Resgate cultural
Devian encontrou em Taquaras o elo entre a paixão pela natureza e a profissão de documentarista
Vídeos registram costumes ancestrais da comunidade de pescadores e revelam faceta desconhecida da metrópole
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
os anos 1980, a diversão na casa dos Zutter era comer pipoca assistindo filmes caseiros, feitos com uma câmera Super 8, que o patriarca adquiriu para registrar os preciosos momentos em que os filhos eram pequenos. Não havia estúdio no Brasil capaz de revelar a película, então as crianças tinham que esperar três longos meses para o filme voltar dos EUA. Estava plantada ali a semente do futuro documentarista, apaixonado pela preservação da memória. E, apesar de já ter rodado o mundo fazendo vídeos de turismo, o que mais motiva Devian Zutter, de 47 anos, são os vídeos de resgate cultural da comunidade de Taquaras, onde foi morar em 2015.
“Dei a sorte de presenciar a construção artesanal de uma canoa a partir do tronco de garapuvu bem na rua para onde me mudei. Quando vi aqueles pescadores esculpindo a canoa não tive dúvida de que se tratava de algo muito precioso e pedi permissão para registrar”, relata. O vídeo “Esperança” foi gravado em 2016 e mostra de forma orgânica cada passo do nascimento da embarcação, que exigiu muito esforço e perícia dos rapazes liderados por Eládio, pescador de 76 anos, que botava em prática conhecimentos que não estão nos livros da escola.
O segundo vídeo sobre as tradições do vilarejo mostra o processo de fabricação da farinha de mandioca no único engenho em atividade das praias agrestes de Balneário. O documentarista acompanhou a lida da família Alexandre desde o momento em que o casal Raul e Lala tomam um café reforçado, passando pelas etapas de raspagem da mandioca, pelas mulheres da comunidade, moagem, prensagem, torra e peneiramento que garante aquela farinha fininha, tão característica do litoral catarinense. Além da fabricação do beiju, herança indígena.
Teve ainda o curta “Santo Peixe”, que mostra a rotina do pescador artesanal Ladislaw Santos Pereira. Santinho, como é conhecido, mantém a tradição da família que tinha na pesca a segunda fonte de renda, depois da roça. A paisagem agreste de Taquaras, colorida pelos barcos e redes, é captada de forma natural, como se o espectador estivesse presente, mas também com a competência de quem está no ramo das imagens há décadas.
“Fui criado num ambiente em que os filmes faziam parte do dia a dia. Meus pais abriram a primeira locadora de vídeo de Balneário e também o primeiro estúdio de edição de eventos, montado em cima da garagem de casa”, relembra Devian, que sempre esteve ao lado do pai Valdomiro para aprender a profissão. Primeiro, ele atendeu no balcão da locadora, a Art Vision, depois, passou a auxiliar nas filmagens de casamentos e formaturas, segurando a luz. “Passamos por todo tipo de tecnologia analógica, da Betacam ao VHS e U-Matic. Fui testemunha da transição para o digital e a popularização de vídeos feitos com celular”.
Hoje Devian se divide entre os vídeos corporativos, que pagam os boletos, e documentários que têm Taquaras como cenário e os moradores nativos como protagonistas. Dois vídeos tiveram o patrocínio da Fundação Cultural; já o registro da canoa de garapuvu e o documentário sobre a pesca da tainha são projetos pessoais. “Minha intenção não é ter lucro, mas valorizar estas práticas culturais que não podem se perder, são de uma riqueza inestimável. E, principalmente, devolver para a comunidade que me acolheu com tanto carinho o registro desses saberes ancestrais que sobreviveram ao processo de modernização”.
"Fui testemunha da transição para o digital e a popularização de vídeos feitos com celular”
Devian Zutter, Documentarista