Itajaí
Invasores da vizinhança do aeroporto recebem ordem pra simandar
Prefa intimidou moradores a sair do local em duas horas, mas depois do berreiro deu um mês pra galera vazar
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Todos os dias, Izaque Nogueira, 28 anos, acompanha o vai e vem das pequeninas luzes dos aviões que pousam e decolam no aeroporto de Navegantes. Como estrelas cadentes, elas rompem a escuridão da madrugada e anunciam a chegada ou a partida de mais uma aeronave. Não fosse o barulho ensurdecedor das turbinas, a rotina do trabalhador seria muito mais agradável.
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Izaque trabalha como atendente no estacionamento do aeroporto, da meia-noite às 6h da manhã. A esposa, Josiane Aparecida Nogueira, 25, também se acostumou aos sons das turbinas. Ela exerce a mesma ...
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Izaque trabalha como atendente no estacionamento do aeroporto, da meia-noite às 6h da manhã. A esposa, Josiane Aparecida Nogueira, 25, também se acostumou aos sons das turbinas. Ela exerce a mesma função do meio-dia às 18h. Ontem de manhãzinha o casal foi informado que, para permitir a ampliação do aeroporto, eles têm 30 dias para desmontar a meia-água onde moram com os quatro filhos. Pelo menos outras 40 famílias estão na mesma situação: invadiram um terreno público e vivem de forma irregular.
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A morada de madeira de três metros por sete fica no loteamento Jardim Eldorado, no bairro Meia Praia. Depois de pagar quatro anos de aluguel, Izaque comprou a área em 2011, dando como pagamento uma geladeira, um conjunto de cozinha e uma TV. Não houve nenhuma despesa com cartório, já que não há escritura ou um contrato de gaveta. Nesse local, ele não precisa gastar com água nem luz. Assim como as casas todo o abastecimento na área invadida é clandestino. Ninguém paga imposto e tudo acaba pesando no bolso de todos os moradores da city dengo-dengo que têm os papélis em dia.
Toda a área invadida forma uma baita favela. Cerca de duas mil famílias montaram, ao longo dos anos, seus casebres em terrenos desabitados. Ruelas foram abertas e a estrada logo vira um lamaçal quando o céu manda chuva. Quase todas as propriedades são casinhas. Cerca de 40 ficam num terreno que pertence à city dengo-dengo desde 1996. Na época, a Infraero disponibilizou quase R$ 2 milhões pra prefa desapropriar os imóveis. Esse seria o primeiro passo pro projeto de ampliação do aeroporto de Navegantes.
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Em março de 2010, o prefeito Roberto Carlos de Souza (PSDB) decretou toda a área de 3,5 milhões de metros quadrados como utilidade pública pro alargamento do sítio aeroportuário dengo-dengo. No entanto, somente no começo deste ano é que a prefa conseguiu indenizar todos os proprietários e conquistou o direito de propriedade do espaço. À medida em que a prefa indenizava os donos dos terrenos, novos moradores surgiam de forma irregular.
De acordo com a Procuradoria Geral do município, nas últimas semanas as ocupações se intensificaram e a prefa precisou agir. Uma medida administrativa de urgência foi adotada: a contar das 7h de ontem, a prefa determinou que no prazo de duas horas todos os invasores das terras públicas retirassem seus pertences do local. A notícia, revelada por meio de notificação extrajudicial, deixou os moradores das 40 casas revoltados e abalados. Um amontoado de madeira foi reunido no coração da favela e incendiado.
Pra conter os ânimos, 11 policiais militares armados ficaram de plantão na invasão. Apesar de nenhum confronto registrado, a PM apreendeu um coquetel motolov próximo da fogueira.
Isso é cruel. A gente não tem valor nenhum
Enquanto o filho João Vinícius, de um aninho de idade, brincava descalço na poça de lama formada pela chuva da madrugada, Josiane conta como foi parar na favela de Navegantes. Natural de Concórdia, no oeste da Santa & Bela, veio ainda menina pra city dengo-dengo com a família. Ela cresceu no bairro São Paulo e foi lá que encontrou Izaque, natural de Laranjeiras do Sul (PR). Aos 15 anos ela teve o primeiro filho. Seis anos depois, veio o segundo. Foi então que teve que deixar a casa do pai e procurar algum lugar pra criar os filhos.
Durante quatro anos o casal pagou R$ 500 de aluguel. Quando ficou grávida do terceiro filho, eles tiveram que guardar o dinheiro do aluguel pra comprar fralda e comida. Foi então que descobriram um investimento barato na invasão do Jardim Eldorado. A gente se desfez de tudo o que tinha em casa pra comprar o terreno, revela Izaque.
O negócio rolou no final de 2011, mas só em abril do ano seguinte eles conseguiram se mudar. Eu mesmo tava construindo, fazia devagarzinho. Mas daí desmancharam a nossa casa. Então, eu construí uma casa nova em um dia e a gente se mudou em 13 de abril de 2012, lembra.
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A notícia do despejo deixou Josiane, literalmente, sem chão. Ela não sabe pra onde ir com o marido e os filhos. Abatida, não sabe por onde recomeçar. Isso é cruel. A gente percebe que a gente não tem valor nenhum, lamenta.
Novo prazo pra desocupação vai até 15 de agosto
Quatro retroescavadeiras já estavam a postos pra derrubar todas as casinhas. No entanto, não puderam entrar em ação enquanto o secretário de governo de Navega, Cassiano Ricardo Weiss, negociava a saída dos invasores durante a tarde de ontem. Todas as famílias afetadas alegavam que duas horas era pouco pra retirar os pertences e encontrar um lugar pra ficar. Pra onde a gente vai? Quero ver o juiz que mandou tirar a gente daqui. Não tem um juiz nessa notificação, lamentava Sandra Brigido, 32.
Com o berreiro, no início da tarde de ontem, a prefa estendeu o prazo pra 72 horas. A prefa ainda ofereceu transporte pra carregar os bagulhos do povão e passagens de buso pra quem quisesse voltar pra terra natal. Contudo, os moradores continuaram insatisfeitos.
Aglomerados ao redor de Cassiano, moradores e curiosos de áreas não afetadas pelo projeto de ampliação do aeroporto esbravejavam, inconformados com a medida. Que a prefeitura arrume outro lugar pra gente ficar, berrou um morador. A prefeitura não tem outra área para disponibilizar. Nós sabemos que é uma situação delicada, mas quem está na área de propriedade da prefeitura vai ter que sair, rebateu Cassiano.
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No final da tarde de ontem, finalmente chegou-se num acordo. Até o dia de 15 agosto, todos os invasores terão de ter levantado acampamento e picado a mula do terreno público. Cassiano prometeu que, durante esse período, a secretaria de Assistência Social de Navega vai fazer um cadastramento de todas as famílias e vai tentar encontrar uma forma de auxiliá-las.
De acordo com o professor da Univali, doutor em direito administrativo, José Carlos Machado, a prefa tem a obrigação de retirar as pessoas que invadiram um terreno público. Diferentemente do que acontece numa terra privada, quando o proprietário pode mandar alguém sair do local ou não, o poder público não tem essa escolha.
Ele revela que, por conta da invasão, a prefeitura não tem a responsabilidade de encontrar um novo lugar pra assentar essas pessoas. Mas o dotô lembra da responsabilidade social do poder público. O poder público tem o dever de desocupar esse terreno invadido. No entanto, não podemos esquecer que isso aponta para outro problema de ordem social que precisa da atenção do município, reforça.
Novo aeroporto
O superintendente do aeroporto de Navegantes, Marco Aurélio Zenni, afirma que não tem nada a ver com a desocupação. Ela comenta que a área está em nome da prefeitura e deve ser repassada à União pra ampliação do aeroporto. Nós apenas estamos esperando que se regularize essa situação para que o terreno seja transferido pra União, afirma.
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Com a ampliação do aeroporto, será construída uma nova pista de 2260 metros e um novo terminal. Com uma pista mais longa, Navegantes poderá receber aeronaves bem maiores, uma vez que a atual pista de 1940 metros de extensão não dá conta de receber aviões grandões, como os cargueiros.
Não há previsão pro início das obras, já que depois das terras serem transferidas pra união, elas precisam ser entregues à Infraero. Depois disso, ainda será preciso realizar os estudos de impacto ambiental e seguir com as licenças.