Itajaí
Casa cheia e debates marcam a audiência sobre EIV na Câmara
Manifestantes reclamam que o tema se arrasta há 14 anos e que as discussões só foram iniciadas depois de ordem judicial
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Participantes da audiência pública que discutiu a regulamentação do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) em Itajaí não saíram satisfeitos com os resultados do debate na noite de quarta-feira, na Câmara de Vereadores. O assunto se arrasta por cerca de 14 anos e somente a partir da determinação judicial o Legislativo instituiu uma Comissão Mista para elaborar o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 27/22, que regulamenta a exigência da ferramenta prevista em leis federal e estadual. O grande público presente, quase 300 pessoas, surpreendeu os organizadores.
A reunião foi conduzida pelo vereador Rubens Angioletti (PODE) e teve caráter consultivo. Nova audiência pública está agendada para o dia 26 de outubro para que as discussões tenham continuidade e a comissão busque subsídios para elaboração do texto final. Conforme a decisão da Justiça, a Casa tem 90 dias para aprovar o projeto de lei, em tramitação desde 26 de setembro. A previsão para votação em dois turnos é para 22 e 24 de novembro.
As discussões ficaram polarizadas entre o setor da construção civil e o poder público contra moradores e defensores das causas ambientais. Participaram representantes da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação e do Conselho de Gestão e Desenvolvimento Territorial do município e a comunidade. Entre eles representantes da subseção Itajaí da OAB, do Sinduscon; da ACII e das associações de moradores de Cabeçudas e Praia Brava, além de vereadores.
A cidade precisa ser desenvolvida de forma igualitária e a outorga onerosa e o EIV precisam ser regulamentados para garantir o crescimento ordenado” - Rafael Silva Pinto - Movimento Salve Itajaí
Discussões giram em torno das praias Brava e Cabeçudas
A regulamentação da exigência do EIV e seu cumprimento gera grande preocupação entre os moradores de Cabeçudas, que é um dos bairros mais tradicionais; e da praia Brava, local com grandes áreas ainda preservadas de Mata Atlântica em sua morraria.
A presidente da Associação de Moradores de Cabeçudas (AMC), Maria Inês Freitas dos Santos, explica que a regulamentação do EIV tende a diminuir os impactos e danos ambientais com a instalação de empreendimentos ou atividades que possam gerar prejuízos à comunidade, com a aplicação de medidas compensatórias. No entanto, ela teme que não haja o cumprimento por parte do município no que cabe a fiscalização. Ela defende que a regulamentação do EIV tem que atender a todos os bairros de Itajaí. “Para nós de Cabeçudas é crucial que ocorra a regulamentação e cumprimento da legislação, porque construtoras já adquiriram várias áreas no bairro e esperam apenas o afrouxamento do regramento.”
A presidente da Associação Comunitária de Moradores da Praia Brava (ACBrava), Daniela Occhialini, denuncia que o setor da construção civil define as diretrizes de temas como esse dentro da prefeitura e defende que a sociedade civil precisa ser ouvida. Rafael Gustavo Silva Pinto, do movimento Salve Itajaí, diz que a exigência do EIV não surgiu por acaso e veio cumprir uma lacuna constitucional. “A cidade precisa ser desenvolvida de forma igualitária e assuntos como outorga onerosa e EIV precisam ser regulamentados para garantir o crescimento ordenado.”
Não significa o encerramento do debate. É o início da análise técnica, da participação popular, oferecimento de emendas, exame das comissões, até a decisão em plenário” - Rubens Angioletti - Presidente da Câmara
Construção civil e prefeitura veem EIV como dificultador do processo
O diretor-executivo da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Dalmo Vieira Filho, defende que os planos diretores dos municípios precisam ser pensados de forma a garantir o crescimento sustentável, mas frisa que é fundamental evitar o regramento excessivo. O secretário de Desenvolvimento Urbano, Rodrigo Lamin, questiona a necessidade da regulamentação da EIV, alegando que poderá ser um instrumento burocrático que põe em risco a atratividade do mercado imobiliário local.
A visão também é defendida pelo presidente do Sindicato da Construção Civil de Itajaí e região (Sinduscon), Bruno Pereira. Para o empresário, a exigência do EIV pode gerar morosidade nos processos. Ele diz que a entidade vê com certo desconforto essa situação, porque parece ser um lado da comunidade contra outro com pensamento totalmente oposto, e não é isso que está ocorrendo. “O nosso setor também quer a regulamentação do EIV, mas com foco em toda a cidade. Entendemos que Itajaí [como um todo] é mais importante e queremos uma regulamentação mais desburocratizada para aprovação de empreendimentos, porque isso engessa uma cadeia produtiva inteira e a própria economia”.
Cuidado pra não atravancar negócios
Para o empresário Fábio Inthurn [que representou a Associação Empresarial de Itajaí (ACII) na audiência], o EIV é uma importante ferramenta no sentido de garantir a ocupação ordenada. No entanto, ele acredita que se a lei for aprovada como foi proposta inicialmente, será um retrocesso para o município. “É uma proposta de lei que não leva em consideração as particularidades e a vocação de cada zona da cidade e só trará mais burocracia e será uma lei restritiva ao crescimento da cidade”, aponta.
A lei proposta, segundo Fábio, proíbe qualquer empresa, seja um estaleiro ou um centro logístico, de fazer a expansão de seus negócios sem que antes tenha que se realizar um complexo e caro estudo, que ficará sujeito à aprovação do município e ainda com a obrigatoriedade de realização de audiências públicas. "Acreditamos que os vereadores, com emendas propositivas, corrijam as distorções, adequando as exigências de acordo com o zoneamento e características de cada bairro da cidade", disse.
Construtoras ocuparam maior parte do espaço da câmara de vereadores
Maria Inês, da Associação de Moradores de Cabeçudas, acredita que foi muito importante a participação da população de vários bairros, a mobilização, as manifestações e as perguntas pertinentes, aquelas que não “querem calar”. Mas lamenta a ausência de representantes do Ministério Público. “Lamentável também que dezenas de pessoas de vários bairros não puderam subir para a sessão porque dois terços dos lugares já estavam ocupados por funcionários da construção civil e do setor imobiliário para fazer corpo,” acusa.
Rafael Pinto, do movimento Salve Itajaí, diz que vários fatores contribuíram para que a audiência pública não alcançasse os objetivos esperados. Entre eles a pouca divulgação e a presença maciça de colaboradores de construtoras. “A distribuição de saquinhos com pão de queijo e suco nas filas comprovou essa massa de manobra das construtoras”, denuncia. O ativista diz ainda que o Executivo não conseguiu responder aos questionamentos com relação a implementação do EIV e nem justificar os danos já causados pelo descaso do município com a não implementação da ferramenta.
Daniela Occhialini, da ACBrava, acredita que as discussões evoluíram bastante, mas lamenta que somente medidas extremas garantem a gestão participativa, onde a comunidade possa se manifestar.
Queremos uma regulamentação mais desburocratizada para aprovação de empreendimentos, porque isso engessa uma cadeia produtiva inteira e a própria economia” - Bruno Nitz Presidente do Sinduscon
Participação popular é importante
O vereador Rubens Angioletti classificou o debate como produtivo, respeitoso e com ampla participação popular. “Tivemos um auditório cheio, com perguntas presenciais, transmissão ao vivo e questionamentos também pelas redes sociais. O protocolo do projeto de lei não significa o encerramento dos debates. Rubens explica que a Câmara poderia ter recorrido da decisão judicial e postergado os debates, mas optou por cumprir a decisão em favor da comunidade e do interesse público.
“O prazo para o oferecimento de emendas segue aberto, permitindo o aperfeiçoamento do projeto e a ampla participação popular, e teremos uma nova audiência pública dia 26”, diz.
O secretário de Urbanismo de Itajaí, Rodrigo Lamin, acredita que a reunião pública não atingiu o objetivo, uma vez que muito pouco se discutiu o tema da audiência [a regulamentação do EIV], seus efeitos práticos e suas consequências. “Não se debateu a cidade como um todo, as discussões prestigiaram quase que exclusivamente Brava e Cabeçudas. O restante da cidade parece que não importa”, analisa.
Há questões essenciais, como evitar a criação das 'indústrias de EIVs', lidar com prazos realistas de tramitação, fazer com que impere a razoabilidade e o bom senso nas deliberações e impedir que pequenas iniciativas sejam tolhidas a priori pelos custos e prazos dilatados” - Dalmo Vieira Filho - Diretor-executivo da Secretaria de Urbanismo