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Histórias que eu conto
Por Homero Malburg -
Homero Bruno Malburg é arquiteto e urbanista
Economia e reciclagens
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Meu pai era funcionário da Companhia Malburg, fundada em 1860 por meu trisavô, o alemão Nicolau Malburg. Ocupou por certo tempo um cargo de gerência vago pelo falecimento do meu tio-avô, Carlos. Nós, lá de casa, vivíamos de seu salário. Embora muita gente pudesse achar que éramos ricos, isto não era a realidade. Muitos filhos, seis na época, faziam com que minha mãe, “caixa” da Sul-América quando solteira e Ministra da Economia da casa, fizesse ginástica para fechar o mês.
O pai levava no bolso só o dinheiro do maço de Continental que ele fumava. Vivíamos com conforto, boa alimentação, colégio particular, aulas de música, muitos livros – alimentos de corpo e espírito – mas sem desperdícios e excessos. Não se tocava no dinheiro da gratificação de fim de ano. O pai comprava mais ações da firma para garantir nossa educação no futuro. Percalços financeiros administrativos fizeram-nas virar fumaça quando a Cia Malburg encerrou suas atividades em 1965, com 105 anos de história...
Pelo menos duas vezes por ano aparecia lá em casa a Dona Catarina. Aparentada nossa, era costureira. Fazia roupas para todos nós: calças, camisas, pijamas para o rapazes; vestidinhos, blusas e camisolinhas para as meninas, tudo do jeito dela. E era aí que morava o perigo... Éramos convocados no meio das brincadeiras para dar uma provadinha na roupa – sem direito a palpite – ou para ir ligeiro comprar alguma coisa que estava faltando.
Estas compras eram terríveis: aprendemos desde cedo a distinguir retrós de carretel de linha. O carretel era de madeiras e o retrós era de papelão com linha de um infinidade de cores. No balcão das lojas, um armarinho cheio de gavetinhas rasas com os retroses de toda cor possível. A mãe nos entregava um pedaço de pano e tínhamos que trazer linha daquela cor. Nunca trazíamos, de primeira, a cor certa. Daí voltávamos à loja até acertar. E os “récos”, como se chamavam os zipers? Tinham, além da cor, largura e comprimentos diferentes... A romaria às lojas da dona Erna, à Casa Cliper e ao seu Jorge Tzaschel era contínua até ela ficar satisfeita.
A reforma de roupas era trágica. Os padres salesianos nos obrigavam a frequentar as aulas de paletó. Lembro-me de um paletózinho marrom listrado, obra da dona Catarina, surgido de um terno velho do pai, que eu detestava. Era horrível.
A economia continuava nos livros escolares. Eu, o mais velho, herdava os livros que tinham sido usados por meu primo, Luciano Corbetta. Ele, exímio desenhista, ilustrava as páginas com desenhos e caricaturas dos professores e eu morria de medo que os padres descobrissem. Tais livros, muito bem cuidados, viravam atração para meus colegas quando descobriam os desenhos. No catecismo, por exemplo, fartamente ilustrado, podia aparecer na cena de Adão e Eva sendo expulsos do Paraíso; trepado numa árvore, o Tarzan com a Chita no colo. E que beleza era a ilustração original da fuga para o Egito, onde, por obra do Luciano, atrás de São José, Maria e Jesus menino, sobre uma duna, lá estava o Zorro, empinando seu cavalo e dizendo: - Aiouu, Silver, avante!