Praia de Canto Grande
Obra passa por cima de ossadas humanas e achados arqueológicos em Bombinhas
Iphan fez o primeiro alerta em maio, mas prefeitura continuou a obra com apoio de moradores. Embargo do Iphan veio em julho
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Ossos humanos e vestígios arqueológicos foram encontrados nas obras da revitalização da rua Jequitibá, na esquina com a avenida João José da Cruz, aos pés do Morro do Macaco, em Canto Grande, Bombinhas. A ossada estava em área escavada pras tubulações de drenagem. Mesmo após o achado histórico, em maio, a prefeitura de Bombinhas manteve as obras. Na semana passada, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) embargou os trabalhos.
Na abertura das valas da obra foram achados, além de ossadas humanas, vestígios arqueológicos de animais e antigos moluscos e restos de materiais construtivos e cerâmicos, conforme parecer do Iphan na primeira vistoria em maio. O documento diz que os ossos humanos tinham a presença de ocre, um tratamento funerário pré-colonial. “Os mesmos aparentemente sugerem tratar-se de distintos indivíduos, o que também sugere um volume de sepultamentos no local, pois quando iniciada a vila do Canto Grande, encontravam muitos sepultamentos de “índios mortos” e outros materiais”, diz o trecho do parecer. Os vestígios foram catalogados e enviados pra análise de uma arqueóloga do Museu de Arqueologia de Etnologia da UFSC.
Em mais uma vistoria, na quarta-feira passada, o Iphan informou que novos vestígios ósseos foram encontrados. O órgão recolheu sacos de papel com dezenas de fragmentos de ossos humanos, incluindo partes de crânio, ossos longos, mandíbulas com dentes humanos, além de materiais ósseos de animais. Os vestígios foram coletados pelo arqueólogo da obra, que tinha outra parte do material guardado em casa.
O Iphan não havia sido avisado da nova descoberta e constatou a falta de paralisação das obras. Com as irregularidades, o parecer da vistoria foi pela paralisação até que haja aprovação de devido Projeto de Acompanhamento Arqueológico. A prefeitura de Bombinhas foi notificada do embargo na última quinta-feira.
Sítio arqueológico já foi descrito
A grande quantidade de vestígios confirma os relatos da comunidade de que na região havia um grande sítio arqueológico que se estendia até a praia. “Não restam dúvidas da grande extensão do sítio arqueológico e do seu impacto ao longo de décadas, através do relato da comunidade, pela bibliografia e pelo contexto encontrado nas vistorias”, anotou a técnica arqueóloga Isabella Müller, que fez as vistorias.
Ainda em maio, ela encontrou uma antiga moradora da comunidade que relatou sobre “sambaqui” no local e que mostrou materiais arqueológicos de pedra que guarda em casa.
Embora o Iphan não tenha catalogado um sítio arqueológico no local, o parecer menciona um sítio arqueológico descrito pelo padre Raulino Reitz, fundador do herbário Barbosa Rodrigues, de Itajaí. Conforme o registro, na década de 1950 foram achados materiais e artefatos de pedra e sepultamentos na frente da Capela de São Sebastião, na avenida José João da Cruz, local que ficou conhecido como “cemitério de índios”, com cerca de 60 “enterramentos”.
Pela descrição do padre Raulino, que fez escavações no local, o sítio arqueológico se estendia desde a praia, passando pela encosta do morro até a ilhota de rochas, abrangendo a área da atual rua Jequitibá. Na década de 1990, obras de água, drenagem e esgoto na via e entorno já haviam impactado os vestígios históricos. O acervo das pesquisas do padre se encontra no Museu Arquidiocesano Dom Joaquim, conhecido como Museu de Azambuja, em Brusque.
"É só um monte de ossos," rebatem moradores
As vistorias que culminaram no embargo da obra provocam revolta de moradores de Canto Grande, contrários à paralisação por causa de “um monte de ossos”. Na semana passada, teria ocorrido confusão no local, após os funcionários da empreiteira terem de parar as obras após à notificação do Iphan.
Moradores ouvidos pelo DIARINHO ficaram receosos em relatar o que ocorreu. Um deles, nativo do bairro, morador da rua Jequitibá, disse que o embargo é uma “vergonha” porque a obra deveria ser finalizada. A preocupação dos vizinhos é que a falta de drenagem na rua vai prejudicar as casas, com a água que desce do morro e não tem pra onde escoar.
O morador lembrou que antigamente já haviam localizado ossos no terreno onde fica a igreja, mas na época não foi feito nada. “Agora acharam de novo. Mas ninguém sabe se é osso de gente ou de boi”, opinou, desprezando a importância histórica dos achados.
Outro nativo, morador na avenida João José da Cruz, Lourival Pinheiro, de 64 anos, também fez referência ao “cemitério de índios” e destacou não concordar com a paralisação das obras. “Nós é doido pra que acabe a rua”, disse.
A prefeitura confirmou que a ossada foi encontrada durante as obras de revitalização no local, informando que, por orientação do Iphan, contratou uma empresa especializada em acompanhamento arqueológico.
Segundo o parecer do Iphan, o arqueólogo da obra só começou a trabalhar no dia 1º de julho, e ainda de forma irregular, mais de um mês após as primeiras descobertas. Segundo a assessoria do município, por enquanto as obras no local seguirão suspensas.
“A equipe especializada está trabalhando no local e em breve entregará um relatório para prefeitura”, informou. As obras no trecho final da avenida João José da Cruz recebiam serviços de drenagem pra pavimentação. O projeto de R$ 1,2 milhão prevê a revitalização da via, com novas calçadas, sinalização e iluminação e mobiliário urbano.
As obras pararam no trecho do salão paroquial da capela São Sebastião. As valas onde os ossos foram achados já receberam tubos e foram encobertas
Os vestígios arqueológicos achados em Canto Grande não se resumem a 'meia dúzia de ossos'. Há uma grande variedade de vestígios de valor incalculável, não só para Bombinhas, mas para a história” - Isabela dos Santos - Vereadora (PSDB)
Vereadora que denunciou o caso é ameaçada
A falta de acompanhamento arqueológico na obra foi denunciada inicialmente pela vereadora Isabela Camile da Silva dos Santos (PSDB) ao Iphan, após o encontro de ossada humana, em maio. Com o embargo da obra, a vereadora, que já vinha sofrendo perseguições, relatou pelas redes sociais que houve ameaças a sua família. No sábado, ela informou que faria um boletim de ocorrência e uma denúncia ao Ministério Público.