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Itajaí

Smykalla, o homem que pinta a vida

Ele fez perto de uma dezena de pinturas em templos católicos. Muitas delas ainda resistem ao tempo e à insensibilidade dos que ainda não perceberam a importância da arte sacra de Smykalla

Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]

Você pode até não ter conhecido pessoalmente Walter Smykalla, que hoje, aos 72 anos, vive praticamente abandonado e esquecido num quartinho de cortiço em Taubaté, interior de São Paulo. Mas provavelmente já esbarrou em uma das suas centenas de obras por aí ao visitar a casa de algum amigo, frequentar algum comércio, ao andar pelas ruas de Itajaí ou mesmo ao entrar em alguma igreja ou capela católica. Silvestre Souza, 66 anos, artista plástico e amigo do pintor, estima que Smykalla tenha produzido mais de 500 obras, entre afrescos, telas em óleo e pinturas sobre Eucatex.

Mas são as pinturas sacras as que mais marcaram a presença do pintor na região. Há quase uma dezena delas entre Itajaí, Navegantes, Penha e até no entorno do Santuário de Madre Paulina, em Nova Trento, hoje o maior ponto de peregrinação católica do sul do Brasil. “Todas as igrejas onde a gente andava tinha obras dele”, lembra a poetisa Cláudia Telles, 41 anos, que aprendeu a admirar a produção de Smykalla na adolescência, quando fazia parte de grupos de jovens católicos.

Um dos mais bonitos afrescos de Smykalla está na periferia de Itajaí. Foi pintado em 1993 na parede atrás do altar da capelinha de São José Operário, que fica na rua Luiz José Medeiros, no loteamento ...

 

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Mas são as pinturas sacras as que mais marcaram a presença do pintor na região. Há quase uma dezena delas entre Itajaí, Navegantes, Penha e até no entorno do Santuário de Madre Paulina, em Nova Trento, hoje o maior ponto de peregrinação católica do sul do Brasil. “Todas as igrejas onde a gente andava tinha obras dele”, lembra a poetisa Cláudia Telles, 41 anos, que aprendeu a admirar a produção de Smykalla na adolescência, quando fazia parte de grupos de jovens católicos.

Um dos mais bonitos afrescos de Smykalla está na periferia de Itajaí. Foi pintado em 1993 na parede atrás do altar da capelinha de São José Operário, que fica na rua Luiz José Medeiros, no loteamento Nova Esperança, no bairro Cordeiros. Olandina Wortmeyer, 62, a dona Daia, foi quem procurou o artista e pediu a obra. Com um detalhe: como a comunidade era pobre, não tinha dinheiro pra pagar. “Ele veio aqui, viu a igreja e disse: ‘Vou fazer um trabalho em São Paulo e em três meses eu volto e pinto pra você’. Três meses depois ele tava aqui e pintou a igreja, sem cobrar nada”, lembra a hoje ministra da Eucaristia da capela.



Walter calcula que levou de dois a três meses pra pintar todo o fundo da igreja, algo perto de 10 metros contínuos de parede. São três cenas em ambientes distintos. A da esquerda, o nascimento de Jesus, onde consegue fazer com que São José esteja em evidência sem desmerecer as figuras do menino Jesus e de Nossa Senhora. A da direita São José aparece numa oficina de marcenaria ensinando o filho. A do centro um cenário que mistura ambientes da nossa região, com morros gramados, pedras e mata, com a típica geografia andina, com uma montanha tendo à sua base um rio. Um velho de barbas brancas, dando a ideia de um pastor, conversa com um menino, sentados na grama e com algumas ovelhas perto.

Durante o tempo da pintura da capela de São José Operário, Walter morou com os Wortmeyer. Virou amigo da família.


Um das obras mais bonitas fica na periferia de Itajaí

É no afresco da capela de São José Operário que Smykalla deixou impressa uma das características que o torna um artista raro: fazer com que suas pinturas dêem a impressão de movimento. “Parecia tudo vivo. A água parecia que tava correndo. Parecia de verdade. A gente ficava aqui olhando e parecia que as coisas se moviam”, diz dona Daia, usando o verbo no passado. “Aí passaram esse verniz e perdeu”, lamenta a ministra da eucaristia.

Isso mesmo, a pintura de Smykalla foi modificada. “Eu tava viajando e um dia, quando cheguei, tinham botado esse verniz por cima”. Não foi por mal. A ideia era preservar a pintura que já começava a descascar. O afresco perdeu o vivo do colorido, típico das obras de Smykalla, mas lhe deu outra beleza. Por isso, o artista não se importou. “Tirou as cores vivas, é verdade. Mas ficou bonito, deu um ar de capela Cistina. E se é pra preservar, não faz mal”, avaliou, com aquela inocência desprovida de vaidades.

Smykalla também não se importa que dona Marlene dos Santos Lauren, 64 anos, responsável pela igreja de Santa Luzia, no bairro Machados, em Navegantes, contrate alguém para retocar a base da imensa figura que há atrás do altar e que ele pintou em 1989. A pintura está descascando. “Deve ser pela umidade”, arrisca dizer a beata. “Pode chamar alguém pra fazer, é só um tom de cor, não faz mal retocar”, tranqüiliza o autor da obra.

Dos três afrescos na mesma igreja, dona Marlene considera o que está no altar o mais significativo pra ela e pra comunidade onde mora. “Porque era assim mesmo que tava as margens do rio naquela época. Eles pescavam de tarrafa, tinham os estaleiros lá atrás, bem como tá na pintura”, explica, reforçando o que é considerado outra característica importante na obra de Smykalla: colocar o cotidiano das comunidades em seus trabalhos, até mesmo nas artes sacras.


Na mesma igreja, em 1993, o pintor retratou nas paredes laterais a cena do filho Pródigo retornando para casa e do descida do Espírito Santo.

No Santuário de Nossa Senhora dos Navegantes, a matriz da cidade, também há um afresco de Smykalla. Mas o público não consegue ter o prazer de apreciá-lo. Está tapado por um mural.

“Enquanto eu viver, ninguém derruba essa parede


Dona Tereza tomou a defesa da obra de Smykalla

Dona Tereza Rodrigues tem 82 anos. Mas não se quedou ao peso da idade. Até mês passado, essa velhinha com pouco mais de um metro e meio de altura, fala mansa e andar tranquilo era presidenta do grupo de senhoras do Apostolado de Oração da capela de Bom Jesus, em Armação, na Penha. Agora é a vice. Ela também é, há exato meio século, integrante da diretoria da capelinha que fica no alto do Morro do Ouro e tem vista privilegiada para a bela enseada de Armação do Itapocoroy, retratada por Walter Smykalla no altar do templo.

Foi por conta desse engajamento e dessa energia que a beata que caminha em direção aos 100 anos conseguiu salvar uma das obras sacras do pintor. Dona Tereza liderou uma rebelião que fez a diretoria da capela onde congrega mudar os planos de ampliar a igreja e, assim, manter a pintura que ainda hoje decora o altar da capela, representando Nosso Senhor Bom Jesus em meio à bela paisagem da enseada.

A guerra santa aconteceu há uns cinco anos. “Um dia cheguei na igreja e já tinham derrubado o altar. Aí tavam comentando que a presidente ia derrubar a parede pra aumentar a igreja”, conta. Dona Tereza não pensou duas vezes. Juntou um grupo da comunidade e rodou a baiana pra que a pintura de Walter Smykalla fosse preservada a todo o custo. “Enquanto eu viver, ninguém derruba essa parede. Não vou deixar nunca derrubarem. Essa pintura é pra eternidade”, avisa a senhorinha.

Walter se sente lisonjeado com a proteção. Como também ficou feliz quando parte do grupo arregimentado por dona Tereza correu ao seu encontro assim que soube que ele estava em Armação. Lá estavam as irmãs Herta, Maria Rosália e Maria Santana, mais o comerciante Dedé Souza a prestar homenagens ao velho artista. “A gente colhe o que semeia”, comentou Smykalla, depois.


Nem o artista nem dona Tereza ou os outros membros da comunidade lembram direito quando a capela foi pintada. Acreditam que foi entre 1992 e 1993. A data da obra foi apagada, não se sabe o porque.

Mais de 500 pessoas na primeira exposição

A primeira exposição solo de Smykalla – das raras que fez – aconteceu em 1988. Foi Silvestre Souza, então diretor da Casa da Cultura de Itajaí, quem abriu caminho pra que o pintor marginal passasse a frequentar os meios artísticos. O próprio Smykalla foi quem produziu os convites à mão. Ao todo 100 deles. “Cada um diferente do outro, personalizados”, lembra Silvestre.

A meta de 100 pessoas na abertura da exposição era ousada. “Foram mais de 500 pessoas. Foi um mês de exposição. Ele merecia realmente isso”, diz Silvestre, que viria a se tornar um dos grandes amigos de Smykalla. Até o poeta e artista plástico franco-brasileiro Rodrigo de Haro, membro da academia Catarinense de Letras, apareceu para admirar os quadros do até então desconhecido pintor.

A poetista Cláudia Telles tava lá, se esgueirando entre as centenas de pessoas pra poder ver os quadros. “A exposição do Smykalla foi a primeira que fui na minha vida e ela me afetou muito. Eu tinha só 16 anos na época. Gostava das paisagens que ele retratava”, lembra. Na ocasião não imaginaria que sua vida iria se entrelaçar com a daqueles dois homens: virou fã incondicional de Smykalla e 15 anos depois companheira de Silvestre.

Apaixonada pelas obras do homem que pintava o cotidiano da região, Cláudia procurou e conseguiu uma raridade. Um exemplar do ‘W Smykalla Artes’, livro que mostra várias obras do artista em Santa Catarina e em São Paulo e revela, inclusive, desenhos em lápis até então inéditos, que o próprio Smykalla guardava consigo e não mostrava a ninguém. O livro, da editora JAC, de São José dos Campos, foi publicado em meados da década de 90, logo que o artista deixou Itajaí para viver no norte de São Paulo. “Quando vi fiquei louca. Só tinha esse pra vender”, narra.

A rebelde elegância de um artista incomum

Dos seis dias em que esteve em Itajaí, em quatro deles Smykalla usou a mesma roupa. Seria um conjunto até elegante, não fosse o desmazelo e as condições das peças: uma camisa de botão amarelada (e que certamente um dia foi branca); um fina blusa de algodão marrom-escuro com detalhes em dourado e botões de madeira, lembrando uma roupa oriental; um grosso e pesado sobretudo de lã com golas de pelo sintético; uma velha calça de risca, com uma gravata enjambrada como cinto. “Olha aqui... eu não achei o cinto e aí botei essa gravata azul. Ficou bom, né!?”, brincou ele quando, no sábado pela manhã, finalmente resolveu vestir as roupas novas que desde quarta-feira estavam à sua disposição.

Nos pés, um surrado sapatênis azul com detalhes brancos, já encardidos. Na cabeça sempre um velho chapéu de feltro preto. “Esse chapéu era do Mazaropi. Ganhei de um homem que trabalhou com ele”, conta, referindo-se ao ator e cineasta Amacio Mazzaropi, que encarnou nas telas o caipira e a gente pobre do interior do Brasil. No pescoço despenca uma corrente – provavelmente de latão – com uma cruz prateada e um cristal que reflete pontos coloridos sobre as paredes quando recebe a luz solar e que fazem Smykalla parar o passo lento e começar a olhar o reflexo toda vez que isso acontece. “Olha, formam as cores do arco-íris”, costuma comentar, maravilhado, como se as estivesse vendo pela primeira vez.

Smykalla trocou a roupa por um motivo: no sábado, ia almoçar com a família Wortmeyer e rever a amiga Daia (dona Olindina, 62 anos, ministra da eucaristia de uma das muitas capelas que pintou na região) pela segunda vez na semana. Fez questão de se arrumar e fazer duas coisas que até então não havia feito durante todo o tempo em que esteve em Itajaí: esborrifar um desodorante pelo corpo e parar na frente do espelho para se arrumar. Estar apresentável, com certeza, era uma forma de demonstrar o carinho e o respeito aos amigos.

As camisetas novas ficaram no quarto de hotel. Vestiu a calça de moletom confortável e que elogiou mais que as outras peças, um sapatênis do qual ressaltou o conforto e resolveu botar a blusa de lã por cima da delicada pele branca de idoso. Não abriu mão de voltar a usar a camisa oriental, o sobretudo de lã e o chapéu de feltro por cima das roupas novas.

Smykalla e o sentimento de eterna criança

Em boa parte do tempo, Smykalla usou um óculo escuro, de lentes arredondadas e detalhes dourados. Um óculos barato, desses que se compra em camelôs ou bancas de mercado. Mas bonito, pra quem consegue ver a figura de Smykalla para além do desmazelo, e combinava com o conjunto da roupa que usava.

O óculos não é vaidade. É para proteger os pequenos e belos olhos azuis que, apesar da idade e das condições em que toca sua vida, não perderam o brilho. São olhos vivos, de uma criança. “Eu tenho, aqui, 12 anos”, repetiu algumas vezes, tocando os indicadores – ora com o da mão direita, ora com o da esquerda – na fronte.

Smykalla, o homem que pinta a vida

Durante cinco dias o DIARINHO promoveu e acompanhou o reencontro do artista plástico Walter Smykalla com obras e pessoas que fizeram parte de sua história na região. Um resgate e uma homenagem ao artista que muitos já consideravam morto e que hoje leva uma vida desvalida no interior de São Paulo. A série também mergulha no universo de conceitos do homem que rompeu com convenções sociais para ter a liberdade de expressar sua criatividade. Na edição de amanhã, a última da série, você vai conhecer a história de vida de Smykalla, sua relação familiar com o naturalista Fritz Müller e saber como alguns dos mais importantes artistas plásticos da região interpretam a arte e a importância do pintor.




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