Histórias que eu conto
Por Homero Malburg -
Homero Bruno Malburg é arquiteto e urbanista
Os natais da infância
O espírito natalino começava a se manifestar no dia de São Nicolau – 6 de dezembro. À noite, depois do jantar, uma enxurrada de balas e bombons caía pela janela. Era coisa do São Nicolau. Depois do susto, disputávamos cada doce por baixo dos móveis, pela sala toda. Em 13 de dezembro era vez de Santa Luzia, que vinha montada em um cavalo e, em troca do capim que ajeitávamos para ele comer, nos deixava mais balas.
Finalmente, o Natal. As casas eram pintadas, jardins roçados, quintais limpos, tudo à espera dele. Em casa, os cochichos do pai e da mãe, os armários trancados, o cheiro dos biscoitos natalinos enfeitados de açúcar colorido. No dia 24, as portas da sala amanheciam trancadas. Lá dentro o Papai Noel trabalhava. Uma espiada pelo buraco da fechadura era um perigo; ele soprava cinzas no olho da gente. O dia, para nós, simplesmente não passava. À noite, jantar de bacalhau na casa da avó. Depois, “abria-se a árvore”; após a oração, a distribuição dos presentes empilhados embaixo do pinheiro. A família reunida, o ponche de frutas que sempre havia neste dia, o cheiro do peru no forno assando para o almoço do dia seguinte, e tarde, muito tarde, íamos dormir, exaustos, prontos para acordar cedo no dia seguinte para brincar mais um pouco com os presentes, ainda antes da missa.
Esta era a fórmula que usávamos em nossa família. Com muitos parentes e muitos filhos, nunca passávamos o Natal fora de Itajaí. Nos parecia ser assim a única forma de festejá-lo. Os presentes, além dos brinquedos, eram também coisas que estávamos precisando no dia-a-dia. Uma pasta nova para a escola, um calção de banho, um boné “Sete-vidas”, uma lanterna para o verão na Armação, que não tinha luz elétrica. Os presentes para mim especiais foram: a bicicleta que ganhei no Natal de 54 e o piano que ganhamos em 57. A partir de então, ensaiávamos sempre cânticos de Natal para tocar no dia 24 à noite, que um de nós acompanhava ao piano. Certa vez, meu pai resolveu construir no jardim um “pinteiro” – uma casinha para criar pintos de raça. Foi construída, pintada, e minhas irmãs, na inocência da infância, não desconfiaram que era uma casa de bonecas, presente para elas no Natal.
As compras eram feitas antecipadamente em Itajaí e algo mais especial era comprado em Blumenau. Lembro-me de ganharmos discos com a etiqueta da Casa Flesch e das compras no Willy Sieverdt.
Minha mãe, certa época, decidiu que para resgatarmos o sentido religioso da festa, deveríamos ir, durante o advento, à missa da matriz das seis e meia, toda manhã. Claro que odiávamos acordar cedo nas férias, mas, como na época não se discutia com os pais, lá íamos todos...
No dia de Natal, toda a programação da rádio era de músicas mais calmas, principalmente aquelas natalinas tocadas pelo Luís Bordon e sua harpa, que resistem até hoje.
Eu tinha amigos com Natais diferentes. Uns o passavam fora, outros ganhavam um presente só – bem caro, já na tarde da véspera. Outros, ainda, recebiam seus presentes no dia 25 de manhã. Nós, todavia, achávamos que bom mesmo era o “nosso Natal”. Toda aquela preparação, aquela agonia, aquelas surpresas. Mantivemos este jeito, Élia e eu, com nossos filhos. Eles até hoje anseiam pelo almoço de Natal com tios e primos na casa dos avós, que neste ano, por causa da saúde de meu pai, pela primeira vez não teremos.
Mesmo hoje, com toda esta confusão que antecede o Natal de forte apelo comercial, acho tudo isso muito válido. Afinal, as pessoas adoram dar e receber presentes. E o sentido da confraternização continua, mais do que nunca, preservado.