Um mar de lama caiu sobre a Fatma da Santa & Bela. Tudo por conta da denúncia de envolvimento de políticos, empresários e servidores da Fatma Itajaí num esquemão de liberação fraudulenta de licenças ambientais. A polícia Federal já indiciou seis pessoas, entre elas o ex-governador Leonel Pavan (PSDB) e o ex-gerente regional Gabriel Santos de Souza. Há suspeitas que 80 licenças foram emitidas de forma irregular. Murilo Flores, presidente da Fatma no estado, conversou com o DIARINHO na quarta-feira sobre o rolo. Ele garante que tá correndo atrás do prejuízo na imagem da fundação.
DIARINHO Como o senhor está vendo a operação da polícia Federal e Ministério Público Federal que investiga a Fatma de Itajaí?
Murilo Flores: A gente já vinha acompanhando problemas na Fatma de Itajaí, de forma mais concreta, desde o início do ano. Nós fizemos o boletim de ocorrência do desaparecido de 76 processos. Alguns nós já encontramos dentro da própria Fatma, que tinham ido parar em Blumenau, outros aqui na sede, mas uma parte não foi encontrada e fizemos um BO na polícia Civil. [Mas continuam 76 desaparecidos?] Alguns já foram encontrados, alguns poucos apenas. A grande maioria ainda está sumida. A gente, imediatamente, levanta a hipótese de terem sumido por conta de alguma irregularidade no processo. [Quem sumiu com esses processos?] Não sabemos, isso que estamos tentando investigar. No início do ano, fizemos aquela operação conjunta com a PF, que resultou na prisão de um funcionário. Só para mostrar que a gente já vinha, de alguma forma, observando alguns problemas na regional de Itajaí, ainda que de forma isolada. Esse caso da prisão é isolado do caso que a PF vem investigando agora.
DIARINHO Os fiscais Márcio Luna Albuquerque e Carlos Alberto Peçanha continuam trabalhando?
Murilo: Esses continuam normalmente porque nós não temos ainda elementos da polícia para abrir o processo administrativo. Como está seguindo em segredo de justiça, nós, Fatma, não temos os elementos para abrir o processo. Somente quando a polícia terminar o inquérito, ele vai ser remetido pra gente. Em paralelo, nós vamos abrir um processo administrativo. [Só pelo fato de terem sumido 76 processos não se deveria abrir um procedimento administrativo?] Mas não sabemos quem foi que sumiu. Abrir processo contra quem? [A princípio, as irregularidades foram em licenças com a atuação do Márcio e Peçanha?] Esses foram identificados pela polícia, não por nós. A polícia chamou eles para depor. Aí, a polícia Federal solicitou à Fatma que levantasse informações a respeito de processos de licenciamentos, com a finalidade de aumentar as informações na mão deles para ampliar as investigações. [Isso já foi atendido?] Nós ainda estamos fazendo este levantamento.
DIARINHO O que o senhor espera encontrar na auditoria aberta na quarta-feira?
Murilo: Encontrar respostas para as perguntas que a polícia nos fez. Encontrar a resposta de onde estão e porque sumiram os processos que desapareceram. Eu quero ressaltar o seguinte: a Fatma Itajaí é maior que as pessoas que estão sendo indiciadas pela polícia. Tem funcionários muitos corretos lá dentro, que estão indignados e se sentido extremamente desconfortáveis com a situação.
DIARINHO Por que o então chefe Gabriel Santos de Souza deixou a Fatma Itajaí em 2010?
Murilo: Houve um pedido meu ao secretário Paulo Bornhausen para que não o mantivesse. Todos os cargos comissionados, no dia 31 de dezembro de 2010, foram exonerados. Houve um acordo entre o ex-governador Pavan e o governador eleito Raimundo Colombo pra essa exoneração. [Por que não nomear novamente o Gabriel ?] Muitos conflitos internos da Codam [coordenadoria de Desenvolvimento ambiental]. Ainda que não tivéssemos elementos que apontassem evidências de má conduta. Havia um clima ruim dentro da regional, e ela precisava encontrar um novo gerente que trouxesse uma harmonia para a equipe.
DIARINHO O senhor tem ideia de quantas licenças da Codam de Itajaí apresentam indícios de fraude?
Murilo: Não sei ainda. Essa auditoria, eu espero que, num curto espaço de tempo, consiga dar luz a essa sua pergunta. Porque essa é uma pergunta que precisa ser respondida. Por que sumiram? Onde estão? E se sumiram, sumiram por alguma razão de fragilidade no processo que gerou a licença? A licença é uma folhinha que está autorizando, mas ela é fruto de um trabalho de páginas e páginas de documentos, com pareceres, vistorias, pareceres técnicos, que permitem ir lá alguém e assinar a licença. Se há uma fragilidade nessa licença, se ela foi emitida com alguma fragilidade, e o processo sumiu, você tem dificuldade de descobrir quais eram as fragilidades no processo. Se fizeram uma licença malfeita, ela não deveria ter saído. [É possível ter a licença em suas mãos e o processo não ter sido feito?] Não ter sido feito o processo, pouco provável. Agora, ter sido feito um processo malfeito, pode sim. [Uma licença ambiental demora quanto tempo para ser liberada?] Depende. Não menos que 30 dias, mas pode levar anos. [É possível conseguir uma licença ambiental na Fatma em um dia?] Não, não. Você consegue, por exemplo, em dois, três dias, uma licença quando, na realidade, não há necessidade de licença. Há um documento chamado conformidade ambiental, quando o empreendimento é tão pequeno que não precisa ser licenciado de acordo com a lei. Só este tipo de documento é capaz de sair em dois, três dias. A licença ambiental é impossível sair em um prazo desses.
DIARINHO O cargo da Fatma Itajaí faz parte da fatia do PSDB no governo Raimundo Colombo?
Murilo: O atual gerente [Gilberto Gadotti] é ligado ao PSDB, não sei se filiado. Anteriormente era do PSDB também. O Gabriel também era ligado ao PSDB. [Quem nomeia essas pessoas é o senhor Leonel Pavan?] Não necessariamente. Primeiro que o PSDB tem várias correntes lá dentro. Não sei quem indicou. [Não teria que passar pelo senhor a aprovação da nomeação?] Eu não assino a nomeação. Quem assina é o governador. [O senhor não tem poder de escolha sobre as gerências das regionais da Fatma?] Eu tenho conseguido escolher vários, impedir a entrada de alguns, inclusive, a saída do Gabriel foi um pedido meu. Então, isso eu consegui fazer. Não sou eu quem decide no final. [O senhor é PSDB?] Não, eu sou PSB [Partido Socialista Brasileiro], desde a semana passada, antes não tinha partido.
DIARINHO O procurador da República disse ao DIARINHO que a Fatma foi loteada politicamente em um manancial de propina. Por que a fundação chegou nesta situação?
Murilo: Primeiro, eu acho que o procurador exagerou. Ele, evidentemente, exagerou. Há problemas de propina na Fatma, tanto que nós armamos uma prisão em Itajaí. A gente sabe que há problemas, mas não se trata de um loteamento como está colocado. A questão da influência política, ela não existe só na Fatma, mas em todos os cargos do governo. Não se trata, exatamente, de um loteamento, há gente que está em cargo comissionados que sequer tem filiação partidária. [Não haveria a necessidade da nomeação ser técnica em todos os casos?] Não tem dúvida que tenhamos de evoluir para esta situação. Posso dizer que isso melhorou muito. Eu estou presidente há dois anos e meio, e nessa troca de governo melhorou muito. Isso está evoluindo gradativamente. Mas, agora, existe propina dentro da Fatma? Existe! Isso existe em ONGs, judiciário, legislativo. Isso é uma praga muito forte no Brasil.
DIARINHO O senhor acha que o MPE e a PF se sentem confortáveis, seguros em pedir uma vistoria, uma fiscalização da Fatma, diante de tantos casos de corrupção?
Murilo: Eles têm nos pedido, mas eles têm instrumentos mais fortes que nós. Eles podem fazer escutas telefônicas, eles podem pedir à justiça, eles podem ir muito mais a fundo que a gente. Por exemplo, na prisão do servidor do início do ano, o que aconteceu: a gente só fez aquilo porque uma pessoa do setor privado se dispôs a depor. Porque, muitas vezes, eu recebo comentários de empresários que estão sendo requisitados recursos a eles. Peço que eles deponham e eles não querem depor. Às vezes, eu recebo empresário aqui que começa ah, tô com dificuldade em tirar a licença. Eu pergunto: você está recebendo pressão para pagar?. O cara diz que não, e eu digo: se estiver, diga, e não pague. Não paguem, denunciem.
DIARINHO O senhor citou problemas de fiscais pedindo propinas. O maior problema é em Itajaí?
Murilo: Houve uma concentração de problemas em Itajaí. Hoje, nós temos alguns problemas pontuais fora de Itajaí. Nós já identificamos onde tem, em outros lugares, ações individuais de outro técnico em outras regionais, que a polícia Federal já está investigando, inclusive, com informações passadas por nós.
DIARINHO Qual a garantia que a sociedade tem, ao ver uma obra licenciada pela Fatma, de que a licença foi feita corretamente?
Murilo: Esse é o grande desafio que eu tenho e apresentei em fevereiro para o governador. A missão é, ao final do governo dele, a Fatma ter alcançado um grau de credibilidade que as pessoas acreditem na licença, gostando ou não dela. [Hoje as pessoas não acreditam?] Ainda paira dúvida, evidentemente. Essa auditoria em Itajaí, tem como um dos objetivos mostrar à sociedade que vamos separar as licenças ruins das boas, e vamos divulgar, para as pessoas poderem confiar.
DIARINHO Quanto tempo para afastar essa imagem de corrupção da Fatma?
Murilo: Eu prometi que isso ia levar o mandato dele [de Raimundo Colombo]. [O senhor acha que foi descoberto que negociar o meio ambiente era lucrativo?] Talvez. Mas também tem coisas que não eram transparentes e começaram a ficar. O número de licenças aumentou muito, as legislações impondo o processo de licenciamento têm crescido. Isso pode ter suscitado mais interesse de pessoas para fazer a coisa errada.
DIARINHO Além da auditoria, o senhor pensa em fazer mais alguma revisão no trabalho da Fatma?
Murilo: Isso a gente já está fazendo. O grande pulo do gato está em andamento. Nós estamos implantando um novo rito de licenciamento desde janeiro de 2010. Tem um monte de detalhe que não adianta explicar, mas na essência é que o processo vai ser todo informatizado. Na internet terá todo o processo, os pareceres, quem assinou, quanto tempo levou tramitando. Hoje, por exemplo, ninguém assina mais uma licença sozinho. Eu, como presidente, não posso assinar uma licença. Tem um comitê, formado por um grupo de pessoas, que aprova, após analisar. Depois, eu assino. São esses procedimentos que estão sendo implantados que vão reduzir mas não eliminar a possibilidade de uma licença ser fraudulenta. Essa coisa de sumir processo, não vai mais sumir. [Qual a garantia que o senhor terá que todo servidor colocará o processo na internet? A gente tem nessa operação fatos que mostram que as licenças eram informais....] Algum processo tinha. Como alguém mal intencionado fazia uma licença fraudulenta? Quando fazia um processo malfeito e, se ameaçado, ele sumia com o processo. Para você não identificar quem assinou, quem foi o responsável por fazer malfeito. Se você é obrigado a ter todo o processo online, não tem como desaparecer com o processo.
DIARINHO O que pode acontecer com os servidores envolvidos com os licenciamentos fraudulentos?
Murilo: O estatuto prevê de advertência a demissão. Se a polícia comprovar que as pessoas estavam envolvidas em fraudar, o provável é que seja aplicado o extremo da punição. [A gente observa que muitos servidores metidos em fraudes saíram da Fatma e abriram consultorias ambientais, voltando a trabalhar informalmente com a Fatma. Isso não é contraditório?] Se olhar no passado, você não encontra gente que foi processada administrativamente e nem expulsa da Fatma por processos administrativos dessa natureza. Você não encontra porque os processos administrativos davam em nada. Só que isso mudou, agora vai dar!
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