Famílias de pescadores desaparecidos entram na justiça por terem sido abandonadas
Familiares não receberam qualquer tipo de auxílio da empresa dona do barco
Franciele Marcon [fran@diarinho.com.br]
Arildo deixou três filhos; Edmar com a esposa e o filho; João tinha uma bebezinha recém-nascida; Rafael deixou três filhos com menos de 11 anos
(Foto: Acervo pessoal)
As famílias de quatro dos seis pescadores desaparecidos após o naufrágio do barco “Manuela Simão”, de Itajaí, entraram na justiça requerendo os salários atrasados e auxílio financeiro da empresa armadora da embarcação após o desaparecimento do barco na costa do Rio do Grande do Sul, no dia 4 de novembro de 2023.
Madson Orlando Simão, armador e proprietário do barco, estava em alto-mar com os pescadores João Maricelo Matos Santana, Rafael Matos Santana, Elizandro Rodrigues Silveira, Arildo Honorato ...
Madson Orlando Simão, armador e proprietário do barco, estava em alto-mar com os pescadores João Maricelo Matos Santana, Rafael Matos Santana, Elizandro Rodrigues Silveira, Arildo Honorato e Edmar Marcelino Ribeiro, quando o barco naufragou. Até hoje nenhum corpo ou a embarcação foram localizados.
As famílias de João, Rafael, Arildo e Edmar procuraram o DIARINHO para denunciar a falta de amparo da empresa armadora. Desde o dia 18 de outubro, quando os pescadores saíram de Itajaí para a pesca de atum, as famílias não recebem salário ou qualquer tipo de assistência.
Com o desaparecimento do barco, a esposa de Madson Orlando Simão não deu qualquer apoio financeiro ou emocional às esposas e filhos dos tripulantes. Rafael, João e Edmar moravam com as famílias no Rio de Janeiro. Arildo era morador de Navegantes e Madson de Itajaí. Os familiares de Elizandro não se manifestaram ainda.
Rafael deixou três filhos, de 1 ano e 3 meses, 3 e 10 anos, e a família era totalmente dependente dele. Segundo Diana, a família era do nordeste, mas estava morando no Rio de Janeiro. Após o naufrágio, com a falta de assistência, ela e os filhos retornaram para a cidade natal no estado do Ceará.
Diana soube do naufrágio através de Silvania, esposa do tripulante Edmar. Ela conversou com a esposa de Madson, Claudiane Simão, que confirmou o naufrágio, chegou a pedir ajuda financeira para as despesas da casa, mas Claudiane não teria atendido ao pedido e também não respondeu mais os contatos de Diana. Para ajudar a família, pescadores fizeram uma vaquinha on-line.
João era casado com Beatriz e tinha uma filha de seis meses. Ela soube do naufrágio por Diana. Edmar deixou a esposa Silvania e um filho de 11 anos. “Claudiane [a esposa do armador] sequer teve a dignidade de avisar sobre o ocorrido, fiquei sabendo por outra pessoa, ela não fez nada”, conta Beatriz. A família está sobrevivendo através do programa Bolsa Família. “Nada nos foi pago, estamos num total abandono”, conta.
O pescador Arildo deixou os filhos Rafael, João Victor e Arildo Junior, de 18, 22 e 24 anos. Ele era o único morador da região, e todos os filhos já estavam trabalhando, sendo que somente o mais novo, de 18 anos, recebia pensão do pai. “A família soube por um PDF de grupo de WhatsApp sobre o naufrágio”, lamenta um dos filhos de Arildo.
Ação na justiça
Diante da falta de apoio da empresa armadora, as famílias contrataram as advogadas Daniela Giglio Corrêa e Sara Regis Goularte para buscar na justiça ressarcimento aos familiares. “É com grande preocupação e determinação que afirmamos nosso compromisso contínuo com a defesa dos direitos das esposas e filhos dos pescadores. Estamos envolvidas nesse caso há meses, oferecendo todo o apoio e suporte necessários às quatro famílias afetadas. Diante da inércia enfrentada até o momento, queremos deixar claro que tomaremos todas as medidas judiciais cabíveis e urgentes. A situação atual os deixou de mãos atadas”, comentaram as advogadas.
O DIARINHO não conseguiu contato com a esposa do armador, Claudiane. Já o Sindipi informou que deu todo o apoio durante as buscas, auxiliou nos contatos com a Marinha do Brasil e do Uruguai. No entanto, o sindicato não se envolve em problemas sobre documentação de embarcações ou na relação patrão e empregado das empresas associadas.
Embarcação estava em alto-mar de forma irregular
Apesar da maioria da tripulação ser do Rio de Janeiro, o barco era de Itajaí e foi daqui que eles saíram para alto-mar para pescar atum no dia 18 de outubro. O grupo deveria retornar no dia 11 de novembro. No entanto, segundo a esposa do armador, no início de novembro a embarcação perdeu o sinal de GPS na costa do Rio Grande do Sul.
No dia 13 de novembro, Claudiane procurou a Marinha do Brasil para comunicar oficialmente o desaparecimento. O último sinal foi no dia 4 de novembro, próximo à costa do Rio Grande do Sul. Antes de perderem o rastreador, não houve qualquer relato de emergência pelos tripulantes. A Marinha fez buscas, inclusive com a ajuda da Armada do Uruguai, mas nem vestígios da embarcação foram encontrados.
O Inquérito Administrativo sobre Acidentes e Fatos da Navegação (IAFN), com a investigação da Marinha do Brasil, foi encerrado no dia 8 de março e apontou que a embarcação “Manuela Simão” estava com a tripulação irregular e navegava fora da área de segurança da Marinha. “Foi apontado o fator imprudência, visto que a embarcação navegava em área não autorizada, estando aproximadamente a 120 milhas náuticas de distância da costa, uma vez que o limite permitido para sua navegação era de até 20 milhas náuticas, em Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB), por tratar-se de embarcação classificada para mar aberto-cabotagem”, informou a Marinha.
O mestre do Manuela era habilitado como condutor/motorista de pesca (CMP), mas deveria ser habilitado como patrão de pesca de alto-mar (PAP). “Conduzir embarcação ou contratar tripulante sem habilitação para operá-la resulta em penalidade de multa”, concluiu a nota da Marinha do Brasil. O inquérito ainda apontou que três tripulantes que estavam a bordo não tinham habilitação – o que pode indicar imperícia.
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