Surreal
Rose Spíndola inventa histórias até dormindo
A gaveta da artista é cheia de roteiros, contos e crônicas que surgem em sonhos
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Durante boa parte da sua vida, Rose Spíndola travou dentro de si uma guerra para reprimir seus ímpetos criativos e não melindrar o marido, que nunca viu com bons olhos que a esposa fosse além dos limites do lar. Mas como a inspiração teimava em escapulir, usou do seu inconsciente para transmitir enredos e tramas através de sonhos, que foram passados para o papel sem intenção de serem publicados. Até o dia em que ela presenciou um menino estraçalhar um siri na praia, mas a morte do crustáceo não foi em vão. Ele se tornou o herói do primeiro livro infantil de Rose, que finalmente saiu do armário como artista, aos 61 anos.
“A arte era algo inatingível para mim. Nunca imaginei que aquilo que eu escrevia ou pintava tivesse valor artístico. Hoje, parece que eu vivo num mar revolto de tanta atividade cultural que me meto. A última é atuar num filme em que meu prédio será parte do cenário”, revela. O filme, com produção de Dagma Castro, se chama “Ninguém”, e tem como protagonista uma faxineira que fica sem trabalho durante a pandemia. Rose faz a patroa que a dispensa.
Dagma também é sua parceira no projeto que vai transformar o livro “Um Guru...ça bichão” na animação “Garra e Paz”. O filme está na fase do storyboard. Rose é co-autora do argumento, função que assumiu depois que o roteirista teve um “branco”. “Como tínhamos prazo para entregar a papelada na Fundação Cultural, comecei a fazer tudo que era curso de roteiro na internet e o argumento acabou saindo”, conta Rose, que já teve cinco projetos aprovados na lei de incentivo à cultura de Balneário Camboriú e Piçarras, onde viveu por 10 anos.
Foi lá que ela conheceu a jornalista Danielle Garcia, que a convidou para participar da Câmara Setorial de Literatura, em 2015. Numa de suas idas à prefeitura, parou para apreciar uma mostra de artes, quando conheceu Vanderlei Lazarotti. Papo vai, papo vem, ele soube que Rose tinha telas guardadas em casa e se ofereceu para avaliá-las. Não deu outra: das 28 obras que ela pintou ao longo de 20 anos, 22 foram selecionadas para uma exposição individual.
“Na minha vida tudo acontece assim: por acaso, no improviso, sem planejar”. Esta forma de criação quase mediúnica parece ter sido a estratégia encontrada por sua psique para fugir da prisão mental imposta pelo companheiro, falecido há três anos. Ele não fazia ideia que dentro dos baús que ela mandou fazer estavam dezenas de telas pintadas de madrugada. “Eu abria o casulo e deixava minhas borboletas voarem. Tem quem diga que um espírito baixa em mim. Nunca fui atrás disso porque, se me faz tão bem, não quero me curar”, brinca.
Ao mesmo tempo, a amiga jornalista a convenceu a inscrever seu livro na lei de incentivo, só que, em vez da obra de aventura juvenil que estava pronta, optou pela saga do caranguejo. Não só o livro foi publicado, como passou a ser trabalhado na rede pública, já que tinha a questão da proteção ambiental como pano de fundo da trama. Rose já tem três livros infantis publicados e outros seis estão na gaveta. Ela também integra o livro “Memórias de artistas arteiros”, que reúne relatos de 15 artistas de Balneário Camboriú.
Para este ano, ela ainda pretende fazer uma grande viagem para conhecer o mundo de seus personagens, que vivem tramas ambientadas em lugares distantes como Roma e Paris. Mesmo com uma situação financeira confortável, ela nunca saiu do país porque o marido odiava viajar. Apesar das lembranças agridoces, Rose não consegue segurar a emoção quando recorda o dia em que seu companheiro, finalmente, decidiu apoiá-la.
“Quando meu primeiro livro foi aprovado, ele colocou uma fita vermelha no chão para a artista passar, como um tapete vermelho”. Seria o primeiro de muitos que Rose pisaria para revelar os frutos abundantes de sua mente fértil, e se tornar quem ela nasceu para ser.
Na minha vida tudo acontece assim: por acaso, no improviso, sem planejar”
Rose Spíndola