Coluna Animal Humano
Por Coluna Animal Humano -
Cenários e pressupostos
O maior erro em que pode cair um jovem candidato ao mercado de trabalho é imaginar que sua vida profissional está desligada de todos os desafios de competitividade que cercam a economia brasileira em seu conjunto. A economia, as empresas e os trabalhadores são esferas da mesma engrenagem. As empresas querem gente que se arrisque, saiba trabalhar em equipe, questione ordens, apresente ideias, administre o seu tempo de trabalho. Tem mais. Aquele que entra numa empresa e deseja subir de posto tem de colecionar todas as habilidades listadas e estudar continuamente. A competição é diária, continua e só termina na aposentadoria.
No passado até que era fácil. O cidadão, com o seu canudo universitário debaixo do braço, conseguia emprego em alguma empresa, ajeitava-se na escrivaninha e esperava pela promoção por tempo de serviço. Trabalhar na empresa era complicado. Não se gastava neurônio, porque pensar era tarefa do chefe. Não havia risco, porque as decisões fundamentais vinham do patrão e toda a tribo apenas obedecia. As exigências eram poucas. Esperava-se do funcionário que se vestisse adequadamente, fosse assíduo, pontual e cordato. Se ele falasse inglês, era ilustre erudito. Nessa empresa tradicional, o inglês era tão útil quanto o iídiche. Esqueça essa empresa em preto-e-branco, porque ela acabou. Esqueça também esse tipo de emprego. Nos últimos quinze anos, as empresas mudaram tão radicalmente que os especialistas em administração se referem a esse período como anos revolucionários.
Tudo que se refere ao emprego mudou na mesma intensidade revolucionária. A assiduidade, a pontualidade e o tempo de serviço já não são qualidades sagradas na empresa de hoje. A obediência canina virou defeito e falar inglês tornou-se um item fundamental. Sem ele, dificilmente alguém alcança uma boa posição. O mundo do trabalho tornou-se mais difícil, mais complexo e quem se comporta segundo padrões antigos se arrisca a ingressar nos gráficos de desemprego do IBGE. Até porque as empresas se reciclaram em busca de produtividade e estão funcionando melhor com menos empregados.
Na década de 70, um produto lançado no mercado atravessava dois anos de estado de graça, até que o concorrente descobrisse como foi feito. Na década de 80, esse prazo reduziu-se para seis meses. Hoje, em algumas horas uma empresa perde a exclusividade de um lançamento. A velocidade empresarial tornou-se impressionante e o executivo lerdo morre na competição.
Este início de milênio está caracterizado por mudanças que surpreendem, por sua rapidez e natureza, mesmo para os futurologistas acostumados a lançar um olhar mais amplo sobre a realidade. Assíduos frequentadores de análises ao vivo, feitas por especialistas em tendências, não conseguem disfarçar o seu espanto ao defrontarem-se com o impacto das mudanças, que passam de ideias a fotos concretos da noite para o dia. O que dizer, então do cidadão desavisado, atingido em cheio e sem piedade por elas?
Compõem o novo quadro de características do mundo real, a automação de atividades repetitivas, a ampliação e o refinamento dos meios de difusão da informação e de comunicação, a nova geografia econômica e humana de um mundo que atenua ou rompe suas fronteiras comerciais. Esse quadro determina novas exigências em relação a produtividade, evidenciando a boa qualidade e a inovação como metas prioritárias, bem como a necessidade de novos modelos ou alternativas nas relações de trabalho para a sobrevivência dos empreendimentos e maior equilíbrio nas parcerias.
Os avanços tecnológicos das últimas quatro décadas, acompanhado da emergência de valores novos, voltados para a criatividade, estética, confiança, subjetividade, feminilização, afetividade, desestruturação do tempo e do espaço, qualidade de vida, exigem restruturação de personalidade e de sistemas políticos e sociais, especialmente daqueles ainda caracterizados pelo primitivismo nas relações sociais e de trabalho, que distanciam de maneira brutal usuários e excluídos dos benefícios gerados pelas novas possibilidades de convívio, trabalho e consumo que esse mundo novo cria e exige.
O sistema educacional público, distante de todas essas mudanças, consolida o processo de exclusão, na medida em que, alheios a elas, não se renova nem cria novos instrumentos para oferecer aos jovens das classes economicamente menos favorecidas recursos que os levem a apropriação do conhecimento, da tecnologia e da estética de relações essenciais a um digna inclusão na nova realidade produtiva.
Programas socioeducacionais complementares e suplementares são criados com o objetivo de diminuir as defasagens produzidas pelo sistema educacional regular, mas acabam por reproduzir os mesmos equívocos. O despreparo de profissionais, a carência de recursos e uma visão de qualificação profissional marginal e alienante não se coadunam com as características que o trabalho assume no mundo contemporâneo e suas tendências.
Um programa que se proponha a oferecer aos jovens – prioritariamente os de famílias economicamente desfavorecidas – melhores condições de competir em um mercado de trabalho restrito e exigente, composto de atividades, produtivas autônomas e rentáveis, requer iniciativa, perspicácia e criatividade e supõe um formato que reúna conteúdos, metodologias e recursos compatíveis com as novas exigências tecnológicas, culturais, éticas e estéticas do trabalho, com a emergente restruturação das relações sociais, regidas por princípios fundamentais de cidadania e de direitos humanos e com a premência da preservação do ambiente e do equilíbrio ecológico.
Um programa educacional voltado para o trabalho deve estar planejado e estruturado com base nessas concepções e pressupostos. Constitui-se em uma contribuição para atenuar o crescente processo de exclusão social e para o estudo e implementação de alternativas educacionais renovadoras, flexíveis e comprometidas sobretudo com a construção de uma nova cultura, marcada pela iniciativa, autônoma ou auto diretividade, criatividade, responsabilidade e ética.