A advogada Heloísa Regina Gazzoni, de Balneário Camboriú, que tem cidadania italiana e atua na área de direito migratório, explica que o decreto-lei restringe o reconhecimento automático da cidadania italiana aos filhos e netos de italianos nascidos no exterior, retirando o direito de bisnetos e gerações anteriores.
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“Isso impacta diretamente aos brasileiros que buscavam o reconhecimento da cidadania italiana por meio de ascendência mais distante”, informa. Segundo o governo italiano, as novas regras seriam pra prevenir abusos nos pedidos de cidadania e reduzir a sobrecarga dos serviços pra emissão de documentos, que registra um fluxo descontrolado.
A crítica recai especialmente sobre milhares de pedidos vindos de estrangeiros da América do Sul, se valendo de uma lei considerada ultrapassada pelo governo. A regra antiga prevê a cidadania a partir da comprovação de vínculo sanguíneo com parente italiano vivo após a criação do Reino da Itália, em 1861, sem limite geracional, agora imposto pela nova lei.
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“Ser cidadão italiano é uma coisa séria. A concessão da cidadania não pode ser automática para quem tem um ascendente que emigrou há séculos, sem qualquer ligação cultural ou linguística com o país”, declarou o ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, defensor das limitações.
Mudanças no texto do decreto foram feitas no Senado e entrarão na versão final. Entre elas estão a ampliação dos prazos para algumas solicitações, novas regras para menores de idade, exigência de residência de dois anos para filhos de cidadãos italianos e o fim do prazo de até 36 meses para alguns procedimentos.
Estrangeiros netos de italianos poderão pedir a cidadania, mas só quem tiver ao menos um avô nascido na Itália. Os pedidos feitos com base em familiares mais distantes, com bisavós e tataravós, não serão mais aceitos. A recusa poderá ser contestada. As novas regras também preveem controle mais rigoroso de documentos pra coibir fraudes e custos mais altos pra obter a cidadania, que poderá chegar a 700 euros, cerca de R$ 4,5 mil.
Brasil diretamente afetado
No Brasil, segundo dados do consulado da Itália no Rio de Janeiro (RJ), foram mais de 20 mil pedidos de cidadania italiana aprovados em 2023, numa alta de 40% em relação ao ano anterior. Já entre 2023 e 2024, foram mais de 38 mil processos de cidadania aprovados para brasileiros, conforme a embaixada da Itália no Brasil. Outro milhares de pedidos aguardam reconhecimento.
De acordo com advogada Heloísa Regina Gazzoni, o Brasil está entre os principais países afetados pela nova legislação italiana sobre cidadania. “Com uma estimativa de 32 milhões de descendentes de italianos, o Brasil abriga a maior comunidade de ítalo-descendentes fora da Itália”, destaca.
Ela ressalta, porém, que a mudança não afeta os processos de brasileiros que já haviam dado início ao pedido de reconhecimento da cidadania italiana antes de 28 de março. A data marca a publicação oficial do decreto pelo governo italiano, com vigência imediata, mas que precisou ser convertido em lei pelo parlamento, o que ocorreu nesta semana.
“A lei não tem efeito retroativo, portanto, os pedidos em andamento até essa data continuam válidos e deverão ser analisados sob a lei vigente à época do pedido, e não pelo decreto”, explica a advogada. “No entanto, para aqueles que estavam apenas na fila de espera ou ainda não haviam protocolado o pedido, a situação é incerta, pois os consulados italianos suspenderam novos agendamentos e inscrições nas listas de espera”, completa Heloísa.
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Briga na justiça
Para quem não se enquadra nas novas regras, a especialista confirma que a opção será buscar o direito na justiça. “Para os descendentes que não se enquadram nas novas regras, ou seja, bisnetos e gerações posteriores, a via judicial tornou-se a única alternativa para tentar obter a cidadania italiana, com base na tese da inconstitucionalidade do decreto”, confirma a especialista.
Ela acredita que a própria lei deve enfrentar contestação judicial na Itália, lembrando que a aprovação do decreto já foi sob críticas e resistência no parlamento italiano. Na Câmara dos Deputados, foram 83 votos contrários, com críticas ao governo baseadas num entendimento de que a cidadania por vínculo sanguíneo é um direito e não privilégio.
“A nova legislação ainda poderá ser contestada judicialmente na Itália, pois existem as teses argumentativas de que ela rompe com a tradição constitucional e jurisprudencial italiana ao limitar o direito à cidadania a apenas duas gerações. Desse modo, embora a nova regra já esteja em vigor, o seu futuro jurídico ainda é incerto”, conclui a advogada.