Itajaí
Dog ficou 17 dias na rua, à espera da dona que foi internada em asilo
Sol e chuva não tiraram Bob da frente da casa onde viveu com sua dona. Dog foi regatado e está prestes a reencontrar tutora no asilo Dom Bosco
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]

Dona Mara, 75 anos, teve uma reviravolta na vida. Ela perdeu o marido, passou por um desgastante processo judicial e teve a casa onde morava com dois netos tomada por determinação da justiça. No final de janeiro ela teve que abandonar o imóvel e junto com a casa deixou para trás Bob, um cachorro que foi seu companheiro de vida por longos anos. Não bastasse isso, Mara foi diagnosticada com um câncer de mama, que trata há alguns meses.
Dona Mara acabou acolhida no Asilo Dom Bosco e o cão Bob permaneceu na rua, em frente a antiga residência, no bairro São João. Sem entender porque foi afastado da tutora, Bob fez uma vigília que durou 17 dias e acabou interrompida pela reportagem do DIARINHO. Nem os dias de calor e os temporais de verão afastaram o dog da frente da casa, onde esperava inconsolável a volta de dona Mara.
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Nos 17 dias em que esteve na rua, Bob sobreviveu da caridade humana: era tratado com restos de comida e ganhava água de vizinhos. Fato que emociona a idosa cada vez que ela lembra do fiel companheiro. “Choro sempre que imagino o que ele possa estar passando. Sinto muitas saudades e isso dói muito”, desabafou dona Mara. Bob foi resgatado na tarde de quinta-feira (17) e encaminhado para uma clínica veterinária. Ele estava com carrapatos, pulgas e todo molhado da chuva. De banho tomado e tratado, agora ele aguarda na casa de um voluntário e deve ser acolhido ainda esta semana no Asilo Dom Bosco, que mantém um canil para animais de tutores que estão internados na instituição. “Ele só não veio imediatamente porque não tínhamos conhecimento da existência do cachorro. Nas entrevistas com a idosa ela nunca mencionou a ligação com o animal”, explica a assistente social Penelope Oliveira dos Santos.
“Nunca falei do Bob [às assistentes sociais] porque tinha medo de não ser aceita no asilo, e não tenho para onde ir. Ele late e come muito”, conta a idosa, radiante com a notícia de que Bob foi aceito. “Ele é bonzinho e vai se dar bem aqui," acrescenta. A equipe do asilo já está fazendo adequações num canil para abrigar Bob nos próximos dias.
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Parceria incondicional
Dona Luciana, 71 anos, passou por situação semelhante a de dona Mara há algum tempo. Mãe do pet Rintintin sempre teve um carinho muito grande pelo asilo, visitava com frequência a instituição e demostrava grande interesse em morar no local. Porém, nunca havia tomado a decisão definitiva porque não queria deixar seu filho de quatro patas. “Quando soube da possibilidade de Riti [como ela chama carinhosamente seu cãozinho de 10 anos] poder morar no Dom Bosco, se mudou imediatamente para cá”, conta a coordenadora geral Emanuella Nunes Corrêa. Riti tem seu canil na área externa, convive com os idosos e recebe visitas e o carinho diário de sua tutora.
O animalzinho tem ainda outra peculiaridade: certidão de nascimento e carteira de identidade. Essa foi uma forma das técnicas e responsáveis pela instituição atenderem a um pedido da idosa. “Sua primeira solicitação foi a confecção da documentação de Riti, pois ele é seu filho e deve ter direito a tudo o que é dela”, conta Emanuella.
E assim é a vida do pet dentro da instituição: tem sua casinha, festinha de aniversário, frequenta o petshop, visita o veterinário quando necessário e recebe o carinho de idosos e cuidadores. Todos os dias dona Luciana passa um tempo com Riti, ocasião em que conversam sobre suas rotinas e, certamente, um faz muito bem para o outro. “E com Bob não será diferente. Precisamos apenas alguns dias para fazermos as adaptações no canil para que o local possa abrigar os dois com total segurança”, anuncia a gestora.
Final feliz é aguardado
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A história de Bob e dona Mara chegou ao DIARINHO por meio da denúncia de uma vizinha, triste porque a idosa foi institucionalizada e seu cão estava abandonado em frente a sua antiga residência. A intenção era buscar um lar para o animal. Foi ao entrar em contato com a presidência do asilo que a reportagem teve conhecimento da possibilidade do animal ser acolhido juntamente com a idosa.
Aí veio a parte mais difícil e ao mesmo tempo gostosa: fazer o resgate de um cão de grande porte, desconfiado e que nunca havia entrado em um automóvel. Depois da ajuda de vizinhos, o dog entrou no carro do DIARINHO e seguiu para o veterinário. Medicado, bem alimentado e cuidado, Bob espera o momento do reencontro. O DIARINHO vai acompanhar de perto essa história quem tem tudo para um final feliz.
Amor e lealdade fazem bem à saúde
Bob, ou Negão, como é chamado por moradores da rua Amauri de Souza, é querido por todos. Dona Cândida, amiga e vizinha de dona Mara, conta que desde que a tutora foi para o asilo ele cuidava da casa, dia e noite. “Inclusive tinham noites que ele chorava na janela do quarto que era da Mara. Os vizinhos chegaram a colocar uma casinha no terreno em frente, mas o cachorro não se afastava da casa de Mara”, diz.
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Heula Evaristo é testemunha da lealdade do cão. “Ele e Mara são loucos um pelo outro. Vai fazer muito bem para os dois se reencontrarem”. A maioria dos moradores da rua se solidariza com a história de Bob e Mara. Muitos, com lágrimas nos olhos. A psicóloga Rachel Wegner diz que o fato de ir para um asilo já é um luto para qualquer pessoa. “Estar com câncer complica ainda mais a situação dessa idosa e, ficar sem o animalzinho de estimação, seria terrível. É muito difícil a separação de uma pessoa doente e idosa de seu pet”, explica a especialista. A geriatra Michele Ambrosini Martins diz que separar os dois nesse momento tão delicado não seria saudável.
A professora do Curso de Psicologia e especialista em Gerontologia, Katia Plomer, diz que a interação entre idosos e animais pode promover benefícios cognitivos, emocionais, psicológicos e sociais. “Muitos idosos lembram de sua infância, de histórias que vivenciaram com animais de estimação, outros compartilham suas experiências e se deixam conhecer um pouco mais. Já vi idosos que quase não interagiam com pessoas dentro da instituição passarem a interagir a partir da inclusão de um cachorro no grupo”, destaca a gerontologista. Kátia diz que essa situação pode despertar no idoso institucionalizado a alegria da vida.
Bruna Innocenzo, psicóloga do Asilo Dom Bosco, concorda que a interação entre os idosos e animais é benéfica. “Os animais proporcionam qualidade de vida aos idosos pela companhia, descontração e pelo sentimento de reciprocidade no afeto. Essa interação é tão significativa quanto às necessidades básicas do ser humano no contexto de ser social, reduzindo os sentimentos de solidão e melhorando as funções cognitivas e a saúde emocional”, arremata Bruna.
E é essa a interação que o Asilo Dom Bosco propõe. O presidente Denísio Dolásio Baixo diz que havia uma restrição da gestão anterior com relação aos animais, que foi recentemente revogada. “Uma belíssima iniciativa do Asilo Dom Bosco”, elogia a professora Katia Plumer.