Itajaí
Naufrágio na boca da barra
História do Revesbydyke, o navio inglês carregado de madeira que encalhou, afundou e nunca foi tirado do mar de Itajaí.
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Às 6h45min do dia 2 de setembro de 1965 o navio inglês Revesbydyke, fretado do Lloyd Brasileiro, partiu do cais do porto de Itajaí com destino ao porto de Great Yarmouth, no Reino Unido. O navio, com 85,5 metros de comprimento e boca (largura) de 12,7 metros, levava uma carga de 3200 metros cúbicos de pinho araucária, madeira de primeiríssima qualidade, no valor de 400 milhões de cruzeiros -, o equivalente a cerca de R$ 2 milhões.
A viagem, entretanto, durou muito pouco: às 7h20min, quando saía na boca da barra de Itajaí, uma onda fez o navio adernar, ou seja, pender para a esquerda, (bombordo), encalhando em seguida. Com o movimento brusco, cabos de aço arrebentaram e a carga que estava no convés tombou para o lado esquerdo, parte caindo no rio, parte se espalhando pelo convés que, adernado, teve seus porões inundados pela água que invadia as vigias inexplicavelmente abertas na lateral do casco.
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Além das tábuas e pranchões de madeira, também alguns marinheiros caíram na água, outros se jogaram, segundo notícia publicada na época pelo jornal A Nação (*), que cobriu o acidente em edições consecutivas a partir de 4 de setembro daquele ano.
Descontrolado, o Revesbydyke atolou num banco de areia situado próximo ao lado norte do molhe da entrada da barra, ficando toda aquela quinta-feira e também na sexta entregue ao movimento da maré, obstruindo a entrada do canal de acesso ao porto. No afã de desencalhar o Revesbydyke, grande quantidade de madeira foi atirada ao mar para que o navio flutuasse e bombas dágua foram acionadas na tentativa de esvaziar os porões, mas os esforços foram em vão.
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Para retirar o navio atravessado e inundado da entrada da barra foi acionado o rebocador Tridente, da Marinha de Guerra do Brasil, que chegou sábado no local do acidente. Enquanto isso, dezenas de embarcações e centenas de pessoas nas praias próximas e nas margens do Rio Itajaí-Açu recolhiam a enorme quantidade de tábuas atiradas às águas pela tripulação e pelo pessoal que tentava salvar o navio do naufrágio. Àquela altura, a carga já era considerada perdida.
Mais de três dias depois do encalhe, aproveitando a maré alta e sob os esforços do rebocador Tridente, o Revesbydyke foi levado na noite de sábado para domingo, de 4 para 5 de setembro, até o largo defronte à praia de Cabeçudas, desobstruindo, finalmente, a entrada da barra do porto de Itajaí.
No domingo, durante todo o dia, e ainda na segunda-feira de manhã, curiosos observavam o navio ao largo de Cabeçudas. O cargueiro apresentava, pelo menos aparentemente, uma boa flutuação, segundo os relatos da época. Na tarde de segunda-feira, dia 6, a partir das 14h, entretanto, o Revesbydyke começou a afundar lentamente, pela popa.
A batalha para salvar o navio inglês havia sido perdida. Junto com ele, centenas de metros cúbicos de madeira foram para o fundo. O último esforço da tripulação do rebocador Tridente foi convencer o comandante do navio, o inglês Edgar Stanley Collins, a abandonar o barco, uma vez que, segundo o relatado no jornal A Nação, de 7 de setembro daquele ano, o comandante tencionava afundar junto com o Revesbydyke. Com algum esforço, entretanto, foi demovido da ideia.
Nos meses seguintes, as únicas evidências do naufrágio eram algumas tábuas ou pranchas que ainda se soltavam do navio e vinham dar na praia e a proa do Revesbydyke, facilmente avistada ao largo, marcada por boias, que, tempos depois, quebrou e afundou com o resto do navio.
Um espectador privilegiado
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Praticamente todo o drama vivido pelo navio Revesbydyke foi assistido de camarote por Gunter Deeke, que trabalhava na empresa marítima Samarco, de propriedade de seu pai. Gunter residia na época, e reside até hoje, numa parte elevada do bairro de Cabeçudas. É ele quem conta:
O Revesbydyke era agenciado pela agência Transmarte, cujo titular na época era o seu Pedro Salles. A finalidade da escala era um carregamento de madeira de pinho intermediado pela Comissão Coordenadora de Exportação de Madeira (CCEM), mas o capitão cometeu o maior erro possível em questão de estabilidade náutica ao permitir uma sobrecarga muito acima da lógica. Encheram os porões e sobre o convés carregaram uma quantidade exorbitante de madeira. Até um leigo podia ver a olho nu o erro absurdo no carregamento daquela nau.
Deeke conta que depois do encalhe a bombordo a ponte de comando tentou desacelerar o motor telegrafando a manobra à casa de máquinas, mas já era tarde porque pelas escotilhas abertas a água já havia silenciado o motor Rolls Royce do navio. Na versão do agente marítimo, dois oficiais correram a frente da nau e, por cima das pilhas de tábuas, soltaram as amarras fazendo com que muita madeira caísse na água e que o navio endireitasse consideravelmente, guinando para a direita (boreste), batendo com a proa nas pedras do molhe sul. Naquela posição, atravessado no canal, o Revesbydyke ficou até a chegada do rebocador Tridente, dois dias depois.
Com a chegada do Tridente, o navio foi, segundo Gunter, rebocado para longe da barra, a cerca de dois ou três quilômetros da terra, em frente da praia de Cabeçudas. Mas nem deu tempo da tripulação soltar os cabos e o rebocador já trouxe de volta o Revesbydyke para próximo do litoral, na altura da praia do Jeremias, local onde está até hoje afundado. No dizer de Deeke, o casco do navio havia sido rasgado pelas pedras no encalhe na entrada da barra.
Naufrágio que Gunter assistiu de posição privilegiada:
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Eu assisti a tragédia do terraço de minha casa em Cabeçudas. Munido por um bom binóculo, vi e ouvi o movimento e os gritos desesperados da tripulação que chegavam trazidos pelo vento nordeste. O Revesbydyke estava com a proa voltada para a Atalaia e afundava lentamente de popa, adernado a bombordo. Solto o navio, o rebocador da Marinha aproximou sua popa ao casco da nau agonizante para resgatar a tripulação.
Deeke confirma a hesitação do capitão em abandonar o navio:
Assisti, de binóculo, dois marinheiros puxando o comandante da cabine. Nesse esforço, um dos marinheiros ainda acabou levando um tombo devido a grande inclinação do navio a bombordo. Depois de muito puxa-empurra, o comandante cedeu e desembarcou.
Rescaldo
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Aquela foi a última viagem do comandante Edgar Stanley Collins, apontado pelo Tribunal Marítimo Brasileiro (no Processo nº 5.568, encerrado em 15/10/1970) o responsável pelo acidente com o Revesbydyke, juntamente com o imediato Anthony F. Withington. Segundo o acórdão do Tribunal, o capitão e o imediato foram julgados responsáveis pela imperícia no carregamento do navio e imprudência ao desatracar naquelas condições. A pena foi a interdição do exercício das funções dos acusados em águas brasileiras pelo prazo de dois anos, mais custas processuais.
Aquela era a segunda viagem do Revesbydyke, um navio de pequeno porte construído pelo estaleiro Goole Shipbuilding & Repairing Co. Ltd., na Inglaterra, e lançado às águas em janeiro de 1965, pertencente ao armador Klondyke Shipping Co.
Após um ano do naufrágio, relembra Gunter Deeke, o armador itajaiense Abílio Ramos contratou uma empresa especializada para retirar o motor Rolls Royce do navio afundado. Foi assinado um contrato de risco. Grandes tambores de ferro foram confeccionados na tentativa de suspender o navio, tendo tais tambores permanecido por muitas semanas na entrada da praia da Atalaia. Depois de várias tentativas, entretanto, constatou-se a inviabilidade da operação.
Quanto a madeira que caiu do Revesbydyke, as histórias são muitas, assim como são muitas as casas e obras feitas com as tábuas e pranchas de pinho de primeira, resgatadas das águas ou que deram na praia naqueles dias do acidente. Conta-se que não havia prego que resistisse muito tempo presos àquelas tábuas carregadas de salinidade. Os pregos logo enferrujavam, e as tábuas caíam nas paredes, o que alguns interpretavam como uma espécie de maldição do navio afundado.
Muita madeira ficou ainda nos porões do navio. Nos anos 1990, uma equipe de mergulhadores resgatou parte dela para ser utilizada para fabricação de cabos de vassoura. Retirada a crosta externa, a madeira estava ainda em ótimas condições. Sobre os tanques de óleo diesel abarrotados que levariam o Revesbydyke de Itajaí até a Europa, não foi encontrado registro de sua retirada. Tampouco se recorda Gunter Deeke de ter sido feita essa operação: Talvez ainda esteja dentro dos tanques no fundo do mar, cogita. Se for assim, há no Revesbydyke uma bomba relógio ecológica.
(*) Pesquisa realizada no Arquivo Histórico de Itajaí.