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Terno de Reis leva cantoria às casas

Na noite de 25 de dezembro, o DIARINHO acompanhou um grupo de cantoria de Reis pelo bairro mais nativo de Navegantes

Sandro Silva

sandro@diarinho.com.br

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O grupo segue por um dos muitos bequinhos do bairro São Pedro, o popular e tradicional Pontal, em Navegantes. As 10 pessoas tentam um silêncio impossível, já que as passadas, os sussurros e barulho dos equipamentos que carregam traem o sossego da noite de 25 de dezembro. Nada que comprometa o objetivo ou alerte os moradores da casa para onde vão. De repente, ao chegar no destino, dão início ao que foram fazer por lá: a cantoria de Reis.

Isso mesmo, a tradição dos grupos de Ternos de Reis, de surpreender e visitar amigos e conhecidos com cantos cristãos que anunciam a chegada do Menino Jesus, continua pulsando em Navegantes.

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Na noite de Natal, o DIARINHO acompanhou um desses grupos. Os integrantes do Estrela Guia, que há cinco temporadas revivem a tradição, costumam espalhar as cantorias pela cidade em casas de famílias católicas. “A gente participa de festivais e toca em missas, mas o que fazemos mesmo é visitar as casas. No ano passado, chegamos a 100 visitas domésticas”, conta o professor de história Tarcísio Weise, 53 anos, coordenador do Estrela Guia.

Homenagem a um dos velhos cantadores de Reis do Pontal

Se você quer conhecer um verdadeiro nativo de Navegantes, vá ao Pontal. É por lá que estão as expressões culturais mais clássicas dos descendentes de açoreanos. É por lá, também, que nasceu, se criou e ainda mora o estivador e pescador aposentado Francisco Manoel, o seu Chiquinho.

Aos 76 anos, é uma referência da cultura popular dengo-dengo. “Ele cantou Terno de Reis por muitos anos e hoje vamos até a casa dele, numa espécie de homenagem”, avisa Tarcísio Weise, que funciona também como uma espécie de mestre de cerimônia do grupo Estrela Guia.

Além do Terno de Reis, seu Chiquinho também tinha um grupo de boi-de-mamão e de pau-de-fita. Hoje, lhe sobraram as lembranças do tempo em que a cultura popular da sua gente era bem mais praticada e divulgada. “Faz pra mais de 10 anos que não recebia um Terno de Reis em casa”, diz, empolgado e emociado pela visita que recebeu de surpresa – só uma filha sabia que o grupo iria aparecer.

Terno de Reis é uma daquelas manifestações que logo contagiam quem está por perto. “Mulher, pega lá o meu pandeiro”, pediu seu Chiquinho, que ensaiava alguns passos enquanto o pessoal do Estrela Guia mandava ver numa das muitas músicas que anunciam o nascimento de Jesus.

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Os vizinhos também se animaram. Muitos saíram à rua para ver a cantoria e outros, sem se fazer de rogados, também invadiram o quintal de seu Chiquinho.

A parentada do velho estivador também estava lá em peso. No Pontal, os laços familiares são muitos fortes e as famílias do mesmo tronco moram uma perto da outra. Uma alegria mais para seu Chiquinho: ver tanta gente curtindo a arte popular que ele, por muitos anos, ajudou a manter viva na cidade.

“Quando eles tiveram aqui, eu recebi uma graça”

Dona Vilma dos Santos Patrício, 60 anos, não segura a emoção. Mareia os olhos. Ri. Chega a pular de alegria. “Sejam bem vindos”, diz, com uma euforia que lembra uma criança, enquanto, ao fim de uma cantoria, dá um abraço apertado em cada um dos foliões que apareceram na porta da sua casa.

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Ela e o marido, o marinheiro José Manoel Patrício, 65, estavam entre as famílias visitadas dia 25 pelo pessoal do Estrela Guia. Moram no Pontal.

Logo se entende a emoção que dona Vilma mostrou com a chegada do Terno de Reis. “A primeira vez que vocês vieram aqui, eu quase tive um treco, porque veio toda a minha infância na minha memória. Eu chorei muito”, lembra, com ternura, enquanto os foliões afinam os violões para uma nova cantoria.

A casa de dona Vilma e seu Zé Manoel tem um significado especial para o grupo Estrela Guia. “Quando eles tiveram aqui, da primeira vez, eu recebi uma graça”, afiança Zé Manoel. O oficial da marinha mercante, que hoje é um dos capitães da draga Catarina, acredita que a visita do Terno de Reis ajudou a curá-lo de um câncer.

Por isso, no período entre dezembro e comecinho de janeiro, o casal já deixa preparado quitutes e bebidas para receber a cantoria. Ai do grupo, se não aparecer por lá.

E não é só Vilma e Zé Manoel que esperam com ansiedade a chegada do Terno de Reis. Ao ouvir a cantoria, lá veio dona Aidésia, 85 anos, pra casa do filho. Eles são vizinhos e a dificuldade de caminhar não foi suficiente para desanimar a velhinha.

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Terno dos espíritos

Perguntar se dona Aidésia já recebeu alguma vez um Terno de Reis é receber uma resposta pra lá de diferente. “O, barbaridade! Até de defunto já recebi”, solta.

E, sem esperar qualquer reação, já emenda: “A gente ouvia de dentro de casa. Eles cantavam, cantavam, aquela coisa linda! Quando a gente abriu a porta, só viu aquele vento assobiando e levantando as folhas que tavam no chão. A rua tava vazia”. E tudo isso, sob a concordância de uma das filhas. “A gente era pequena e se assustou com o aquilo”, diz a filha, de 54 anos, reforçando a história contada pela mãe.

É assim, em meio a tradições e histórias populares, que o Terno de Reis se mantém vivo entre as comunidades mais tradicionais em Navegantes.

Grupo nasceu há cinco anos, incentivado por um frei

Se na sua cabeça veio um monte de coroas, então você tá mais do que enganado. O pandeiro meia lua do grupo Estrela Guia, por exemplo, é de responsabilidade da jovem Gabrieli Alessandra, de apenas 15 anos.

Gabrieli diz que nem pensou duas vezes, no ano passado, quando uma tia percebeu sua vontade de integrar o grupo e a convidou. “Eu não vou muito pra balada. Gosto mesmo é do Terno de Reis”, faz questão de dizer a garota, que era a mais nova do grupo mas não a única jovem.

Na outra ponta, tem seu João de Jesus Claudino, 73 anos. O alfaiate aposentado e músico profissional também está há duas temporadas com o Estrela Guia. “O Lino me convidou e na hora eu aceitei. É a coisa que mais gosto”, afirma, referindo-se a um dos fundadores do grupo. Seu João é quem toca o bumbo.

O Estrela Guia tem ainda viola, violão, cavaquinho, chocoalho e acordeão. Nasceu há cinco anos, conta o acordeonista Jackson de Souza, 26. Dos atuais 12 membros, ele e o amigo Lino Weise, 48, são os fundadores.

A ideia de fazer um Terno de Reis, contam, nasceu do Frei Gentil, um religioso que atuava na paróquia de São Domingos. Eles até participam de festivais, como os demais grupos da região, mas o que querem mesmo é ir de casa em casa fazer as cantorias, assim como há centenas de anos acontece com os ternos.

De onde vem a tradição

A cultura do Terno de Reis vem de Portugal e Espanha, explica Tarcísio Weise, que é professor de história. “Veio ao Brasil na mão dos colonizadores, dos imigrantes”, comenta. Por aqui, foram os açoreanos que popularizaram a tradição, que é eminentemente católica.

A palavra Reis vem dos Três Reis Magos, que segundo reza a tradição cristã eram sábios que seguiram uma estrela até o local onde havia nascido o Messias. Depois de presentearem o Menino Jesus, os Reis Magos foram embora para divulgar o nascimento do Filho de Deus.

As cantorias do Terno de Reis seguem um pouco dessa trajetória. “O grupo de Terno de Reis tem essa missão de, antes do Natal, estar anunciando para as pessoas que o nascimento de Cristo está chegando. Depois do Natal, quando a cantoria continua, já anuncia que o Menino nasceu e que as pessoas precisam abrir suas casas para receber Jesus e abrir o seu coração”, ensina Tarcísio.

Por isso, as cantorias de Reis começam no período que os católicos chamam de ‘primeira semana do advento’ (geralmente entre o finalzinho de novembro e começo de dezembro) e vão até 6 de janeiro, que é quando os Reis Magos chegaram ao Menino Jesus.

Para o professor de História, que integra o grupo Estrela Guia, a importância dos Ternos de Reis é justamente mostrar que o Natal não é algo comercial. “O Terno de Reis traz para o Natal um espírito diferente daquilo que é hoje. Traz para o Natal o espírito do nascimento de Jesus, que é o foco central da questão”, conclui.

As festas de Reis acontecem no Brasil inteiro. “Com variações, é claro”, observa Tarcísio. Folia de Reis, Festa de Santos Reis, Reizado. São vários os nomes que ela têm. Por aqui, os grupos de Ternos de Reis eram os mais comuns. Formavam-se principalmente entre membros de uma mesma família e entre vizinhos. 




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