![Histórias que eu conto](/fotos_colunistas/40_644c5e673d4a6.jpg)
Histórias que eu conto
Por Homero Malburg -
Homero Bruno Malburg é arquiteto e urbanista
As “vendas”
![As “vendas”](/fotos_colunas/202307/700_64b1e08e52966.jpg)
Hoje vamos ao supermercado para comprar de tudo: alimentação, bebidas, produtos de limpeza, revistas, remédios, roupas e até eletrodomésticos. Nos anos 1950, no entanto, carne se comprava no açougue: galinha se comprava viva e se abatia em casa. Leite, o leiteiro deixava na porta. Frutas e verduras se encontravam na feira-livre, no pátio atrás dos Correios. Peixes, na banca do Mercado Público. Pão, na padaria ou o padeiro trazia na carrocinha na casa de cada um. Bebidas, só no bar ou no depósito.
Todo o resto, comprava-se nas “vendas”. Entituladas armazéns ou mercearias, algumas sobrevivem até hoje. Vendiam o que se chamava na época de “secos e molhados”, na sua maior parte, produtos que não necessitavam de refrigeração.
Na rua Hercílio Luz, lembro-me da Maria Lúcia Wollinger; do Sr. Mussolini Cechinel e do Sr. Arnoldo Cabral, todos com estabelecimentos localizados na quadra entre o largo da Matriz Nova e a av. Sete de Setembro. Lá na praça Vidal Ramos ficava o da Dona Bráulia Pessoa.
No meio do percurso, o “seu Janja”, com sua pequena mercearia, por isto mesmo bem organizada e pomposamente chamada de “Empório João Fábio”. Minha mãe contou-me que ele, dado a inovações, mandava um rapaz à casa de seus clientes para saber o que estavam precisando naquele dia. Anotava tudo e depois ia de casa em casa entregando as compras.
Quando eu era muito pequeno, lembro-me de meu pai me levar ao armazém do seu Elisiário Pereira, quando lá ia papear com seu grande amigo, João Pereira. E o Adalberto Cesário Pereira falou-me há dias, de um grande “negócio” de seu pai, “seu” Zequinha, com seis portas para a rua, mais ou menos em frente à prefeitura, hoje o Museu Histórico, mas do qual não tenho lembrança.
Nós lá de casa, por uma questão de proximidade, comprávamos muito no “seu Cabral”. Onde hoje são as Lojas Koerich, o armazém tinha frente para a Hercílio Luz e fundos para a rua Guarani, atualmente, rua Dr. José Bonifácio Malburg. Por aí entravam as mercadorias na grande área de armazenagem e nós também, que por ali cortávamos caminho, até a frente do balcão na Hercílio Luz. Era uma venda com piso de ladrilhos amarelos e, no balcão, grandes balanças para pesar o cereal, a farinha, o açúcar, tudo vendido a granel em sacos de papel pardo com as bordas caprichosamente dobradas e fechadas.
Havia a seção de ferragens com ferramentas, facas, facões, machados. Outra com as louças de “pó-de-pedra” e as melhores, de porcelana. Panelas e frigideiras de ferro e alumínio e até as primeiras travessas de aço inox que apareceram no mercado; espessas, pesadas, minha mãe as tem até hoje. Material de limpeza, querosene, corda, pregos e até fogos de artifício.
Na lateral, uma vitrine fechada era a fascinação para nós guris: várias espingardas – das melhores, de cartucho, até as simples “pica-pau” de carregar pela boca. As linguiças e os salames pendurados; as grandes latas de manteiga e da banha de onde se tirava a quantidade certa com colheres de pau e se pesava embrulhadas de papel impermeável. A barrica das azeitonas servidas com uma colher de chifre.
As compras eram anotadas em uma caderneta e, no fim do mês, somadas para o acerto de contas. Ainda hoje algumas mercearias utilizam o sistema. Sei de um político de município vizinho, dono de venda, que dizia aos clientes: - “Se eu ganhar, arranco três folhas de cada caderneta”. Foi eleito.
Meu avô contou-me que um freguês do Sr. Elisiário reclamou de um queijo marcado em sua caderneta e que ele não havia comprado. Como evidentemente havia sido um engano, o proprietário mandou marcar o dito queijo em todas as cadernetas. Sábia solução: só não reclamou quem realmente o havia levado.