Itajaí

“Um dos maiores problemas da escola é o quadro negro. O quadro negro é uma carroça”

O senador Cristovam Buarque (PDT) se destaca na vida pública pela inteligência, pelos títulos que recebeu, pelos planos de educação que colocou em ação, pelos mais de 80 livros que escreveu, pelos prêmios que ganhou, pela luta incessante por uma “revolução pacífica”, aquela que aposta que as mudanças acontecem através da educação. Bom de papo e simpático,

Cristóvam falou à jornalista Franciele Marcon sobre a possibilidade de impedimento da presidente; corrupção, desvalorização da educação e sobre a necessidade do governo federal abraçar a educação de base para construir um modelo de nação. Aqui, no DIARINHO impresso, você acompanha parte da entrevista. No DIARINHO online você pode ler a entrevista completa. As fotos são de Bruna Costa.

Continua depois da publicidade

RAIO-X

NOME: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque

Continua depois da publicidade

NATURAL: Recife/ Pernambuco

ESTADO CIVIL: casado, tem duas filhas, duas netas e um neto

FORMAÇÃO: engenheiro mecânico, educador, professor universitário e político brasileiro; doutor em Economia pela Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne (1973)

TRAJETÓRIA: foi reitor da Universidade de Brasília no período de 1985 a 1989. Foi governador do Distrito Federal no período de 1995 a 1998. Foi Ministro da Educação nos anos de 2003 e 2004. Desde de 2003, é senador do Distrito Federal, com mandato até 2018 (dois mandatos consecutivos). É Professor Emérito da Universidade de Brasília e professor colaborador de diversas universidades estrangeiras. Atua como professor e pesquisador no Centro de Desenvolvimento Sustentável e no Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, da UnB. Conta com 81 livros publicados. Mantém atividades de pesquisas sobre os temas: Sustentabilidade, História do Pensamento Econômico, Educação, Crise, Políticas Públicas e Indicadores do Desenvolvimento. É o criador da Bolsa-Escola, que foi implantada pela primeira vez em seu governo no Distrito Federal. Foi Ministro da Educação entre 2003 e 2004, no primeiro mandato de Lula. Tem um prêmio Jabuti por Ciências Humanas.

DIARINHO – Como o senhor vai se posicionar com relação ao impeachment quando ele chegar ao senado?

Cristovam Buarque: Quando eu chegar à conclusão que houve algum crime de responsabilidade da presidente Dilma votarei pelo impeachment. E se eu não chegar à conclusão que houve crime de responsabilidade, apesar de eu achar o governo dela desastroso, não tenha votado nela, eu votarei contra o impeachment. É uma questão legal. Eu votei politicamente contra ela na eleição, mas na hora de derrubar a presidente eu não vou analisar politicamente, eu vou analisar legalmente. [O senhor enxergar, hoje, argumentos para o impeachment? Ou o senhor acredita que é um golpe, como alguns falam?] Não, golpe não é, porque está previsto na Constituição. Isso ai é um absurdo, o meu partido, o presidente do meu partido, [Carlos] Lupi tem dito que é golpe. Não, ele está equivocado. Não existe golpe se se segue um tramite legal como está na Constituição. Agora, está na Constituição a possibilidade de impeachment, logo não é golpe. Agora, está também o que é que leva ao golpe – então precisa seguir isso também. Se a gente pega o artigo que prevê o impeachment, mas não leva em conta o artigo que diz como é o impeachment, que fala em crime – aí eu não digo nem que é golpe, aí é um absurdo. [E nesse ponto, se acontecer isso, o senhor pretende se manifestar contrário?] Eu justificarei meu voto, direi porque meu voto será contra. Agora, eu acho que há razões suficientes para abrir o processo. E eu estou satisfeito que abra. Por isso quando dizem, que, quem abriu foi esse tal de Eduardo Cunha, e por isso não deveria abrir, eu discordo disso. Quem pediu o impeachment foram dois juízes muito respeitados. O Eduardo Cunha estava ali, encaminhou. Encaminhou por vingança, encaminhou por falta de caráter, por chantagem, mas encaminhou o que já estava ali, que justifica. Eu lamento que tenha sido ele, porque ele não tem credibilidade. Mas o processo tinha que seguir mesmo. Ele devia ter mandado era desde o começo, e não depois de tentar chantagear. O erro dele foi tentar chantagear, não foi ter enviado o processo.

Continua depois da publicidade

DIARINHO – Os favoráveis alegam que as pedaladas fiscais são crimes de responsabilidade, portanto, tem motivos pra abrir e pra ela ser julgada impedida. Os contrários dizem que precisaria ter o dolo dela, não só incompetência. O que o senhor acha?

Cristovam: Não sei ainda, vou analisar. Esse lado é que exige que analise. Eu tenho que ver os argumentos dela, as defesas dela, antes de votar pelo impeachment. O impeachment, em tese, não é uma coisa boa. É lamentável que a gente tenha que fazer isso. Nós só elegemos quatro presidentes até aqui – metade impeachment?! O quinto vai chegar sob suspeita, sob impeachment, sem saber se vai concluir. Como eu sou professor e brigo tanto pela educação, eu acho que vai ser pedagogicamente errôneo pro eleitor. Porque o eleitor vai dizer: “eu vou votar, se der errado, eu tiro.” Acostuma mal. Onde é que estão os 53 milhões que votaram na Dilma? Devia fazer impeachment desses caras que votaram errado. Não faltou explicações de que ela estava mentindo na campanha, que aquele negócio que aparecia ali não era verdade. Votou-se nela, em grande parte pra não votar no Aécio [Neves]. Eleição você não vota no melhor, você vota no menos ruim. Mas, de qualquer maneira, onde estão os 53 milhões que votaram nela? Eles não vão aprender com o erro? Se a gente tirar, não. A gente botou errado mas tirou, não pode ser assim. Até casamento pra desfazer da um trabalho danado, não é verdade?

DIARINHO – O senhor acredita que o Brasil estará melhor governado por Michel Temer ou ainda Eduardo Cunha?

Cristovam: Eu acho que uma cara nova pode até a ajudar. Na crise de credibilidade que tem hoje a presidente Dilma, uma cara nova ajuda. Mas ao mesmo tempo, com quem ele vai governar? Se ele governar com a turma ao redor dele, não acho que vai ser muito melhor não. Além disso, se a gente tira a Dilma por pedaladas, ele fazia parte do governo?! Se tirar pelas mentiras de campanha, ele foi eleito por essa mesma campanha?! Eu votarei pelo impeachment se ver que houve algum crime de responsabilidade. Votarei contra o impeachment se não houver. Mas não tô nem um pouquinho otimista com o dia seguinte no Brasil, seja com o impeachment, seja sem impeachment. E isso é uma coisa ruim hoje. O Brasil está fazendo política como se fosse um jogo de futebol. Tem dois lados, duas cores. E todo mundo achando que a disputa é só até o dia que termina o jogo. Num jogo de futebol quando o juiz apita, terminou. Na política, quando o juiz apita, começa. O Brasil vai começar no dia seguinte a votar o impeachment. Seja a favor, seja contra. Mas quem está votando, a maior parte, não está muito interessado nisso. Eu não sou otimista. Porque não estão trabalhando nas causas reais da crise. A Dilma é a responsável pela crise, mas as causas reais não são da Dilma, são muito mais profundas. É um país que não fez a revolução educacional necessária. É um país que está corporativizado, cada um só pensa em si, ou no seu sindicato. Não há um sentimento coletivo de nação. Isso atrapalha tudo. É um país que não consegue olhar cinco anos na frente. E aí não tem futuro. Então, nós temos uma crise muito mais profunda. Eu até tenho dito que o problema no Brasil não é impeachment, é a revolução. A gente precisa fazer uma revolução, é difícil fazer com a Dilma. Mas o simples fato de tirar a Dilma não trará a revolução.

DIARINHO – O senhor já esteve mais próximo ao governo Dilma e do PT. O que ocasionou esse distanciamento?

Continua depois da publicidade

Cristovam: Eu nunca tive próximo da Dilma, eu já fui do PT, mas eu saí do PT em 2005, muito antes da presidente Dilma. E nunca tive muito contato com ela. Até que em agosto desse ano, eu propus ir lá falar com ela, junto com mais cinco senadores que se consideram independentes. E levamos um documento dizendo: “Presidente, o destino do Brasil tem três alternativas muito ruins: impeachment, cassação ou seu governo continuar. A melhor solução seria a senhora continuar fazendo outro tipo de governo. A senhora ser o Itamar Franco da senhora”. Sugerimos uns pontos: ela sair do PT, dizer que o seu partido era o Brasil inteiro, reconhecer os seus erros, convidar todos, inclusive a oposição, a fazer um grande coalizão para governar. Mas não adiantou nada. A gente chegou lá, deixou a carta, ela ouviu muito bem, mas não adiantou nada. Marcamos um jantar com 15 senadores, nove além dos que estavam lá. Morreu tudo. [Mas pro senhor o problema é o PT?] Não, não. O problema são todos os partidos. Só que eu acho que não vai ser isso. Se não sair o impeachment, no outro dia o PT vai pra rua com todas as bandeiras vermelhas dizer: “Tá vendo? A Petrobras é a melhor empresa do mundo; esses presos da Lava-jato são nossos heróis que estão sendo sacrificados. Não tem corrupção no governo. Inflação de 10% é pouco”. E vai comemorar como uma grande vitória.

DIARINHO – O senhor vai ser candidato à presidência da República em 2018?

Cristovam: Para ser candidato precisa de um partido, e o meu partido não quer que seja eu. Eu gostaria de ser, até porque em Santa Catarina é onde eu tive o maior índice de votação em 2006. O PDT, não o PDT, mas o presidente do PDT, que é o dono do partido, já decidiu que quer o Ciro Gomes. Então não adianta ficar chorando, porque não serei eu. Mas gostaria muito de disputar a presidência. Acho que estou preparado.

DIARINHO – O que o senhor acha que é mais urgente hoje para ser feito pelo país?

Cristovam: Tem o mais urgente imediato e o mais urgente de longo prazo. O mais urgente imediato é sair da crise econômica, que exige sim os ajustes, aliás, eu defendi esses ajustes desde 2013. Eu já dizia que iria ser necessário. Então precisa isso. Para ganhar credibilidade, que é o maior problema hoje. O maior problema hoje é credibilidade. Quer ver uma coisa, CPMF. Se fosse um governo de credibilidade, acho que as pessoas aceitariam a CPMF. É um imposto pequeno, que ninguém sonega, fácil de ser recolhido, mas quem é que acredita que esse dinheiro vai ser bem usado? Não tem credibilidade. Falta capital, hoje o mundo é do capital internacional. Se tiver credibilidade, vem. Então precisa credibilidade, esse é o imediato, urgente imediato. Agora urgente não imediato é a educação. É fazermos a revolução na educação. É dizermos que em 20 anos o Brasil vai ter uma educação da melhor qualidade e igual pra todos. Acabar com esse carimbo que tem na testa de cada menino que nasce dizendo se ele vai ter boa escola ou má escola. A gente está assustado, indignado com esse tal do Zica [vírus], e a consequência da microcefalia. Mas as pessoas esquecem que tem a outra forma de microcefalia, que é a que vem da falta de escola. O cérebro é do mesmo tamanho, mas o conteúdo que recebe é diferente e ninguém se preocupa. [O ponto de partida difere entre os que estudaram numa boa escola e os que não estudaram...] Tem que quebrar esse ponto de partida, todo mundo tem que partir do mesmo ponto. Como numa corrida atlética, ninguém parte atrás, se parte na mesma linha. Mas na vida a gente parte de linhas diferentes, e onde a gente faz a mesma linha? Na escola. Aí que está o problema de médio e longo prazo do Brasil: é a má educação. Com credibilidade na política e com educação na sociedade, o resto vem. [Mas como buscar essa credibilidade quando a gente olha esses problemas que vem e estão a tona agora que não é do governo só da Dilma, que já foi do Lula, do Fernando Henrique, e assim por diante. Parece que só se usa o poder para tirar proveito ou para os seus chegados] Como tecnicamente eu digo, como politicamente eu não acredito muito. Como tecnicamente: fim das coalizões, o financiamento de campanha igual para todos os candidatos, a permissão de candidatura avulsa, já que os partidos são ruins, a campanha não ter marketing, ser o candidato falando na televisão. Pra que marketing? Pra que? Cada candidato apresentar seu programa de governo ou de mandato, e se não cumprir nos primeiros seis meses, ter mecanismo para cortar. O impeachment que a gente está faz não faz, podia ter um plebiscito na metade do governo para ver se continua ou não. O povo que decidiria, não o senador e o deputado. Tem maneiras de você fazer com que tenha credibilidade. Agora, pra isso precisa mudar as leis. [E por que politicamente o senhor não acredita?] Porque quem vai fazer essa mudança são os de hoje. E quando a gente vai fazer, a gente começa a pensar: isso vai ajudar ou atrapalhar minha eleição? Aquela coisa que eu falei do corporativismo, da visão do interesse pessoal e do grupo. precisa mudar as leis. [E a permanência no poder, as pessoas buscam por quê?] Para se locupletar de cargos, pra se locupletar de dinheiro, por simples fama ou sei lá. Mas essa ideia de que quero estar no poder e não usar o poder para mudar o meu país... É uma questão mental.

Continua depois da publicidade

DIARINHO - O governo federal conseguiu colocar muito gente nas universidades, públicas e particulares, através do ProUni. Mas o problema é a educação de base. Temos uma educação de base que é ruim, que não permite que todos tenham um ensino satisfatório. Não houve uma inversão de valores: muitos chegam à universidade, mas despreparados porque não houve educação de base...

Cristovam: Lógico, houve a inversão de valores e eu vou dizer por que. Eu acusei na hora, acusei e bati: porque universitário vota. E, foi uma das causas de eu ser demitido pelo telefone do ministério da Educação. Porque eu queria investir na educação de base. Tanto que eu tentei que Lula dividisse o ministério em dois. Ministério da Educação e do Ensino Superior, separados. Eu fui reitor, mas eu queria cuidar da educação de base. O ministro que cuida dos dois só cuida da universidade. Não tem tempo, ninguém deixa, a pressão é muito forte, criança não vota. E nem da voto. Então o Lula, que é um gênio da política, disse: “eu vou investir na universidade”. Na hora em que ele põe um cartaz: “O filho do operário na universidade”, todo mundo aplaude. Se ele dissesse: “todos os filhos de todos os operários estão numa boa escola de ensino fundamental” - ninguém aplaudiria. Então esse gênio político entendeu que devia investir na universidade, e abandonou a educação de base. Até porque pela lei, não precisa ele se preocupar, porque administrativamente é uma tarefa do prefeito e do governador. Aí ele deixou de lado. Mas não é só a universidade que está fracassando por falta de conhecimento, o Pronatec está fracassando por falta de conhecimento. Tem menino que vai fazer o curso técnico e não sabe o que é ângulo reto. Não sabe fazer regra de três. Metade dos alunos das escolas de engenharia está desistindo no meio do curso. Não é mais por falta de dinheiro, porque tem FIES, tem ProUni, tem mais universidades federais, que realmente o governo fez, tem as bolsas, mas é o fato que não se conhece, não sabe. Não consegue levar adiante o curso por falta de matemática e de física. Então, foi um erro de concepção, porque foi movido pelo voto, e não pelo interesse nacional.

DIARINHO – O senhor já disse que o brasileiro não valoriza a educação, pois ele valoriza mais os bens materiais do que o conhecimento. Essa é uma questão para se resolver nas escolas ou uma questão maior que tem que se resolver culturalmente?

Cristovam: É maior, tem que resolver culturalmente, mas passa pela própria escola. Mas é uma questão mental. A mente americana, a mente francesa, existe uma mente brasileira. Essa mente brasileira, que tem tantas qualidades, é mais tolerante que as outras, o preconceito racial é pequeno. Tem muitas qualidades, mas tem um defeito: não valoriza o lado intelectual. Nós somos um país onde dizer que um professor é filósofo é como uma acusação, é uma gozação. Ser professor não é visto como algo nobre. É uma coisa que está na mente brasileira: o desprezo à riqueza intelectual. Todo mundo quer um bom professor para o filho, mas ninguém quer que o filho seja um bom professor. Por causa do desprezo pela educação, esse é o maior problema do Brasil, é cultural. Mas tem um problema que é social. O fato de sermos divididos em dois povos, ricos e pobres; andar de cima e o de baixo. A gente resolve o que está no andar de cima: água, esgoto, casa, segurança, emprego e escola. E abandona o que tem embaixo: transporte, água, esgoto e educação. Aí juntaram as duas coisas: uma mente que não dá valor para educação, para o conjunto, e que prefere educar só seus filhos, a minoria, que tem dinheiro. Então a educação está abandonada. Mesmo quem gasta dinheiro com a educação do filho, não está atrás do filho estar bem educado. Está atrás de o filho ter um bom salário. A educação é um meio, e não um fim em si.

DIARINHO – O senhor foi autor de um projeto que previa que todos os políticos colocassem seus filhos em colégios públicos. Isso ajudaria a melhorar a qualidade de ensino? Por que não foi aprovado?

Cristovam: Eu não coloquei com o objetivo de melhorar, embora melhorasse. Coloquei por uma questão de decoro parlamentar: se eu sou encarregado de cuidar dos serviços públicos, como é que uso um serviço privado? [Porque não acredita no público...] Não acredito e nem preciso. Quando entrei na política, minhas duas filhas já tinham terminado o ensino médio. Então, eu não posso ser acusado de não seguir isso. Mas eu não sigo isso na saúde, por exemplo. Eu uso o seguro privado. Eu deveria ser proibido de usar o seguro privado de saúde. Eu não sou encarregado da saúde pública? Como eu uso a privada? O mais grave é a gente [servidores] ter um serviço privado pago pelo próprio Estado, pelo próprio governo. Isso é uma deformação. De todos nós, não estou acusando só os outros. Os funcionários do sistema público de saúde do Distrito Federal têm um seguro privado. Isso é um contrassenso.

DIARINHO – Vincular parte do dinheiro do Pré-sal para a educação pode ajudar a resolver o problema da falta de qualidade?

Cristovam: Muito pouco. Eu sou favorável, aliás, fui um dos primeiros a falar no Congresso que o dinheiro do Pré-sal deveria ir para a educação, mas nunca criei ilusões, pois é muito pouco. O Brasil não cabe num poço de petróleo. O Brasil é grande demais. Se fosse no Chile, na Arábia Saudita, resolveria. Pra se ter uma ideia, pra ter uma boa escola precisamos de uns 500 bilhões de reais. Porque são R$ 10 mil por aluno que precisamos para oferecer uma boa escola. Que permite pagar R$ 10 mil por mês de salário ao professor. Com o Pré-sal, se tudo der certo, e olha que tem muita coisa pra dar errado... Pra dar certo tem que ter o petróleo ali embaixo, conseguir tirar sem vazar, chegar aqui em cima a um preço de R$ 100 o barril, que hoje está abaixo de 50. Ter dinheiro pra fazer tudo isso; a Petrobras está ruim. Mas, se tudo der certo, vai dar uns 35 bilhões, e precisamos de 500. O Pré-sal foi uma ilusão que o Lula criou com essa genialidade que ele tem. O Brasil a cada tanto tempo arranja uma saída para os seus problemas. Sempre ilusória. Nesse momento sabe qual é? O impeachment. Nesse momento é o impeachment, a ilusão que estamos criando, de que vai resolver. Mas não tem saída mágica.

DIARINHO - O lema do governo federal é: “Brasil, Pátria Educadora”, mas isso soa contraditório quando vemos o cenário das escolas, com dificuldades estruturais e com a falta de valorização de professores. Como tornar esse lema mais próximo da realidade?

Cristovam: Primeiro, é um lema vago. Mais uma vez, a Dilma deu mais importância ao marketing do que à substância. Esse lema foi algum marqueteiro que sugeriu a ela, nada concreto. Assim: “a partir de agora, todo dia, tem que falar em educação.”

Mas se é a pátria educadora, a presidente deveria ter todo dia um relatório sobre o estado das escolas. Duvido que ela faça isso. Então, é só marketing. Agora, como transformar esse marketing em um lema verdadeiro? Primeiro acho que com uma grande campanha de conscientização. O lema até ajuda, mas não basta. E segundo é o que eu venho defendendo, é o governo federal adotar a educação no Brasil. É federalizar a educação, dizer que a educação é algo tão fundamental que deve ser responsabilidade do Brasil inteiro, e não das cidades. Da União e não do munícipio.

DIARINHO – O ENEM serve pra medir a qualidade do ensino no Brasil ou é apenas um trampolim para levar os jovens para as universidades?

Cristovam: O ENEM foi criado pra medir a qualidade e isso é muito bom. E é uma prova de como a gente não da importância à educação de base. Porque enquanto o ENEM foi pra medir a qualidade da educação de base ninguém ligava, quando virou vestibular, todo mundo passou a olhar. No dia do ENEM é matéria na televisão, porque é vestibular. Quando era avaliação ninguém ligava. Então foi criado pra avaliar, mas virou vestibular. Eu não acho ruim não, que tenha se transformado em vestibular, acho bom. Só acho que deveria ser como eu implantei no Distrito Federal. Três provas e não uma só [Qual a diferença?] Que você acompanha o aluno no ensino médio todo. Faz um prova no final do primeiro, no final do segundo, no final do terceiro e tira a média. É isso. Fui reitor, tentei, mas o governador não queria. Quando virei governador, fui ao reitor e fizemos. Até hoje, 24 anos que metade dos alunos da UNB [Universidade de Brasileira] entram por esse programa do PAS, Programa de Avaliação Seriada. Funciona muito bem, o efeito é muito melhor nas crianças de terem que estudar os três anos, não apenas no final. E melhora a qualidade da escola e do aluno que entra.

DIARINHO – O Fundeb conseguiu recuperar o salário dos professores?

Cristovam: Não. Sem Fundeb era pior, mas o Fundeb não conseguiu. O piso salarial é uma lei de minha autoria. Obviamente não teria sido possível se não tivesse o apoio do ministro Haddad e do Lula, que era o presidente. Só no Senado, a lei não teria sido aprovada. Eles deram aval pra que a lei fosse em frente, mas a lei só vai funcionar mesmo quando o governo federal bancar o piso. Os prefeitos não tem como bancar. c As pequenas cidades não conseguem.

DIARINHO – Santa Catarina é um dos estados mais ricos do Brasil, mas não cumpre o piso nacional para os professores. Essa semana os professores sofreram um novo baque com o novo plano de carreiro do magistério. Que prevê, entre outros pontos, a incorporação da gerência de classe ao salário. A educação é pouco valorizada em todo o Brasil?

Cristovam: Em Santa Catarina é mais valorizada do que na média do Brasil. Eu diria que é um dos lugares mais valorizados. Eu estou falando de Santa Catarina, não do governo [Raimundo] Colombo. Não conheço detalhes do governo Colombo. A mente de vocês [Santa Catarina], do Paraná, têm muito a ver com a mente importada da Itália, da Alemanha, é uma mente mais favorável à educação, desde sempre.

DIARINHO – A gente presenciou o uso da repressão contra manifestantes, especialmente no Paraná e em São Paulo. O governo chama de reestruturação das escolas, mas os estudantes e professores falam em escolas fechadas. É certo a polícia militar reprimir esse tipo de movimento?

Cristovam: É lamentável. No próprio Distrito Federal teve professor que sofreu violência. No fundo é a falta de valorização da profissão. Por causa daquela coisa que a gente falou, que a mente brasileira não dá valor à educação. Dizem, nunca apurei isso, que no Japão as pessoas têm que se abaixar na hora de falar com o Imperador, menos os professores. Uma vez eu estava na Alemanha, tomei um táxi, o motorista, um homem da minha idade, quando a gente conversou, ele perguntou minha profissão, e eu disse que era professor. A reação foi de quem estava diante de uma figura importante, quase que não me cobra a corrida. Ele sentiu-se valorizado. Se eu dissesse que era senador, era capaz de não ter dado a menor importância, mas professor ele valorizou. Porque professor é uma categoria [valorizada] lá, aqui não. Nós nos acostumamos tanto a sermos menosprezados, que tem muito professor que prefere o menosprezo pra não precisar trabalhar muito. Está havendo uma fuga em massa para a escola privada. Para escolas que são piores que as públicas, mas são baratas. [Dos professores ou das crianças?] Das crianças. Essas escolas são priores que as públicas, porque são muito baratas. Mas não tem greve. As greves estão matando as escolas públicas e as universidades públicas. As melhores escolas privadas são melhores que as melhores escolas públicas, mas se você pegar a média das escolas privadas muito ruins, a média não deve ser melhor das públicas. Mas o aluno sabe quando termina, o pai sabe que não vai ter que faltar o trabalho pra ficar com a criança em casa durante um mês de greve. Um mês, dois, três sem aula, isso é sinônimo de desprezo à educação. Tinha que ter descoberto outro mecanismo que não seja a paralisação. Nós estamos matando a universidade pública com as paralisações.

DIARINHO - O Bolsa Escola foi criado pelo senhor. Depois virou Bolsa Família. Como o senhor avalia o programa hoje?

Cristovam: Primeiro, a Bolsa Escola surgiu, pelo que a gente sabe direito, teoricamente, na universidade Brasília quando eu era reitor. Eu fiz uma revolução na universidade que eram os núcleos temáticos, e não só departamentos. E tinha o núcleo de estudos do Brasil contemporâneo, eu assumi pra eu mesmo coordenar. E a gente se reunia para discutir como resolver os problemas do Brasil. Um problema naquela época, falando de 1985, vocês não tinham nascido. Um dos problemas eram crianças fora da escola, e eu disse: mas será que está fora da escola porque é pobre, paga que aí ela estuda. Fiz as contas e vi que dava. Aí escrevi um livro “Medidas para mudar o Brasil: a revolução nas prioridades” é o titulo. Coloquei isso como medida pra mudar o Brasil, eram 100 medidas. De repente, eu virei governador. E na campanha eu prometi fazer isso, e foi a primeira coisa que eu comecei, o Bolsa Escola, e fizemos. O Fernando Henrique não quis fazer, levei, insisti. Depois de ter término meu mandato, ele começou no segundo mandato dele, e fez. O Lula não queria, tanto que eu fui do que o Lula chamou de “governo paralelo”, quando ele perdeu a eleição em 89, mas ele nunca quis fazer isso. Ele queria fazer o Fome Zero, e eu dizia que não precisa, basta o Bolsa Escola que o Fernando Henrique criou, aumentar o valor e aumentar o número. Aí um ano depois dele ter tomado posse, ele decidiu fazer. Mas ele fez três mudanças nocivas, e acho que essa foi uma das razões que ele me demitiu, ia ser difícil de eu sendo o criador, ele fazer essas mudanças. Primeiro, ele tirou do Ministério da Educação e colocou no Ministério da Assistência Social, mostrou descompromisso. Segundo, ele misturou o programa Bolsa Escola, que era pra educação, com programas de alimentação, de saúde, de cuidar de velhinhos, as outras bolsas que tinham sido criadas. Juntou tudo, e ai descaracterizou também. Terceiro, não vou dizer que é o mais grave, mas é grave, mudou o nome. Quando uma mãe recebe um dinheiro que está escrito Bolsa Escola, ela pensa “recebo esse dinheiro porque meu filho vai pra escola”. Quando ela recebe uma chamada Bolsa Família, ela pensa “recebo esse dinheiro porque minha família é pobre”. Na primeira ela diz “pela escola ele vai sair da pobreza”. No segundo diz “se a gente sair da pobreza, a gente perde a bolsa”. Três erros muito graves para o Brasil, apesar de fazer a boa coisa que foi ampliar o número. Do ponto de vista de resolver a fome, foi bom a Bolsa Família. Do ponto de vista de mudar o Brasil, não foi bom.

DIARINHO – DIARINHO – O senhor é do mesmo partido de Leonel Brizola que deu início como o senhor a uma das ideias mais revolucionárias em termos de educação no Brasil, com o advento das escolas integrais os antigos CIEPS. Porque o programa fracassou?

Cristovam: Porque no Brasil quando outro governo assume, para. E segundo, porque acho que ele não tomou um cuidado que hoje eu tomo: eu proponho por cidade, não por escola. O Brizola fez 160 CIEPS, se não me engano, se ele tivesse feito todas as escolas em 20 cidades diferentes, quem é que ia desfazer?! O governador parar uma escola aqui, tudo bem. Mas o prefeito parar todas, não pararia. Eu acho que foi esse o erro de estratégia. Embora até hoje tenha bons CIEPS funcionando. No Rio, raríssimos. Porém, lembre-se que o Collor pegou a ideia e fez os CIAQS, acredito que uns 500 CIAQS. Em Brasília até hoje tem CIAQS bons funcionando.

DIARINHO – O senhor é um dos políticos mais atuantes do Brasil no Twitter. Comenta a política e até mesmo discute com eleitores ideias e propostas. É normal ver o senhor madrugada adentro dando respostas aos seguidores. Qual é a sua avaliação das redes sociais sob a ótica da educação?

Cristovam: De qualquer maneira é positivo, agora, a gente ainda não aprendeu a usar bem as redes sociais pra educação. A gente não conseguiu ainda botar os alunos usando a rede dentro da própria sala de aula para aprender. A gente continua com o quadro negro, deveria estar usando era o celular. Um dos maiores problemas da escola brasileira é o quadro negro. O quadro negro é uma carroça. [A referência era o quadro negro antigamente, hoje a plataforma deveria ser tecnológica?] Claro. Hoje a plataforma é a lousa inteligente, o telefone, o Ipad. A gente reclama que as crianças são violentas na escola, mas tem que ser [risos]. Uma aula no quadro negro é uma violência com elas. Eu considero o quadro negro um pau de arara mental. Imagina uma aula de astronomia. A professora chega, faz um pontinho branco, esse é o sol, essa é a Terra, aí faz uma roda e diz essa é a órbita. O menino está vendo isso hoje, ao vivo, uma nave lá em frente transmite. Então a aula é chata, desagradável. O que eu sempre digo é o seguinte: nosso desafio é transformar a sala de aula “carroça” de hoje, em uma sala de aula “nave espacial” para o futuro. Pra isso o professor tem que sair de condutor de carroça, para piloto de nave espacial. Tem que ganhar como piloto, mas tem que estudar como piloto, prestar atenção como um piloto.[Existe outra forma de transformar o país sem ser pela educação?] Não tem. Você tem como fazer o país mais rico, mas melhor não consegue. Você faz mais rico, mas com concentração de renda. Deixa eu dar um exemplo. Eu até agora era de um conselho de uma universidade que fica em Tóquio. Eu estava caminhando na rua, com o embaixador do Brasil, e vi um homem varrendo a rua, um japonês. Aí perguntei: “o que faz um japonês ir pra uma empresa de outro japonês para ser varredor?” Nos Estados Unidos e França varredor é africano ou mexicano, não é americano nem francês. E ele disse: “é porque esse cara que tá ali, só conseguiu aprender 400 palavras”. A gente aprende soletrando, então você consegue ler qualquer palavra. Lá não, cada palavra é um desenho, não tem letra. Japonês não tem letra, tem o ideograma. Então pra você ler o jornal precisa de cinco mil caracteres decorados. Então tem gente que não consegue aprender muitas palavras, e vai ser varredor de rua. Não consegue ler um jornal, não consegue ler um livro. É a educação. Ele ficou ali porque não teve educação suficiente. Aqui é igual só que ao invés de ler, apenas ler e entender, é saber matemática, saber história. É a mesma coisa, não tem futuro. Não tem futuro sem uma educação melhor. Até o PIB não vai mais crescer se não tiver capacidade de inovação. Então não tem futuro melhor no Brasil sem educação. E daqui pra frente não tem também mais emprego.

O vídeo está disponível no canal do DIARINHO: https://www.youtube.com/watch?v=ZWtTdqAroTM




Conteúdo Patrocinado



Comentários:

Somente usuários cadastrados podem postar comentários.

Clique aqui para fazer o seu cadastro.

Se você já é cadastrado, faça login para comentar.

WhatsAPP DIARINHO

Envie seu recado

Através deste formuário, você pode entrar em contato com a redação do DIARINHO.

×






216.73.216.76

TV DIARINHO


💡🏛️ LUZES EM ITAJAÍ! Prédios históricos da cidade estão com nova iluminação cênica LED RGB! Além de ...





Especiais

Diário do julgamento do golpe – Ato 7: acusações trincam retrato da “família militar”

JULGAMENTO DO GOLPE

Diário do julgamento do golpe – Ato 7: acusações trincam retrato da “família militar”

Influenciadora Laura Sabino sobrevive a tentativa de assassinato e sofre ataques nas redes

ATAQUE NA WEB

Influenciadora Laura Sabino sobrevive a tentativa de assassinato e sofre ataques nas redes

Mendonça relativiza combate a mentiras e propõe autorregulação das redes sociais

REDES SOCIAIS EM PAUTA

Mendonça relativiza combate a mentiras e propõe autorregulação das redes sociais

Comando Vermelho usa o WhatsApp para vender de tudo

Armas, drogas, carros e macacos

Comando Vermelho usa o WhatsApp para vender de tudo

Reconhecimento facial racista: prisão virou mercadoria para empresas, diz pesquisador

TECNOLOGIA

Reconhecimento facial racista: prisão virou mercadoria para empresas, diz pesquisador



Blogs

Energia acumulada

Blog do JC

Energia acumulada

O que é, o que é...

Blog da Jackie

O que é, o que é...



Diz aí

Leandro Índio no Diz aí! do DIARINHO

AO VIVO

Leandro Índio no Diz aí! do DIARINHO

"Eles sonham com a minha vaga. Eu não cometi nenhum crime, eu não fiz nada de errado "

Diz aí, Jorge Seif Júnior!

"Eles sonham com a minha vaga. Eu não cometi nenhum crime, eu não fiz nada de errado "

Senador Jorge Seif participa do “Diz aí!” desta segunda-feira

AO VIVO

Senador Jorge Seif participa do “Diz aí!” desta segunda-feira

"A ideia é que o parque também tenha acesso pela Praia Brava”

Diz aí, Maria Heloisa!

"A ideia é que o parque também tenha acesso pela Praia Brava”

Diretora do Inis participa do “Diz aí!” no DIARINHO

AO VIVO

Diretora do Inis participa do “Diz aí!” no DIARINHO



Hoje nas bancas

Capa de hoje
Folheie o jornal aqui ❯






Jornal Diarinho ©2025 - Todos os direitos reservados.