Sou feliz quando contemplo o pôr do sol. Se não consigo vê-lo, me contento com o céu mudando de cores e a noite anunciando a força de solidões e grandes ventanias. Quem nunca teve dias em que se metamorfoseou no escuro da noite? Depois de seis meses distante das conversas nas ESQUINAS, volto para contar a vocês sobre o instante em que foi o bastante para minha vida inteira.
Costumo sonhar muito durante o dia. Tenho cabelos arrepiados e uma infinidade de ideias que habitam as horas, sem chance de silêncios. Nas noites não. Nas noites raramente lembro de meus sonhos. Se um dia eu tiver a sorte de morrer na noite será tranquila a partida. Deixarei os sonhos aqui.
O que interessa em nosso papo de hoje não são os ocasos ou as noites, e muito menos os dias. Seria enfadonho e desnecessário esse papo. O que interessam aqui são os sonhos.
Meus sonhos enchem meus dias e ocuparam, por anos, minhas noites em claro. É com eles que vivo. Se for sonho não pode morrer, não é mesmo? Sempre quero o sonho antes de aceitar a realidade. Só existo por meus sonhos. A realidade e sua concretude só existem a partir de um sonho.
Sou humano, bem sei. Demasiadamente humano, diria meu filósofo de estimação. Meu tempo nesse planeta é pouco e pede atenção para não perdermos tempo. Meus sonhos ganham cores quando ouço a criança balbuciar as primeiras palavras, quando o pássaro me acorda com assobios, quando brota o alecrim verdinho ou quando toco a pele da pessoa amada. O instante para perceber isso é curto, a vida é curta.
Encaro a realidade sempre que posso. Mas comecei a sentir vontades maiores para enfrentar a vida e ganhei uma generosa dose de serenidade. Sem falar que comecei a praticar outras loucuras para suportar essa contraditória realidade, tão difícil de matar. Os sonhos habitam nossos olhos e o modo como olhamos para a realidade é que faz os sonhos continuarem movendo as horas.
Meu instante antes do escuro foi no dia 13 de março desse ano. Naquele instante abandonei coisas, encarei outras e o sorriso chegou para ficar, simplesmente porque arte e vida se misturaram impregnando de sentidos tudo que faço.
Corrompi meu nome ao me dizer poeta. Teci poemas no azul para me sentir em voo.
A vida preenche os dias e afaga os pensamentos.
Fica a dica
O filme (também em livro) O Escafandro e a Borboleta (dirigido por Julian Schnabel, 2008, França/EUA). Como é o mundo visto por um tetraplégico? Essa escolha narrativa ajuda a criarmos vínculo e a empatia mais naturais possíveis.