados como propina não foram necessariamente por conta de alguma irregularidade nos loteamentos. Por aqui, os loteamentos foram aprovados, tanto pelo cartório quanto pelo promotor da época, disse.
Para ele, teria havido pressão pra cima dos donos da G.Laffitte para que a papelada caminhasse rápido pela burocracia da prefeitura, caso contrário o projeto ficaria parado.
O outro lado
Guilherme Flores, filho de Raquel Flores e que afirma ser um dos sócios oficiais do instituto Brava, disse ao DIARINHO que a mãe foi voluntariamente ao Gaeco, assim que o escândalo estourou. Mas não quis revelar o teor do depoimento de Raquel. A gente prefere não abrir muito, porque entende que é uma coisa delicada, limitou-se a dizer.
Mas afirmou que o instituto Brava Consultoria e Treinamento continua em funcionamento e presta serviços de assessoria e consultoria. A maioria dos serviços e informações são de assessoramento para estudos de impacto de vizinhança.
A assessoria do vereador Afonso Arruda, na câmara, disse que ele está viajando com a família e que tentaria contato com o parlamentar. Até o início da noite, nenhum retorno foi dado.
Uma funcionária da Belmmen disse que era preciso enviar um e-mail para solicitar uma entrevista com o empresário Aguinaldo Lourenço, diretor da empresa, mas que isso somente aconteceria durante o dia de hoje. Ontem, não seria possível conversar com ele.
Ao final da tarde, o DIARINHO fez contato com funcionários do escritório da construtora Seixas. Foi informado que o empresário Sérgio Seixas e seu filho Fabiano seriam os únicos que poderiam conversar com a imprensa e que não se encontravam por lá. Não foi repassado nenhum telefone de contato e a reportagem solicitou que a funcionária avisasse do contato do DIARINHO. Até o início da noite, não houve retorno.
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