mariangela@diarinho.com.br
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Hora do café no estaleiro Império Yachts. O portão alto e largo, fechado, parece o de uma oficina mecânica. Lá dentro, no refeitório, os seis empregados saboreiam o lanche preparado pela co-proprietária da empresa, Marcela Ester Domingos. O cheiro de tinta e fibra enche o ar, e as fôrmas ao lado das lanchas prontas revelam a verdadeira natureza do negócio: fabricação de barcos, desde a concepção até a finalização.
O marido de Marcela, Márcio Roberto Rebello, é advogado por formação. Há cinco anos, soube que o estaleiro DM estava se desfazendo das fôrmas muito apreciadas pelos conhecedores da arte naval. David Moreira, proprietário da empresa, havia falecido, e a viúva tava colocando todo o material à venda. Como tinha experiência de navegação em lancha e moto aquática, Márcio viu a ocasião perfeita pra dar impulso ao negócio que desejava realizar. Mandou-se para o Rio de Janeiro e de lá trouxe os moldes que deram início à produção em terras peixeiras. E bem no coração da cidade!
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O casal mora com os três filhos perto do estaleiro. Em plena rua João Gaya, na Vila Operária, eles chegaram à conclusão de que o espaço já não comporta mais a produção dos moldes e lanchas, além das reformas que os clientes solicitam, depois de algum tempo de uso dos barcos. É preciso mudar, concluem, e já procuram terreno maior e afastado da muvuca da cidade.
Do jeito que está, o estaleiro consegue entregar dois barcos novos a cada quatro meses. Se tivéssemos mais espaço e mais gente pra trabalhar, poderíamos agilizar a produção, conta Márcio. Marcela acrescenta: Temos lista de espera; quando vai terminando uma série, já mantemos contato com o cliente pra começar o planejamento do jeito que ele pretende.
Nesses cinco anos de trabalho, já nasceram 17 barcos, da lanchinha DM 200, de 20 pés (seis metros), transportável por carretinha acoplada ao carro, às DMs 280 e 340. E vem novidade por aí. Até o fim do ano, teremos a de 26 pés, pra pesca, diz Márcio, otimista e entusiasmado.
Características próprias
Ao adquirir o conjunto de moldes em madeira e as patentes da DM, Márcio percebeu que o mais recente lançamento daquele estaleiro, na época, o DM 28 Caribe, não tinha sido bem recebido pelos clientes. A principal característica da marca, que é o casco chamado carinhosamente de marinheiro, tinha sido alterada, por isso o barco havia perdido a navegabilidade, que o distinguia no mercado. Então, tirou o DM 28 da produção e investiu no novo modelo do DM 340 Celebration, pronto em 2010. Sucesso total.
A volta do casco marinheiro e as inovações implementadas fazem desta lancha a menina dos olhos do Império Yachts. A surpresa do espaço interno (2,05m de pé direito) e o maior deque da categoria são apenas detalhes. A experiência do presidente da empresa com motos aquáticas o inspirou a caprichar nas bolinas (quilhas laterais, como nos jets). O ângulo acentuado em V e os demais implementos fazem com que esta lancha e as demais da marca do tridente garantam uma navegação segura, sem pancadas, mesmo em mar grosso, garante o advogado-construtor naval.
Os desafios do dia a dia
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É preciso organizar bem a logística, afirma Marcela. Ela diz que reservam as horas da madrugada para retirar uma DM 340, por exemplo, sem atravancar o trânsito. A Codetran é uma ótima parceira nessa hora, elogia. Um projeto de barco bem grande, mas bota grande nisso, deve começar a ser executado em breve. Quando essa hora chegar, para retirá-lo de dentro das instalações do estaleiro urbano, toda a fachada terá que ser removida. Não vai ser fácil, adivinha Marcela, sorrindo com o desafio. Para ela, algumas coisas atrapalham mais o sucesso do trabalho que eles vêm desenvolvendo. Uma delas é a alta rotatividade da mão de obra. O marido confirma: Contrato um, e dois pedem demissão, lamenta. Tentamos manter um clima familiar, afinal, somos uma empresa de poucas pessoas. Mesmo assim, por quaisquer 100 reais a mais, eles trocam de emprego.
Outro motivo de tristeza para eles é a desunião da categoria. Os estaleiros aqui da região se veem como concorrentes, mas na verdade, se todos se unissem, a vantagem seria para todos, argumenta Marcela, que está bolando um jeito de criar uma associação em Itajaí e região. Os estaleiros grandes, como Fibrafort e Azimut, são um espelho para ela. Até atrapalham, porque alguns compradores preferem dizer que compraram daquelas marcas só para impressionar, mas, pra gente, eles são exemplos a serem seguidos.
Casco marinheiro
Em 1959, um americano precisou criar um barco que aguentasse o tranco das águas violentas da região do cabo Hatteras, conhecido como Cemitério do Atlântico, nos Estados Unidos. Willis Slane criou um pesqueiro robusto e inovou com o uso de um novo material, a fibra de vidro, lançando uma indústria pioneira em muitas tecnologias que até hoje são utilizadas, como o túnel de propulsão, bandas refletoras laterais e o ângulo em vê. De lá pra cá, mais de 7600 embarcações foram construídas a partir da ideia do gringo.
Na década de 1970, David Moreira passou a utilizá-las em suas embarcações construídas na empresa que levou suas iniciais, o Estaleiro DM. Enquanto usou o casco marinheiro inventado pelo gringo, foi sucesso absoluto. Depois, quis inventar moda, mudou o projeto e acabou se dando mal. Com a venda dos moldes e patentes para o Império Yachts, o velho marinheiro voltou a navegar e a conquistar o coração dos conhecedores da arte de deslizar pelas ondas de lagos, rios, mares e oceanos deste vasto mundão.
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