De Chapecó para o DIARINHO
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Após cinco dias de angustiante espera, no sábado os corpos das vítimas da queda do avião que levava a delegação da Chapecoense à Colômbia finalmente chegaram a Chapecó.
Debaixo de forte chuva, os caixões de atletas, dirigentes e jornalistas foram recebidos com honras por soldados do Exército. Porém, foi o velório coletivo de 50 vítimas, na Arena Condá, que mais emocionou. Foi o momento em que a cidade presenciou o tamanho da tragédia e chorou, mais uma vez, por seus guerreiros.
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Os primeiros corpos chegaram ao aeroporto de Chapecó por volta das 9h30 de sábado. Em seguida um segundo avião da Força Aérea Brasileira (FAB) aterrissou trazendo mais 25 vítimas. A princípio três voos foram organizados de Medellín para o Brasil, mas em Manaus uma das aeronaves teve problemas e os caixões foram remanejados um quarto voo foi feito para São Paulo.
A recepção no aeroporto contou com a presença do presidente da República, Michel Temer (PMDB). No local, foi realizada uma reunião particular com autoridades e os familiares das vítimas um pouco antes da chegada de dois aviões da FAB. O presidente acompanhou a chegada das vítimas e depois foi ao estádio na sexta-feira, a ideia era que ele ficasse no aeroporto para fugir de vaias, o que lhe rendeu críticas no Brasil inteiro.
Os corpos foram recepcionados com salvas de tiros. Após todas as urnas funerárias passarem em frente a uma coluna de soldados e das lideranças políticas, elas foram colocadas em quatro caminhões abertos para o traslado até o estádio. O trajeto contou com a presença de várias forças federais, incluindo autoridades e parentes das vítimas.
É um momento de comoção, não foi superado ainda, isso tudo é muito importante para que as famílias possam receber os corpos. Acho que esse momento é importante para o reerguimento da Chapecoense. Não vai faltar apoio do governo do estado de Santa Catarina, afirmou o vice-governador Eduardo Pinho Moreira.
Já o coronel da polícia Militar, Luis Carlos Balsan, que esteve à frente da organização do velório, explica que foi feito um espaço privativo às famílias, para que elas ficassem preservadas durante as despedidas.
Cortejo até a arena
O transporte até a Arena Condá também emocionou a população de Chapecó. Conforme os quatro caminhões abertos avançavam pelas ruas da cidade, muita gente se mobilizava para dar o último adeus. Moradores e torcedores ficaram esperando pelo cortejo, com flores, bandeiras e cartazes para homenagear o time.
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Porém, a comoção maior foi na chegada a Arena Condá, onde aproximadamente 15 mil torcedores aguardavam os guerreiros, embaixo de chuva forte, desde às sete da manhã, quando os portões do estádio foram abertos.
A participação da comunidade com flores, velas e até oração índigena Kaingang mostrou a união que o time proporcionou na cidade em cada canto havia uma homenagem a Chape por ter representado tão bem o Oeste catarinense.
Paixão de berço
A torcida acabou ficando com acesso restrito às arquibancadas. O estádio só tem capacidade para 19 mil pessoas e foram colocados telões do lado de fora do estádio para que todos pudessem dar seu último adeus.
Loreci Kessler é torcedora da Chapecoense desde os 13 anos. A paixão vem de família a mãe dela tem 106 anos e nunca deixa de acompanhar os jogos da Chape. Você já vem de um berço torcendo por um time, então é uma dor muito grande. Cada jogo que tinha eu batia foto e dizia hoje índio deu uma flechada. Para nós não tem mais Natal. É só ajudar o nosso time se reerguer, lamenta.
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Torcedores de outros times também estiveram presentes no velório coletivo na arena. Eurani da Silva veio de Laguna para dar apoio aos chapecoenses. Ele torce para o Palmeiras, mas nesse momento trocou a camisa do time paulista pela da Chape. Eu acho que o Palmeiras vai apoiar também, esse clube tem muita força e vai se reerguer, acredita.
Homenagens emocionam o público
O velório coletivo na Arena Condá contou com orquestras e homenagens às vítimas da queda do avião da LaMia, que começaram a chegar ao estádio por volta das 12h30.
A cerimônia teve ainda a presença das crianças que jogam na escolinha de futebol da Chapecoense carregando as bandeiras do Brasil, da Colômbia, de Santa Catarina, de Chapecó e do Verdão do Oeste. Após, foram executados o hino nacional e o hino da Chapecoense.
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A mãe do goleiro Danilo, dona Ilaídes Padilha, emocionou ao chegar ao velório e dar a volta no estádio cumprimentando torcedores, que gritavam o nome do filho e ídolo do Furação. Desde que chegou a Chapecó, na semana passada, ela chamou atenção pela força e carinho com que tratou a todos, inclusive abraçando um jornalista em nome das vítimas que se foram.
Outro momento emocionante foi quando pessoas que trabalharam com a equipe levaram balões brancos para o centro do campo simbolizando cada uma das vítimas eles foram soltos assim que os nomes foram lidos pelo cerimonialista e acolhidos pelos torcedores com aplausos.
O clube homenageou os familiares entregando uma camiseta com o nome dos jogadores. O embaixador da Colômbia no Brasil, Júlio Bitelli, também recebeu uma placa agradecendo a solidariedade prestada pelo povo colombiano ao Brasil.
Além dos atletas, 21 jornalistas morreram no desastre aéreo. Bruno Pace Dori é primo do assessor de imprensa do clube, Gilberto Pace Thomaz, que foi uma das vítimas. A família sempre vai guardar a lembrança de um cara sempre sorrindo, de bom humor, otimista e que, acima de tudo, amava a Chapecoense. Antes de trabalhar na equipe, ele amava o time como torcedor, conta.
Chapecoense voltou como lenda
A cerimônia durou cerca de duas horas. Além do presidente do Brasil, do embaixador da Colômbia e do governador Raimundo Colombo (PSD), diversas outras autoridades estiveram presentes, como o técnico da Seleção Brasileira, Tite; presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Marco Polo Del Nero; presidente da FIFA, Gianni Infantino; presidente da Conmenbol, Alejandro Domíngue, e o bispo de Chapecó, Odelir Magri, que leu uma carta enviada pelo Papa Francisco desejando coragem às famílias.
O prefeito de Chapecó, Luciano Buligon, fez um discurso emocionado. Vestindo uma camisa do Atlético Nacional, ele iniciou sua fala dizendo que Deus também tinha o direito de chorar, por isso chovia tanto na arena.
Também agradeceu aos colombianos pelas homenagens e toda força que deram à Chapecoense. Não é à toa que visto essa camisa. O clube fez uma belíssima homenagem a todos nós, mas o mais brilhante foi a frase que cunharam em sua página na internet: A Chapecoense veio para Medellín com um sonho e voltou como uma lenda.
Buligon ainda afirmou: lendas não morrem, lendas deixam para nós heranças, heranças de uma administração transparente, de um futebol feito do jeito antigo de fazer futebol. Lendas deixam para nós a garra de que uma cidade pequena e do interior do Brasil pode ser gigante quando une forças de gente do bem, com bons atletas, com boa diretoria, com um bom povo, e com gana de vencer e conquistar. Esse é o legado que a Chapecoense nos deixa, completou.
Antes dele, o presidente em exercício do clube, Ivan Tozzo, havia reforçado que a luta do clube vai continuar. O sonho não acabou. Somos todos Chapecoense.
As homenagens ainda contaram com a presença de amigos, ex-jogadores e atletas de vários clubes brasileiros, como Cleber Goiano. O jogador de futebol, que autuou por três temporadas na Chapecoense, perdeu muitos amigos na tragédia e teve um pedido realizado por um deles, o atacante e artilheiro Bruno Rangel. Eu havia pedido para que ele pegasse uma camiseta do Palmeiras para meu filho, durante o jogo que ia ter, e ele falou pode deixar. Quando soube do acidente vim dar apoio para a família dele, foi aí que eu soube que ele havia pegado a camiseta pra mim. A gente fica abalado, porque ele não vai poder entregar, dizia, emocionado.
Sepultamentos
Das 50 vítimas levadas para Chapecó, apenas 17 foram enterradas na cidade. No cemitério Jardim do Éden foram sepultados o médico Marcio Koury, o preparador físico Anderson Paixão, o radialista Fernando Schardong, além de membros da comissão técnica e direção Ricardo Porto, Mauro Dall Belo, Nilson Folle Junior e Anderson Donizeti. No domingo foram enterrados no local Cleberson Fernando da Silva, Edson Luiz Ebeliny e o presidente da Chapecoense, Sandro Pallaoro.
Já no cemitério central Jardim Ecumênico foram feitos os sepultamentos do jornalista Gilberto Pace Thomaz, do massagista Sérgio de Jesus, dos dirigentes Emersson di Domenico, Mauro Luis Stumpf, Decio Sebastião Burtet Filho e Jandir Bordignon e do empresário Davi Barrela Dávi. Os outros corpos foram levados pelas famílias para suas cidades natais.
Os jornalistas do Grupo RBS em Santa Catarina foram conduzidos direto a Florianópolis por um voo fretado. Em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Paraná também houve velórios e celebrações em homenagens a jogadores e jornalistas mortos na tragédia. O corpo do zagueiro Filipe Machado, por exemplo, foi velado na Arena do Grêmio.
Chapecoense deve ser declarada campeã da Sul-americana
A Conmebol deve declarar a Chapecoense como campeã oficial do título da Copa Sul-americana 2016. A informação teria sido repassada pelo presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, ao presidente em exercício do clube, Ivan Tozzo.
Tozzo disse em entrevista, em Chapecó, que o clube também vai receber a premiação de dois milhões de dólares pelo título e a taça da competição. Agora, a entidade ainda precisa submeter a decisão ao conselho e agilizar a burocracia para dar o título ao time catarinense.
O adversário da Chape na final da Sul-americana, o Atlético Nacional de Medellín, já solicitou publicamente para que a entidade dê o título a Chapecoense. Não há data para que isso aconteça e a Conmebol não está falando oficialmente do assunto.
Quando os caixões chegaram, eu sabia quanto sofrimento veio junto
Por Maikeli Alves
geral@diarinho.com.br
Às 8h33 de terça-feira, 29 de novembro, acordei com uma ligação da minha editora no DIARINHO, a Franciele Marcon. Era minha folga. Quando atendo o telefone, ela pergunta se eu já estava sabendo do que aconteceu com a Chapecoense. Digo que não e ela conta que o avião da equipe caiu na Colômbia. Pergunto se é mesmo verdade, ela confirma, fala das mortes e me manda fazer a mala para ir a Chapecó.
Na hora não tinha caído direito a ficha, mas quando ligo a televisão para me inteirar do assunto, meu estômago se embrulha e a adrenalina de ir para um lugar que eu não conheço me coloca no automático para agilizar tudo. Por volta das 11h, eu e o fotógrafo Marcos Porto, meu colega dos tempos de RBS, seguimos para o Oeste de Santa Catarina.
No caminho fico zapeando as rádios, olhando a internet e tentando entender tudo que estava acontecendo. Por volta das 19h entramos em Chapecó e mesmo sem nunca ter estado ali eu já sentia que a cidade estava diferente. Meia hora depois chegamos a Arena Condá para dar início a uma das coberturas mais difíceis que já fiz.
O Marcos começou a fotografar e eu iniciei as entrevistas. Queria abraçar todos aqueles torcedores e familiares, vontade de chorar com eles. Quando começam a cantar as músicas da torcida e a chamar os nomes dos que se foram, encho os olhos de lágrimas. Seguro o choro e continuo o trabalho. O dia seguinte seria pior.
Pela manhã, já tinha gente em vigília no estádio. Centenas de jornalistas em campo e nas arquibancadas fazendo flashes ao vivo, equipes de televisão a postos. Me senti mal por ter que contar a história da tragédia que destruiu os sonhos daquela cidade e de um time tão querido, que chegava ao auge de sua história. Entrevistar aquelas pessoas foi a coisa mais difícil que fiz como jornalista.
Lembro dos vídeos que circulam na internet antes do voo trágico. Todos felizes. Penso nos colegas mortos e na satisfação que deviam estar ao fazer a cobertura de um jogo tão importante. De novo, vem as lágrimas. O jornalista André Podiacki, da RBS, foi meu colega. Nunca tive muito contato com ele em função da distância, mas chegamos a trocar e-mails sobre pautas esportivas. Era um cara gentil, me dando dicas para elaborar um perfil de um técnico.
Engulo o choro e faço o meu trabalho. Escrever, naquele dia após o acidente, foi complicado. As palavras não saíam como eu queria. Pensava na cidade, tão silenciosa, e na dor que eu sentia pelas vítimas.
Falar com os atletas que ficaram também foi difícil, a coletiva abarrotada de jornalistas ainda mais, principalmente quando o presidente em exercício, Ivan Tozzo, falou sobre o voo que não pegou porque teve um pressentimento ruim. Ele se emociona e me faz pensar de novo na tristeza desse acidente. Era pra ser uma semana de festas. Foi uma semana de luto.
Sentada na sala de imprensa, foco em escrever. Desvio algumas vezes o olhar do computador para ver um dos meus ídolos, o jornalista Caco Barcellos, ali na minha frente, me perguntando se a tomada funciona. Na hora até penso na grandeza de tudo aquilo. Depois me envergonho por querer uma selfie com o Caco. Esqueço meu capricho bobo e retomo às ideias.
Saio do QG da imprensa quando os torcedores já lotavam a arena. Parecia dia de jogo, um dia de festa. Mas era o dia mais triste que aquela cidade já viveu. De novo falar com as pessoas se tornou um martírio e eu só tinha vontade de chorar. Consolar de alguma maneira o que era inconsolável. Me colocar no lugar deles tornava a situação mais dolorosa e nem podia imaginar o meu time, o Grêmio, vivendo algo assim.
As homenagens foram emocionantes. Todo estádio estava iluminado pra eles, os guerreiros que representavam todo o Oeste de Santa Catarina e se foram tão tragicamente. Era um voo cheio de sonhos e as palavras me faltavam para contar tudo que aquilo representava.
Acordei no dia seguinte para dar meu adeus a Chapecó. Pela manhã, chorei junto com um casal que olhava as mensagens de adeus deixadas na entrada do estádio. A Chape fazia parte da história deles. Se conheceram na festa do título do Catarinense de 2007 e se casaram. Abraçados, os dois choravam tanto que me senti uma intrusa ao falar com eles.
Fomos embora e até agora eu sinto um vazio inexplicável. Na sexta-feira, quando sentei na redação, me transportei de volta ao estádio e fiquei lembrando de tudo o que vi e vivi naqueles três dias intermináveis. E depois de ter escrito tudo isso não tenho palavras para descrever como estou me sentindo, não sei dizer quantas lágrimas ficaram presas. Só sei que a dor de Chapecó vai ficar para sempre na minha memória, assim como aqueles rostos, vozes e o choro de cada um que passou por mim.
Sábado, quando os caixões chegaram ao Oeste, eu não estava mais lá. Mas sabia exatamente quanto sofrimento veio junto com eles. Pela televisão, chorei com as famílias e a torcida. Sei que foi o dia em que a cidade conseguiu compreender que o acidente realmente aconteceu. Que é verdade, e que só o tempo vai fazer com que superem essa tragédia. Força Chape! Força Chapecó!
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