Diz aí, João Paulo !
"Eu tenho alinhamento político, formação jurídica, acadêmica e experiência"
João Paulo Tavares Bastos Gama, novo superintendente do Porto de Itajaí, concedeu entrevista à jornalista Fran Marcon e ao colunista Jotacê. Ele abordou os principais temas dos primeiros meses da federalização
Franciele Marcon [fran@diarinho.com.br]


Por que o senhor foi nomeado superintendente do Porto de Itajaí se já havia no comando um técnico afinado com a rotina da Autoridade Portuária de Santos?
João Paulo: Fui nomeado por uma escolha do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, mediante indicação do Décio Lima, que é o nosso embaixador, figura mais proeminente do Partido dos Trabalhadores em Santa Catarina. Nessa transição, que havia uma série de coisas emergenciais para serem resolvidas, ele veio [Bonini, do gabinete da Autoridade Portuária de Santos], fez um trabalho fabuloso, mas desde o início a sua investidura foi de forma interina. Eu tenho gratidão pelo trabalho que o Bonini fez, os números estão aí para comprovar, mas a nomeação dele era interina e a minha é definitiva.
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“As nomeações são nomeações técnicas e políticas”
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Críticos dizem que a sua nomeação e a de Marcelo Sodré seria um famigerado “aparelhamento” do porto pelo PT...
João Paulo: Eu respondo que, de cara, é meia verdade, porque o Marcelo é do PDT. Segundo: você queria que a gente nomeasse quem? Um jovem do MBL? Se o governo federal fosse do PL, eles iam convidar alguém do PT? Óbvio que não. As nomeações são nomeações técnicas e políticas. O currículo do Marcelo Sodré é invejável. Ele foi secretário municipal, diretor do Porto, diretor do Semasa, duas vezes vice-prefeito; ele é um advogado, é formado em contabilidade, ele é um empresário. Reúne todas as condições objetivas para o exercício da função. No meu caso, além de ser petista, eu tenho 12 anos de serviços públicos prestados, sem nenhuma passagem que desabone a minha situação. Eu fui presidente do Instituto de Previdência, procurador-geral do Município, secretário de administração; fui da comissão que criou o sistema de água da forma municipalizada. Eu tenho alinhamento político, que é claro que é importante nesse tipo de nomeação, mas eu tenho formação jurídica, formação acadêmica e experiência, até porque a lei que gerencia as estatais – porque a APS é uma empresa pública federal – tem regras de compliance. Não é qualquer um que pode ser nomeado.
Quando o senhor se apresentou como candidato a prefeito de Itajaí, no ano passado, ao responder um questionamento do DIARINHO sobre uma solução para a paralisação de quase dois anos do porto, disse: “A solução do porto não é governamental. Não é um ministro de Estado que está definindo as regras para uso do porto. Ela é uma decisão de uma autarquia, de uma agência, que inclusive foi nomeada pelo governo anterior. Há essa liturgia chamada licitação que tem que ser respeitada...”. Por que agora, enquanto superintendente, o senhor acredita que possa fazer a diferença na administração do porto?
João Paulo: Eu fui surpreendido com a federalização, não fui chamado a opinar sobre isso, não participei de nenhuma discussão que anunciasse esta mudança. Quando você me fez a pergunta lá atrás, eu respondi à luz das regras que eu conhecia. Essa minha resposta era para cobrar das autoridades municipais que apresentassem um modelo definitivo de gestão do porto que estava há dois anos parado. Isso fazia a gente passar ali na frente e ficar triste, chorar inclusive, vendo pessoas entregando panfletos “salve o nosso Porto”. Aquela resposta foi à luz da realidade que lá existia. [O senhor, naquela época, era contra a federalização?] Essa discussão não havia. Quero te dizer que se me perguntassem no ano passado, ou se eu tivesse participado dos debates com os demais candidatos, eu provavelmente defenderia a municipalização porque foi um modelo de muito sucesso, durante muitos anos. Ocorre que, no apagar das luzes, não se cumpriu o que constava do edital da década de 90. O que o edital previa? Que cinco anos antes do término dessa delegação deveria ser iniciado o processo de concorrência definitivo para renovação ou a exploração de uma nova gestão. Isso não foi feito. Hoje, eu defendo a federalização, e não é porque eu fui nomeado não. Eu defendo a federalização pelos números, pelo que Itajaí já está experimentando nesses três meses, pela capacidade de investimento que o governo federal tem, pela qualidade técnica dos funcionários que vieram de Santos promover essa mudança.
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“Eu defendo a federalização pelo que Itajaí já está experimentando nesses três meses, pela capacidade de investimento que o governo federal tem, pela qualidade técnica dos funcionários que vieram de Santos promover essa mudança”
Quantos funcionários o Porto tem e quantos se pode nomear?
João Paulo: Num primeiro momento nós chegamos a ter 30 funcionários de Santos trabalhando aqui, sem nenhum custo para Itajaí ou para a superintendência, custeados todos por Santos, para garantir, principalmente, a questão dos cruzeiros, o alfandegamento, aquelas licenças ambientais que estavam todas vencidas. Além disso, nós temos o quadro efetivo: são 74 funcionários que já existiam e que se mantêm. Agora, a cada dia, nós estamos diminuindo essa dependência de Santos, estamos nomeando as pessoas de Itajaí, da equipe de funcionários efetivos e outros comissionados, e a participação de Santos tem diminuído. Hoje eu acho que nós temos seis funcionários de Santos. [Pode citar alguns nomes de Itajaí, além do Marcelo Sodré, que foram nomeados?] Tem a Márcia, tem o pessoal do RH que foi nomeado... Além disso, tem eu como superintendente, tem o Marcelo Sodré que é o nosso assessor jurídico, nós temos o Zucchi, que foi prefeito de Gaspar por três mandatos, que vai ser nosso diretor administrativo e financeiro; Gerd Klotz, que é da assessoria especial, tem um currículo excelente, para quem não sabe, acha que ele é só jornalista, está fazendo mestrado agora em administração pública na Esag. Tem o meu chefe de gabinete, acho que eu tenho o direito de escolher o chefe de gabinete, que é o Arthur, que é um jovem advogado brilhante, que atua em Itajaí e tem origens em Brusque. A Day, que é a minha assessora de comunicação, que tem conhecimento da nossa cidade, já participou de várias atividades aqui.
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“Hoje, nós já temos um caixa e o fluxo do nosso caixa já dá uns R$ 5 milhões”
A APS ainda não apresentou um plano de trabalho para o Porto de Itajaí. Passados os 30 dias do início do contrato, houve um aditivo prorrogando por mais 60 dias o prazo para elaboração do plano. Como a prefeitura, a APS e o governo federal estão atuando sem planejamento e sem um objetivo claro do que esperar do Porto de Itajaí?
João Paulo: Pelo tamanho do nosso desafio, 60 dias é muito pouco. O que a gente está fazendo são as contingências, regularizando as situações que estavam pendentes. Fizemos outro convênio, estamos tratando da questão do Pallas, que é um problema que nós temos há mais de 100 anos. Vai ser criada uma Comissão Nacional para a constituição da empresa “Docas de Itajaí”. Existe a dívida da dragagem, que é muito importante, que é a nossa conta mais alta. Até dezembro do ano passado, a gente estava sempre no negativo, sempre quebrando, sempre pedindo dinheiro para a prefeitura para cobrir nossas contas. Hoje, nós já temos um caixa e o fluxo do nosso caixa já dá uns R$ 5 milhões. Nós vamos fazer uma prestação de contas dos 100 dias. Depois de a gente prestar contas do que a gente já conseguiu fazer. A gente vai apresentar o nosso planejamento para o futuro.
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“O edital [de dragagem] deve sair, provavelmente, em meados do mês que vem”
Uma das dúvidas é a falta de cessão de uso, por parte do governo federal, para o município, de áreas como o terreno ao lado do Centreventos, os molhes do Atalaia e o parque do Atalaia. Quando será resolvida essa questão das áreas de interesse do município que pertencem ao porto?
João Paulo: Isso já está superado. Quando a gente assumiu, não tinha uma equipe para tocar o porto. A equipe que estava aqui, que é de funcionários executivos, é muito boa, muito dedicada. A preocupação nossa, no primeiro momento, era garantir que esses caras não seriam demitidos. Ou não iriam para o município sem ter uma função definida. O Robison disse que, se dependesse dele, todo mundo seria demitido. A gente acha que isso não era o mais correto. O que a gente fez? Um convênio para dar segurança para essa classe trabalhadora de que eles não seriam demitidos. O prefeito nos cobrou que fosse feito um segundo convênio dando ao município a gestão compartilhada dessas áreas. Esse convênio já foi assinado e essa era a condição que o prefeito tinha colocado para a minha nomeação.
“Eu sou adversário desse modelo [de carga]”
Como está o seu relacionamento com o prefeito Robison Coelho?
João Paulo: Nós temos que separar as coisas. Da minha parte, o respeito, a admiração pela pessoa do Robison, ele tinha, tem e sempre terá. Agora, o Robison fez uma escolha, o Robison que eu apoiei na eleição passada era um Robison do PSDB, que não chamava o filho de 02, não tinha esse cacoete. Não tinha essa personagem. Eu também, eu era do Progressistas, na verdade eu nunca fui do Progressistas, eu sempre fui do PJ, sempre fui do partido do Jandir. Quando o Brasil guinou para a extrema direita, eu me vi obrigado a me alojar na extrema esquerda, porque eu penso absolutamente diferente dessa gente. A minha visão de mundo, de família, de sociedade, de concepção política, filosófica é completamente outra. Isso não muda o meu carinho, a minha estima por ele, pela família, por tudo que ele [Robison] representa. Com ele eu tenho a mais fraterna relação e nós vamos fechar o pau na eleição seguinte, eu não sei quem vai ser candidato do PT, com certeza eu vou estar apoiando, ele vai apoiar o candidato do PL. [O PT vai ter um candidato, então?] No mínimo o Décio. A próxima eleição é governador. [Você pode ser candidato a prefeito?] Eu posso ser candidato a prefeito. [É o seu objetivo?] Não, meu objetivo é ser o melhor superintendente do Porto de Itajaí. Eu sempre pautei minha vida assim. O meu foco é a superintendência. Eu fui para a esquerda, porque eu acho que o PT há muito tempo não é mais extrema esquerda. O PT para mim hoje é um partido quase que social-liberal. Mas eu fui para o extremo oposto da extrema direita. Eu tenho muitas críticas à esquerda, mas em relação à extrema direita, eu tenho nojo, pavor e medo.
O prefeito Robison Coelho anunciou nesta semana o pedido ao governo federal para que a via expressa portuária seja municipalizada. O senhor concorda com a transferência da responsabilidade para o município?
João Paulo: Eu não entendi bem esse pedido, porque assim, a via expressa portuária não é uma BR, é uma rua municipal. [Mas foi uma obra anunciada pelo governo federal...] O governo federal bota dinheiro para fazer a obra. Essa obra não foi concluída, não é por conta do governo federal, não foi concluída por cabeçadas que se deram durante vários governos.
“Ele [Lula] não se pauta por picuinhas. Ele não vem aqui para fazer motociata, passeata.”
Com o retorno da movimentação no porto, ressurgiu um problema antigo: o trânsito de caminhões de contêineres nas vias da cidade. Qual a solução para esse problema?
João Paulo: Primeiro dia que eu cheguei no Porto de Itajaí, feliz com os buzinaços que me atrapalham o serviço, eu designei uma equipe de efetivos para fazer a prospecção de áreas para que a gente tenha estacionamento melhor, maior, iluminado, seguro, com algum tipo de conforto para os caminhoneiros que vêm de fora; para que não se tenha essas filas aqui em Itajaí. [Já tem uma área para fazer esse estacionamento?] Nós estamos fazendo a prospecção. Me avisaram que tinha uma área com preço bom, digo assim de metro quadrado, que inclusive fica na via expressa portuária. É um processo que passa por uma licitação e tudo.
Como está o andamento para o edital de arrendamento definitivo do Porto de Itajaí? Há risco de o governo federal não lançar o contrato definitivo dentro dos dois anos previstos no contrato provisório?
João Paulo: Andou. A semana passada estive em Brasília com o vice-presidente, depois com o secretário executivo de Portos e Aeroportos, e lembrando que agora vai ser dividido. Antes, nós tínhamos uma autoridade portuária que cuidava da manutenção do canal e o governo federal decidiu dividir. Nós teremos uma concorrência definitiva de 25 anos para a empresa que vai fazer a gestão da manutenção do canal, que é o acesso, e outra para o porto. Essa do canal está mais adiantada. O edital já foi, se não me engano, para o TCU para ser editado e deve sair provavelmente em meados do mês que vem. A do porto está um pouco para frente e como a gente ainda não tem esse edital, eu vou começar um esforço, um trabalho, para apresentar o nosso porto para os grandes players mundiais para conseguir que essa concorrência definitiva tenha o maior número de concorrentes possíveis para que a gente tenha a melhor e mais agressiva proposta do porto.
“Eu tenho muitas críticas à esquerda, mas em relação à extrema direita, eu tenho nojo, pavor e medo”
O edital definitivo para 25 anos para o novo arrendamento do porto, corre o risco de a gente perder o prazo?
João Paulo: Não, não tem risco. Eu sou neurótico com horários e neurótico com prazos. O cronograma está sendo cumprido em absoluto e nós temos agora o desafio de criar a nova empresa municipal. Nova empresa federal que vai tocar docas. O prazo que eu trabalho é antes do fim do ano. Porque no caso da empresa pública, a gente além de constituir essa empresa como um todo, a gente tem que constituir ela no prazo de colocá-la no orçamento federal para o ano que vem. Porque se eu crio e passo o prazo do orçamento, ela só vai de fato acontecer em 2027. Aí teria que ser prorrogada essa delegação do Porto de Santos, que é uma coisa que a gente não quer. Dois meses para resolver a questão do canal, seis meses para ter o definitivo do Porto, um ano para ter a empresa pública. Claro que isso não depende só de mim, depende de vários órgãos, Antaq, Ministério, ambiental, mas é o planejamento que a gente tem.
Existe a possibilidade da operação de carga a granel no porto?
João Paulo: Eu tenho recebido muita demanda sobre isso, gente a favor e a maioria contra. Eu, pessoalmente, sou absolutamente contra. Vou dar toda a minha energia para que isso não ocorra e posso te dizer que, enquanto eu for superintendente, isso não vai ter. Eu sou adversário desse modelo. A gente recebe muito retorno, não é só com a operação do Porto em si, é com o retorno dos impostos que estão na operação portuária. Enquanto uma carga como essa que você mencionou deixa lá R$ 10 mil de imposto, dependendo do que tem dentro do contêiner, deixa lá R$ 1 milhão, R$ 100 mil de impostos. Claro que eu vou priorizar aquilo que está no contêiner, aquilo que tem valor agregado. A operação é mais rápida, é mais segura, é mais limpa, não tem risco.
Sindicatos ingressaram com processo contra a União e a prefeitura, requerendo R$ 14 milhões por perdas decorrentes da paralisação do porto. O que se busca, de fato, com esse processo e qual a tramitação atual?
João Paulo: Tema delicado. Quero dizer que a Intersindical dos Trabalhadores me brindou com um manifesto coletivo de apoio. Eu sou grato a eles por conta deste apoio. Pedi análise do meu corpo jurídico, tenho algumas preocupações com essa ação... [Quais são os dados de movimentação do Porto?] São muito bons. Nós faturávamos no ano passado, em janeiro, R$ 7.664.820. Em janeiro desse ano, R$ 18.005.478. Em fevereiro, que diminui o número de navios de cruzeiro, faturávamos R$ 6.483.028. Agora em fevereiro, R$ 16.027.963. E outra coisa que você tem que lembrar, a superintendência do porto, ela era uma autarquia municipal, não recolhia ISS. Como a gente está operando pela APS, agora emitimos nota fiscal e pagamos o ISS. Receita que a prefeitura não tinha, dinheiro que o prefeito tem hoje para a Saúde, Educação, Segurança...
Já foram anunciadas, em diversas ocasiões, visitas do presidente Lula a Itajaí, mas elas não se confirmam. Existe realmente alguma previsão oficial dessa visita?
João Paulo: Primeiro que a presidência da República é uma instituição. A agenda dele é uma agenda afetada pelas questões do Oriente Médio, pela eleição do Trump, pela COP. A vontade do presidente Lula é estar aqui e estar aqui para fazer entregas. O presidente Lula, nas últimas duas eleições, não foi vitorioso aqui. Ele e o Haddad não foram vitoriosos aqui. Diferente do governador, ele também não se pauta por quem votou nele, por quem é amigo, por nada disso. Ele quer vir. Ele quer estar com o povo catarinense. Ele não se pauta por picuinhas. Ele não vem aqui para fazer motociata, passeata. Ele vem aqui para fazer entrega. Nós estamos ansiosos para receber o presidente Lula. O presidente está no Japão agora, mas ele deve vir no primeiro semestre para Itajaí.