Histórias que eu conto
Por Homero Malburg -
Homero Bruno Malburg é arquiteto e urbanista
Colégio Catarinense 6
No refeitório, havia uma certa disciplina criada por nós mesmos por uma questão de sobrevivência. As mesas eram para seis – dois em cada lado, mais dois nas cabeceiras. Foi instituto um sistema de rodizio e cada dia um de nós sentava em uma das cabeceiras – lugar do chefe da mesa. Este tinha o direito de ser o primeiro a se servir dos maiores e melhores pedaços. Com o tempo e a convivência havia um respeito mútuo, embora a fome nos levasse à gula. Quando recebíamos algo de casa, primeiro nos servíamos e depois oferecíamos aos outros para não correr o risco de acabar sem nada. Havia os que nem ofereciam... Como a lavanderia do colégio não tinha grande cuidado com as roupas, alguns de nós que morávamos mais ou menos perto, mandávamos lavar a roupa em casa. Aos sábados íamos à rodoviária despachar a roupa suja e buscar a malinha da roupa limpa com cartas e alguma coisa boa para comer que a mãe mandava.
Sábado à noite saía na sala de jogos a grande atração: o jornal mural da Congregação Mariana. Ao contrário do que se pode pensar, nada de muito piedoso. Noticias de futebol, cinema, comentários sobre o dia a dia do Colégio, e uma grande “bomba” – a lista dos dez mais de semana: o mais santinho; o mais estudioso (CDF); o mais ingênuo; o mais H2S (símbolo do gás sulfídrico outorgado ao mais peidão); e depois de outros, o “mais-mais”– para aquele que, conscientemente ou não, tinha de alguma maneira faltado com a sua masculinidade. Esta era a bomba! Corria todo mundo para ver a lista. Certa vez, um “mais-mais” não gostou e a rasgou. O pau comeu. Ninguém podia fazer isto. Quase que nós, redatores, fomos expulsos.
O banho de mar na baía do norte que ficava juntinho ao Colégio, era permitido no verão. Era só atravessar a rua Almirante Lamego, pois não havia a avenida Beira-mar. Nesta na rua morava o perigo: o bar do Katcips, hoje monumento histórico, para onde os mais afoitos fugiam para tomar pinga.
Entrar no pomar para comer frutas era outra aventura perigosa. Certa vez, dois entraram e estavam nos galhos mais altos de uma goiabeira, quando viram o padre Geremia caminhando lendo o breviário. Ficaram imóveis. O padre veio, veio e encostou no tronco da árvore. Eles trepados, suando frio. Quando soou o sinal do fim do recreio, sentiram-se perdidos. Foi aí que o padre olhou para cima e disse: – Ihh, podem descer agora! Ele os estava controlando pelo marcador de livro de orações que era de celuloide e funcionava como um espelho.
Depois do almoço, era a hora de ouvir as notícias pelo rádio Diário da Manhã, repórter Renner. Assim soubemos da construção do muro de Berlim, da crise causada pela renúncia de Jânio Quadros, da corrida espacial e da morte da musa de quase todos: Marilyn Monroe.
Na sala de estudo havia uma pequena biblioteca. Podíamos emprestar livros para ler durante o recreio. Normalmente clássicos, livros de aventura e a coleção completa de Connan Doyle, incluindo os livros do Sherlock Holmes. Eram contrabandeados para dentro do internato uns livros de bolso de Shell Scott, policiais, com muitas mulheres no enredo e de texto apimentado. Revistas tipo Manchete e Fatos e Fotos inteiras eram raras, pois o padre Prefeito recortava todas as mulheres de biquíni. A revista Seleções inócua, tinha uma página sensualíssima – uma propaganda de óleo de cozinha onde aparecia uma coxa inteira de galinha espetada em um garfo. Abriamos a revista e ficávamos salivando.