Coluna Animal Humano
Por Coluna Animal Humano -
As Marias
Em 2015, o governo divulgou um estudo que mostrou que a cada sete minutos uma mulher é vítima de violência doméstica no Brasil e que mais de 70% da população feminina brasileira vai sofrer algum tipo de violência ao longo de sua vida. Uma perspectiva assombrosa para um mundo que se pretende civilizado. Um quarto das mulheres relata ter sido vítima de violência psicológica ou física. Este problema social, moral, é reconhecido pelo governo desde a década de 1940, mas foi só a partir de 1985 que ele começou a agir, com a criação da primeira unidade da Delegacia da Mulher no estado de São Paulo e, posteriormente, com a publicação da Lei Federal n.º 11.340, em 7 de agosto de 2006 (Lei de Prevenção à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher), conhecida como Lei Maria da Penha.
Nos últimos anos, pesquisas mostraram um panorama de violência que envergonha uma sociedade que busca encontrar o equilíbrio entre a economia, as pessoas e a natureza, apresentando números que mostram que o caminho para a mudança ainda é longo e tortuoso.
Um estudo de 2014, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostrava que 75% dos entrevistados discordam que a violência é parte da natureza do homem. Mas o que assusta é saber que 58,5% dos entrevistados acreditam que, “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos casos de violação”. E mais de 65% dos entrevistados concordam “que as mulheres que usam roupas que mostram seus corpos merecem ser atacadas”. A gente se pergunta: que mundo é esse?
Uma pesquisa do ministério da Justiça revela que 80% das vítimas de violência doméstica não quer que o agressor seja preso. As vítimas oferecem soluções alternativas, tais como tratamento psicológico (40%), grupos de discussão de agressores (30%) e a obrigatoriedade de prestação de serviços comunitários (10%), o que demonstra que muitas mulheres encontram maneiras de contornar o drama familiar. Infelizmente, não há estatísticas sobre quantas conseguem, e quantas são atacadas novamente.
O Instituto DataSenado fez uma pesquisa em 2015, e mostrou que cerca de 21% das vítimas de violência doméstica não procuram ajuda e os principais motivos relatados são a preocupação com as crianças (24%), o medo de vingança do agressor (21%), a crença de que o episódio seria o último (16%), a descrença nas conseqüências legais (10%) e vergonha (7%).
Mas temos que pensar que nos últimos anos, 536 mulheres foram vítimas de agressão física, por hora, no Brasil. Em cada hora, mais de 500 mulheres são agredidas! Dezesseis milhões de brasileiras sofreram algum tipo de violência e 59% afirmaram ter visto uma mulher ser agredida física ou verbalmente em 2018. Das que têm entre 16 a 24 anos, 66% sofreram algum tipo de assédio nos últimos 12 meses. Os dados são do estudo Visível e Invisível — A vitimização de mulheres no Brasil — 2ª Edição, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com o Instituto Datafolha. Estes dados mostram que a mulher brasileira vive sob risco constante de violência.
A violência é quase sempre acionada porque o indivíduo violento sofre de uma péssima visão de si mesmo, limitado que é, sobra-lhe a força física, pois não tem força moral ou psicológica para domar seus sentimentos e suas sensações e especialmente seus medos por se sentir inferior à força feminina que tudo pode, que tudo crê, que tudo espera e tudo suporta. Outros violentos são doentes sociais, casos patológicos de psicopatias que devem ser tratados antes que violentem a vida de alguém. São casos de polícia e justiça ou saúde e justiça, mas que não devem ser aceitos como normal nas estatísticas. O violento, por ser fraco de caráter, atribui culpa ao outro, à mulher, e isso infelizmente ainda faz parte das estatísticas que vimos acima, como se um jeito de vestir ou uma simples mensagem a um amigo pudessem ser motivos justificáveis da vergonhosa violência daquele que deveria ser um companheiro, e não um algoz.
E não há motivo algum no mundo que justifique uma violência de qualquer natureza.
As famílias possuem maneiras civilizadas de resolver diferenças, se tiverem a maturidade de usar o diálogo, se este não resolver um casal pode encaminhar um divórcio consensual de uma maneira que não prejudique ninguém e chame a cada um sua respectiva responsabilidade. E se não houver acordo, a legislação prevê que cada um possa buscar seus direitos, mas nunca, nada, justifica a violência, nem a agressão verbal, psicológica, e muito menos a física.
As mulheres. São tantas as Marias que representam as demais mulheres. Todas que vivenciam esta situação impensável num mundo onde a grande maioria das pessoas são religiosas, mais de 90% dos brasileiros se declaram religiosos com maioria absoluta de cristãos, ou entre aqueles que dizem buscar o bem das outras quando são perguntadas diretamente.
Marias, este nome representa tanto. Maria, a da Penha, representa uma vitória da evolução sobre o instinto, colocando no palco mulheres corajosas que antes eram esquecidas. Sua história é um marco a partir do qual as relações deverão mudar gradativamente na medida em que o conhecimento sobre o outro é ampliado nas cabeças limitadas dos que violentam e que o apelo da lei pode forçá-los à mudança de comportamento, controlando sua agressividade mais por medo das punições legais do que por consciência, até que um dia, depois da educação dos tempos, a consciência seja tal que uma lei destas não precise mais ser acionada, quando soubermos amar decentemente, sem possessões, como se um fosse do outro patrimônio ou posse.
Maria, a santíssima representa o amor, o afeto, o acolhimento, numa sociedade tão carente destes sentimentos mais puros que elevariam nossa sociedade para um novo patamar de convivência. A Maria, a da cidade de Magdala, ou Madalena como é conhecida, representa a todos nós pela sua transformação, pelo alcance da sua mudança, sendo ela, a maior história de alguém que mudou tudo ao encontrar uma maneira de vivenciar o amor pelas pessoas como aprendido com o Cristo. Esse amor que não tem duas faces, não viola, não agride, não impõe. Apenas sente, perdoa, e segue em frente.